Menos de dois anos após a entrada em vigor da Lei
Anticorrupção Empresarial, surge o ambicioso Projeto de Lei nº 8.121, de
autoria do deputado Vicente Cândido (PT-SP), com proposta de grandes
alterações, incluindo impactos também na Lei da Improbidade Administrativa.
Embora pareça moderno, o projeto soa um tanto quanto casuístico e balizado
pelas experiências ainda não sedimentadas da Operação Lava-Jato.
Percebe-se atenuação das responsabilidades das empresas,
que agora devem apenas “fornecer informações e documentos relativos aos
ilícitos objeto da investigação administrativa”, sem qualquer compromisso com
efetividade e sem especificar o alcance da eficácia dos documentos.
Os acordos de leniência, no projeto, podem atenuar ou até
isentar as pessoas jurídicas das sanções previstas em normas referentes a
licitações e contratos, bem como das sanções da Lei Anticorrupção Empresarial
(Lei nº 12.846/2013) e da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº
8.429/1992).
REQUISITOS
Segundo a Lei de Improbidade Administrativa, os acordos
dependem dos seguintes requisitos: 1) reparação do dano ou perda dos bens ou
valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, quando verificadas essas
circunstâncias, sem prejuízo de eventual aplicação das sanções previstas no
art. 12;
2) que a parte não tenha descumprido acordo decorrente
desta lei, nos últimos cinco anos;
3) a parte cesse completamente seu envolvimento na
infração investigada; e
4) a parte coopere plena e permanentemente com as
investigações e com o processo judicial, inclusive compareça, sempre que
solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.
É interessante notar, aliás, que, para a celebração de
acordos envolvendo atos de improbidade administrativa, o projeto de lei exige
que a cooperação do celebrante seja plena e permanente, enquanto que, para os
acordos de leniência da Lei Anticorrupção Empresarial, exclui esses requisitos.
MUITO NEBULOSO
O objetivo do PL nº 8.121 ainda está nebuloso. Se
flagrado um funcionário da pessoa jurídica envolvido em corrupção, um caminho
muito mais simples, barato e eficiente poderia ser percorrido pela via dos
acordos, especialmente se houver excesso de discricionariedade e lacunas de
controles nesse terreno. Há que se ter cautela com essa perspectiva,
especialmente no momento atual, evitando-se o casuísmo legislativo e a
desconfiança da sociedade acerca das verdadeiras motivações do projeto em
questão.
Em declarações prestadas à imprensa, o deputado
proponente reconhece o casuísmo de sua proposta: “Essa lei é nova, mas não
estava preparada para evento do tamanho da Lava-Jato. Não quer dizer que a
empresa seria totalmente isenta. Ela ainda teria que reparar o erário, mas, em
nenhuma hipótese, se fecharia a empresa. Hoje a declaração de inidoneidade
fecha o mercado de crédito, o que acaba matando a empresa”, explicou o
parlamentar.
Em outras palavras: se a empresa for flagrada praticando
negócios escusos e lesando o erário, ela apenas devolveria os respectivos
valores e nada mais. Existe incentivo maior para se cometer ilícito?
JUSTIFICATIVA?
Chega a ser esdrúxula a primeira justificativa
oficialmente apresentada pelo deputado proponente: “O Brasil não pode ficar a
reboque do resto do mundo, sobretudo dos países desenvolvidos”.
Isso parece significar que, pelo raciocínio do
parlamentar, o Brasil deve abdicar das políticas de combate à corrupção
internacionalmente consagradas e permanecer confinado na pecha de país
subdesenvolvido?
Acredita-se que debate mais aprofundado há de ser travado
em torno da possibilidade de acordos — e de seus pressupostos — nas ações de
improbidade administrativa ou empresarial, tomando como referência os
institutos utilizados no âmbito do direito penal econômico, mas um projeto de
lei específico para essa finalidade seria o ideal, com um olhar sistêmico e
alinhado com as novas tendências mundiais.
Atualmente, o que se quer é a propositura de um espaço
para empresas limpas no Brasil, coibindo-se aventuras de corruptores ou
empresários que revelem aderência às práticas espúrias de parcela da classe
política compromissada com cultura arcaica e patrimonialista.
Fábio Medina Osório é advogado e Doutor em Direito
Administrativo
pela Universidade Complutense de Madri.
Marcelo Zenkner é Secretário de Controle e Transparência
do Espírito Santo
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