Câmbio ainda não elevou competitividade das empresas brasileiras

A reportagem a seguir é assinada pelas jornalistas Flavia Lima e Tainara Machado, do jornal Valor. O editor disponibiliza o texto completo

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A desvalorização da taxa de câmbio, de quase 40% no último ano, ainda não foi suficiente para tornar competitivos os produtos que podem ser trocados com o exterior, como bens industrializados, e alterar a relação desses bens com aqueles que não podem ser trocados - os serviços - que seguem bastante pressionados. O impasse ocorre porque embora o dólar tenha se valorizado com relação ao real, o fenômeno também se deu com relação a outras moedas, algo que deve tornar mais difícil a tarefa de reduzir o déficit em conta corrente e dar maior competitividade para os exportadores brasileiros. Dentro do próprio governo, entre ministros da área econômica, há esta percepção.

Ainda que a taxa de câmbio tenha mostrado desvalorização nominal relevante - de R$ 1,56 em 2011 para algo em torno de R$ 3,10 neste ano - não houve melhora dos preços relativos porque o dólar também se valorizou contra outras moedas e a elevada inflação brasileira corroeu parte dos ganhos de competitividade que poderiam ter sido auferidos, diz Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para América Latina do Goldman Sachs. Para ele, o câmbio teria que caminhar para algo ao redor de R$ 3,60 para facilitar o ajuste macroeconômico. Com um dólar mais próximo de R$ 3,60, diz Ramos, o Brasil ficaria mais "barato", o que aumentaria a competitividade dos produtos domésticos no exterior. Ao mesmo tempo, diz, o governo tem que perseguir um ajuste fiscal estrutural, que contenha a demanda interna e contribua para desaceleração da inflação de serviços.

A razão entre bens comercializáveis e não comercializáveis é, na verdade, uma medida de câmbio real, diz Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Fibra, e o câmbio real "mexeu pouco". "É por isso que o déficit em conta corrente só vai ser ajustado quando o câmbio real for ajustado", diz ele. Considerado elevado, o déficit em conta corrente subiu de 4,47% do PIB em doze meses até dezembro para 4,53% em igual período até abril, totalizando US$ 100,2 bilhões. A depender justamente desse ajuste, avaliam especialistas, é possível que seja difícil até mesmo atingir a modesta expectativa do Banco Central, de reduzir o déficit para US$ 84 bilhões (4,4% do PIB) no fim de 2015.

Cálculos da Fundação Getulio Vargas (FGV) indicam que, no último ano, a relação entre os preços de bens que podem ser comercializados com o exterior, como eletrodomésticos, e itens que não são comercializáveis, essencialmente serviços, não se alterou. O índice, que usa como referência o ano de 1995, caiu de 83,99 para 82,37, comparando meses de maio. Em outros momentos, essa reação dos preços à desvalorização do câmbio foi bem mais rápida. Entre 2002 e 2003, por exemplo, quando também houve desvalorização do real, a relação saiu de 95,35 em maio de 2002 para 104,66 um ano depois, o que contribuiu para recuperação do setor externo.

Marcel Balassiano, do Ibre-FGV, concorda que o câmbio ainda está levemente valorizado, apesar de ter superado R$ 3, o que dificulta o ajuste. "A desvalorização cambial precisaria ser maior para modificar esses preços relativos e ajudar a reduzir a vulnerabilidade externa", diz Balassiano. Um ponto fundamental, diz, é reduzir a inflação de serviços, que representa cerca de 35% do IPCA e está há mais de quatro anos acima de 8%.

Oliveira, do Fibra, ressalta que os preços dos não comercializáveis - basicamente serviços - têm uma relação grande com a atividade econômica e, dada a sua fraqueza, o efeito sobre os serviços deve acontecer nos próximos dois anos. "Não estou dizendo que a defasagem é de um ano, mas ela é longa, provavelmente entre dois e três trimestres", diz Oliveira. A equipe do Fibra vê desaceleração da inflação de serviços, embora lentamente. De 8,3% em 2014 deve cair para algo próximo de 7,8% neste ano. Em 2016, cai mais uma vez, para 6,3%, ficando em 5,5% em 2017.

Em outras ocasiões, o ajuste de preços relativos também ocorreu com defasagem, de cerca de quase um ano após a desvalorização do real, lembra Luis Afonso Fernandes Lima, economista-chefe da Mapfre Investimentos. A diferença neste ano, diz ele, é que os efeitos parecem estar mais espalhados. "Talvez a gente não tenha um pico como em outros episódios, mas um morro", diz. "Mas dado o desequilíbrio do balanço de pagamentos não dá para ficar tanto tempo longe do equilíbrio da taxa de câmbio".

Antonio Corrêa de Lacerda, professor-doutor da PUC-SP, diz que a velocidade baixa do ajuste se deve, primeiro, a uma realidade. "Grande parte dos comercializáveis que teria espaço maior, em tese, para sofrer reajuste diante da desvalorização do real, encontra a economia e a renda numa fase deprimida, o que acaba limitando espaço para repasses", diz ele. Outra hipótese, afirma, é que a economia desacelerou rápido e de forma intensa, as empresas foram pegas com estoques altos e com formação de preço com base em um câmbio menos desvalorizado.

Os dados do IBGE mostram que, de fato, houve dificuldade para repassar a desvalorização cambial para o consumidor. Nos últimos doze meses, a inflação de bens comercializáveis cedeu de 6,7% para 5,7%. Os preços dos bens não comercializáveis porém, aceleraram, de 7,4% para 7,8%, considerando os meses de maio de 2014 e de 2015.

Para Fernando Rocha, economista da JGP Gestão de Recursos, os ajustes monetário e fiscal vão levar a inflação de serviços para baixo, mas isso não quer dizer que o ajuste de preços relativos vai ocorrer. O reequilíbrio exigiria que a inflação de serviços fosse menor do que a de bens comercializáveis, o que ainda parece distante. "Vamos caminhar para uma situação em que o BC consegue reduzir a inflação, mas o ajuste de preços relativos fica incompleto. Em algum momento, o câmbio vai precisar desvalorizar mais", diz.

Ramos, do Goldman Sachs, diz que o ajuste vai ocorrer, ainda que lentamente. A questão é que um real mais fraco reduziria o custo do ajuste em termos de emprego, por exemplo, e não seria permanente. Com maior solidez dos fundamentos macroeconômicos, o Banco Central poderia em algum momento futuro reduzir juros, provocando certa valorização da taxa de câmbio para algo mais em linha com o ponto de equilíbrio, em torno de R$ 3,3. "Mas o Banco Central só vai poder cortar juros quando substituir essa âncora pela âncora fiscal", diz Ramos.



2 comentários:

Anônimo disse...

É de simples constatação. A margem entre a receita em reais e a receita em dólar o governo quer toda das empresas exportadoras para bancar o ajuste.

Com a atual politica econômica exportar ou não nada muda.



Anônimo disse...

mas vamos competir com qual produto???

não fabricamos nada que seja atrativo para o exterior...

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