O autor, Thomas Traumann, é jornalista e até há pouco ocupou o cargo de ministro da Comunicação Social do governo Dilma, de onde saiu atritado. Como outros ocupantes do cargo nos governos do PT, entre eles Ricardo Kotsho e André Singer, fora do Palácio do Planalto, possui visão crítica sobre os governos do PT, mas não se livraram dos dogmas lulopistas. De qualquer modo, o editor disponibiliza o artigo, porque quer que seus leitores saibam o que essa gente pensa,a té para exercitar o contraditório e desmascará-los. -
Faça um esforço e leia:
Dilma Rousseff contou a história tantas vezes que, quando
a repetia, os assessores rapidamente se distraíam checando mensagens no
celular. "Em 2005", dizia Dilma, recordando seus tempos de ministra
da Casa Civil, "um burocrata foi até o Palácio e me disse que tinha uma
grande notícia: o FMI havia autorizado o governo federal a investir R$ 500
milhões no saneamento."
Ao discursar, a presidente sempre sublinhava a palavra
burocrata. Ela, então, levantava a voz e exclamava: "R$ 500 milhões! Veja
só, isso hoje é o que investimos em saneamento numa só cidade e era o que o FMI
autorizava a gente a destinar para o Brasil inteiro. Hoje não tem FMI para
dizer onde a gente pode ou não pode investir". O burocrata, nunca nominado,
era Joaquim Levy, então secretário do Tesouro do Ministério da Fazenda.
Quase dez anos depois, quando convidou Levy para o
Ministério da Fazenda em meio a uma abissal crise de credibilidade, a
presidente sabia bem quem estava trazendo para a equipe. Levy sempre seria um
estranho no ninho, uma concessão, um burocrata, o Joaquim Mãos de Tesoura,
capaz de compreender de Orçamento, mas não da urgência de investimentos em
saneamento.
Justiça seja feita, Levy nunca fingiu ser algo diferente.
Nas reuniões ministeriais, nas quais costumeiramente só aparecia depois da
presidente, ele sempre achava um momento para lembrar aos demais da
profundidade do rombo nas contas públicas. Nas conversas privadas, era menos
sutil.
Depois de ouvir a longa exposição de um colega sobre o
Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) ter sido um
dos pilares da campanha da reeleição e, por motivos simbólicos, ter de ser
excluído dos cortes orçamentários, Levy respondia como se falasse com uma
criança de cinco anos que chorasse por um sorvete: "É, mas não tem
dinheiro".
Noutra ocasião, um ministro falou da necessidade de o
governo socorrer os clubes de futebol. Como Levy não se enternecia, o
interlocutor apelou para o time do coração de Levy: "Sem essa medida, o
Botafogo vai quebrar", apelou o ministro. "Poxa, que pena",
retrucou Levy, sem alterar a voz.
Das características singulares do presidencialismo
brasileiro, uma das mais delicadas é a relação entre o chefe do Executivo e o
seu ministro da Fazenda. Emílio Garrastazu Médici está para Delfim Netto como
Ernesto Geisel estava para Mário Henrique Simonsen. Itamar Franco só entrou
para a história ao nomear Fernando Henrique como ministro e este, quando
presidente, demitiu amigos para manter intacta a autoridade de Pedro Malan na
política econômica.
O governo Lula pode ser descrito como antes e depois de
Palocci e o primeiro mandato de Dilma não poderia ser descrito sem que seja
relatada a sua intervenção constante nas atividades de Guido Mantega.
Por tudo isso, Dilma e Levy formam uma dupla tão
inesperada. Um reconhece no outro as melhores intenções, mas ambos discordam de
quase tudo o mais. Desde novembro, quando Levy foi anunciado ministro, o
governo federal funciona na errática relação entre a presidente detentora de
54,5 milhões de votos e o ministro fiel depositário da confiança do mercado
financeiro.
É a sístole e diástole da dinâmica de Dilma e Levy que
explica a transformação de um Orçamento deficitário em agosto em um pacote que
promete cortar R$ 26 bilhões em despesas correntes em setembro, dinâmica na
qual os vazamentos à imprensa das insatisfações da chefe com o subordinado se
pagam com o vazamento das frustrações do subordinado com a chefe.
São conhecidos os males que alimentam a ameaça de
impeachment: articulação política inábil, comunicação desastrosa, paralisia
administrativa e a sinalização mercurial dos rumos do governo. Porém, mais que
o avanço das investigações da Operação Lava Jato, dos julgamentos do Tribunal
de Contas da União e do Tribunal Superior Eleitoral e das idas e vindas do
PMDB, o ritmo do processo do impeachment será dado pelo bolso do cidadão.
São os índices de desemprego, inflação e queda no consumo
que podem derrubar o governo, que podem levar milhões às ruas, gerar pânico no
mercado financeiro e esfarinhar de vez a base governista. Por ironia do
destino, Dilma depende do sucesso do burocrata para chegar presidente a 2018.
THOMAS TRAUMANN, 48, jornalista, foi ministro da
Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (governo Dilma)
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