Para o jurista gaúchjo, autoridade administrativa não pode celebrar
acordo de leniência com base na lei anticorrupção ainda não regulamentada na
esfera federal
Um dos principais efeitos da omissão governamental em
relação à Lei “Anticorrupção” é a
inviabilização de qualquer iniciativa da Controladoria Geral da União (CGU),
que não pode instaurar investigações com base na Lei 12.846/13 antes da
regulamentação dessa norma. Se não pode instaurar investigações, tampouco pode
desencadear processos punitivos e, muito menos, aplicar penalidades. Por
consequência, a autoridade administrativa não pode celebrar acordos de
leniência. Exatamente por isso, causa surpresa o noticiário de que há
tratativas em andamento para celebrar acordos de leniência, com base nessa Lei,
entre a CGU e empreiteiras.
Como se sabe, a
Lei 12.846/13 define que serão estabelecidos em regulamento do Poder Executivo
federal os critérios do "compliance", seja para atenuar penalidades,
seja - e aqui é uma tese nossa - para excluir o próprio nexo causal. O regulamento do Executivo, cuja minuta está
na mesa da Presidente Dilma, deverá definir e detalhar quais são os procedimentos internos de integridade,
auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades que as empresas estarão
obrigadas a adotar em âmbito federal, e por meio de quais instrumentos
obrigatórios as empresas deverão viabilizar a aplicação efetiva de códigos de
ética e de conduta em suas estruturas internas. Só assim, as empresas terão
direito ao devido processo legal administrativo.
Desse modo,
percebe-se que a ausência de regulamentação federal impede que a Lei seja
aplicada na esfera administrativa, embora não iniba a atuação de instituições
como o MPF. A lei prevê que, na omissão das autoridades administrativas - e
este é o caso federal - outras
instituições podem buscar a implementação da Lei “Anticorrupção” por via
judicial, marcadamente o MPF. A ausência do Regulamento Federal não impede que
a Lei “Anticorrupção” venha a ser aplicada no arcabouço de ações civis
públicas. O risco da omissão governamental é inviabilizar aplicação da Lei
Anticorrupção por autoridades administrativas federais, na medida em que não
existem parâmetros de “compliance” para nortear a imposição de penalidades ou
mesmo eventual exclusão do nexo causal.
A omissão da
presidência da república, até este momento, ao deixar de regulamentar a Lei
Anticorrupção, faz com que os esforços atuais da AGU e da CGU na negociação de
acordos de leniência sejam infrutíferos, pois eventuais acordos poderão ser
anulados no Judiciário.
De acordo com o
art. 6o da Lei “Anticorrupção”, na
esfera administrativa poderiam ser aplicadas às pessoas jurídicas consideradas
responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções (hoje
não podem ser aplicadas por ausência do regulamento federal):
I – Multa no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20%
(vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da
instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca
será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação;
II - Publicação extraordinária da decisão condenatória.
§ 1o As sanções
serão aplicadas fundamentadamente, isolada ou cumulativamente, de acordo com as
peculiaridades do caso concreto e com a gravidade e natureza das infrações.
§ 2o A aplicação
das sanções previstas neste artigo será precedida da manifestação jurídica
elaborada pela Advocacia Pública ou pelo órgão de assistência jurídica, ou
equivalente, do ente público.
§ 3o A aplicação
das sanções previstas neste artigo não exclui, em qualquer hipótese, a
obrigação da reparação integral do dano causado.
§ 4o Na hipótese
do inciso I do caput, caso não seja possível utilizar o critério do valor do
faturamento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6.000,00 (seis mil
reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais).
§ 5o A publicação
extraordinária da decisão condenatória ocorrerá na forma de extrato de
sentença, às expensas da pessoa jurídica, em meios de comunicação de grande
circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou,
na sua falta, em publicação de circulação nacional, bem como por meio de
afixação de edital, pelo prazo mínimo de 30 (trinta) dias, no próprio
estabelecimento ou no local de exercício da atividade, de modo visível ao
público, e no sítio eletrônico na rede mundial de computadores.
§ 6o (VETADO).
Art. 7o Serão
levados em consideração na aplicação das sanções:
I - A gravidade da infração;
II - A vantagem auferida ou pretendida pelo infrator;
III - A consumação ou não da infração;
IV - O grau de lesão ou perigo de lesão;
V - O efeito negativo produzido pela infração;
VI - A situação econômica do infrator;
VII - A cooperação da pessoa jurídica para a apuração das
infrações;
VIII - A existência de mecanismos e procedimentos
internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e
a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa
jurídica;
IX - O valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica
com o órgão ou entidade pública lesados; e
X - (VETADO).
Parágrafo único. Os parâmetros de avaliação de mecanismos e
procedimentos previstos no inciso VIII do caput serão estabelecidos em
regulamento do Poder Executivo federal.
Quais as
consequências para uma omissão desta envergadura? Há que se refletir, ainda,
sobre este tópico, mas não há dúvida alguma quanto à importância dessa Lei, que
é produto de compromissos internacionais, e que lamentavelmente ainda não veio
a ser regulamentada pelo Poder Executivo Federal, gerando ambiente de
impunidade e de insegurança jurídica aos próprios administrados.
*Jurista, Doutor em Direito Administrativo pela
Universidade Complutense de Madri e Presidente do Instituto Internacional de
Estudos de Direito do Estado (IIEDE)