O editor recebeu há pouco o material que é publicado na íntegra, porque só a leitura completa permitirá compreender as circunstâncias e as perturbadoras consequências que ocorrem em função da divulgação do memorando em que a Reitoria da UFSM exige a identificação de alunos e professores israelenses no campos da Universidade.
O documento é assinado pelo vice-reitor José Fernando Schlosser.
Nenhuma linha de autorida do vice-reitor saiu antes neste espaço, simplesmente porque os contatos foram todos feitos com a assessoria de comunicação com a UFSM, que em momento algum pediu qualquer espaço.
Neste documento, o professor Schlosser narra as circunstâncias do pedido feito com base na lei de acesso à informação, a sua dúvida inicial sobre o pedido, o atendimento dele e finalmente o reconhecimento de que falhou ao não fazer qualquer avaliação política sobre o caso, o que o teria levado a agir de outro modo.
O editor compreende e lamenta os terríveis problemas pessoais por que passa o dr. Schlosser.
Leia a carta:
Senhor Políbio Braga:
Imagino, pelo lido nas suas manifestações, que a única
coisa não desejas é conhecer a minha versão sobre o fato atribuído de
preconceito na UFSM. Penso que ao menos se a conhecer não deseja aceitá-la. Mas
baseado no sentimento cristão que recebi da minha família, dou a outra face ao
agressor, já que é assim que deve ocorrer. Afinal, ao seu juízo, a minha
existência, a minha moral e os meus valores não mais lhe interessam resguardar.
Se tiver ao menos curiosidade de ler até o final este
texto eu terei tranquilidade de saber que ao menos tomou conhecimento da minha
versão. Conhecemo-nos quando do lançamento do seu livro que tratava da Operação
Rodin, por isto tenho o seu email. Trabalhei com o professor Sarkis na
administração da UFSM.
Mas enfim, vamos ao caso atual.
Quando recebemos na Pró reitoria o pedido de informações,
em 29 de agosto de 2014, o deixamos "engavetado", mesmo sabendo do
risco de cobrança que poderíamos receber. Mas quando, em 16 de maio deste ano,
o pedido foi renovado, tivemos que tomar a decisão entre, informar à
administração que não iríamos responder ou, responder da forma mínima. Fizemos
escolha pela segunda opção, tomando o cuidado de pedir informação relacionada
apenas à nacionalidade, que é uma das características do ser humano. O pedido
se referiu à presença ou expectativa de presença de alunos e docentes
provenientes de Israel. Em nenhum momento se pediu algo relacionado ao povo
judeu, como tem se afirmado em algumas das manifestações, nem foi pedido nem
elaborada nenhuma lista de nomes. Acreditamos, naquele momento, estar
protegidos por uma interpretação legal do que é nacionalidade. Não há lista de
nomes.
Agora vemos que, pela interpretação de muitos, este nosso
cuidado foi insuficiente. Hoje sabemos que, mesmo atendendo a legislação (ao
nosso juízo) isto não foi suficiente, haveria que ter a análise política, que
julgamos não deva ser feita no âmbito em que eu estava posicionado na
administração. Enfim, uma sucessão de avaliações que fizemos e que, no momento,
julgamos satisfatórias e não foram. Deveria eu ter retornado o memorando
interno ao gabinete do reitor e questionar a ordem dada, embora soubesse que
eles estavam sendo cobrados, com ameaça legal de que não estávamos cumprindo a
lei de acesso à informação. Outra saída era não atender e esperar que uma ordem
judicial nos obrigasse a isto, como ocorre frequentemente em órgãos públicos.
Concordo que a fraude ao documento só serviu para agravar
a situação, mas o conteúdo original, por si só, já seria suficiente para a análise.
Confesso que a análise intempestiva não ocorreria da mesma maneira, mas seria
necessária a sua avaliação da mesma forma.
Outro ponto a referir, que tem sido tocado nas análises é
a questão do interesse na informação. A quem realmente interessava a
informação? É lógico que à Pró reitoria não. Não temos nenhum lugar na nossa
política de apoio aos programas de pós-graduação em que esta informação possa
ser útil. À reitoria penso que também não, pois a prova de apoio à políticas de
inserção social não se compatibilizariam com segregação. A informação era, a
nosso ver de puro interesse de quem as pedia e nos colocávamos em uma posição
incômoda ao busca-la, pois éramos naquele momento a única unidade
administrativa que poderia fazê-lo.
Como não havia participado de nenhuma reunião, com
nenhuma associação das que subscrevem o documento me ative à ordem
institucional de respondê-lo, sem avaliação política do seu conteúdo. Meu cargo
é técnico e não comporta participação, nem avaliação política.
Sobre a necessidade de resposta aos pedidos que chegam à
administração, sempre analisamos o interesse público e o atendimento aos
requisitos legais da Lei 12.527/2011. Como é uma lei recente e dedicada
diretamente ao trabalho administrativo é uma das que mais se estuda e utiliza.
O interesse público, deduzimos da representatividade. Os requisitos previstos
em lei, documento idôneo e assinado estavam igualmente presentes. Havia uma
manifestação escrita e assinada.
Diariamente emitimos pareceres que muitas vezes são
estritamente baseados em regulamentos e legislação e para os quais, no íntimo,
temos outra visão pessoal, mas que esta não deve prevalecer. Neste caso em
concreto, é lógico que eu estava incômodo, pensei nos inúmeros amigos que suas
famílias têm descendência em Israel e pensei "o que eles pensariam deste
pedido", mas neste momento o sentimento de cumprimento do dever público se
sobrepôs. Esta é uma característica minha que já me deu e dará muita dor de
cabeça. Tenho dificuldade em abstrair minha consciência pessoal da função
pública, quando estou exercendo cargos. Sempre foi assim.
Sobre a possibilidade de retratação pública não vejo como
isto possa se concretizar. Como posso eu e retratar de algo que não fiz.
Parecerá uma proforma para minimizar um erro de avaliação. As pessoas
inteligentes perceberão como uma manobra para livrar-me do incômodo. Também
ficará patente um posicionamento inicial que não é meu. Quem se retrata de uma
posição é porque a tinha inicialmente. O que posso reconhecer é que houve erro
de avaliação, mas reconsiderar seria considerar o inicialmente atribuído a mim.
Espero que ao final eu não permaneça com este rótulo, que
é o que estou mais preocupado agora. Vários amigos de origem judaica tem se
manifestado a mim de forma solidária, porque me conhecem. Alguns eu convivo há
mais de quarenta anos. Outros estão esperando o decorrer dos dias para tomarem
posição. Não tenho este sentimento discriminatório que recebo neste momento.
Não sou nazista, nem antissemita.
Mas não se preocupe com a minha versão, afinal ela é
minha e talvez não lhe interesse, porém vou continuar defendendo minha
reputação até que as forças me falhem. Minha família está me apoiando e é o que
me importa. Meus pais, que pela idade não iriam compreender esta situação já
não mais estão neste plano, portanto não estão passando por este sofrimento.
Minha vida está destroçada pela sua análise, mas repito
que tenho convicção que isto não lhe importa, afinal eu sou um discriminador,
racista, antissemita, por isto estamos em lados opostos e pelo que vejo o
senhor é meu inimigo e a morte moral é a minha sentença.
Se o senhor chegou até aqui, obrigado pela atenção.
José Fernando Schlosser
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Dr. José Fernando Schlosser
Professor Titular
Bolsista de Produtividade CNPq 1D
Engenheiro agrônomo (UFSM) e advogado (ULBRA)
Especialista em Planejamento de frotas de Máquinas
Agrícolas (EniChem)
Especialista em Direito Processual Civil (Anhanguera/LFG)
Mestre em Engenharia Agrícola (UFSM)
Doutor em Energia, Maquinaria e Irrigação (Universidad
Politécnica de Madrid)
Pró Reitor adjunto de Pós Graduação e Pesquisa - PRPGP
Coordenador de Pós Graduação - PRPGP UFSM
Coordenador do Laboratório de Agrotecnologia
Diretor do Núcleo de Ensaios de Máquinas Agrícolas
Centro de Ciências Rurais
Fone: 3220 8850 e 3220 8175
Universidade Federal de Santa Maria
e-mail: josefernandoschlosser@gmail.com