O camelô dos palanques vende discursos por um punhado de votos

Clipping: Por Augusto Nunes / Revista Veja / 8 de agosto de 2009

Daqui a muitos anos, quando a Era da Mediocridade for apenas outra má lembrança, os historiadores interessados em compreendê-la haverão de contemplar com desconcerto e desconsolo o país do começo do século. O que houve com o Brasil para que tantos demorassem tanto tempo para compreender que havia apenas um populista vulgar onde enxergavam o enviado da Divina Providência? Como puderam não perceber em dois ou três meses que lidavam com um homem absurdamente inculto, despreparado, falastrão, grosseiro, incoerente, antiético? Por que ficou no palco anos a fio o canastrão que protagonizou o espetáculo da ignorância?

Até os cretinos da platéia e os comparsas no elenco deveriam ter saído pelas ruas berrando que havia um farsante no poder, dirão os historiadores ao toparem com o video que ilustra o texto. Viaja pela internet há algum tempo. Quem o conhece precisa ver de novo. Quem ainda não foi apresentado a esses 4 minutos penosamente pedagógicos saberá o que estava perdendo. É um filme sobre a alma de Lula, feito de trechos de dois comícios. Ambos no Maranhão. Ambos depois do almoço.

No primeiro, promovido em Imperatriz na campanha de 2000, o chefe da oposição veste calça azul marinho e camisa branca de mangas curtas, tem um chapéu na cabeça, está com o rosto avermelhado pelo sol do Nordeste e pelos hábitos, assassina com desenvoltura de serial killer todos os esses e erres no fim da palavras, tortura conjugações verbais, mantém em trincheiras opostas o sujeito e o predicado, inverte a posição de letras ou sílabas e fala da governadora Roseana Sarney.

No segundo, realizado em São Luiz seis anos depois, o presidente em campanha pela reeleição repete o traje esporte chique 2000 (sem o chapéu e com uma camisa azul claro), continua esbanjando ferocidade na guerra contra a gramática e a ortografia e fala de Roseana Sarney, candidata ao governo estadual. A diferença está no conteúdo do improviso.
A Roseana de Imperatriz só está bem nas pesquisas “porque o pai dela é o dono da Globo, porque o Lobão é o dono do SBT, porque a Bandeirantes é não sei de quem”, comunica. Uma favorita da mídia faz o que quer com números e fatos. Conhece bem o Maranhão, gaba-se o orador. Sabe que Roseana vai perder a eleição. Roseana ganhou.

A Roseana de São Luiz vai ganhar a eleição, grita o palanqueiro suado, segurando a mão da mulher à sua direita e agitando o braço como quem vai arrancá-lo. Conhece bem o Maranhão. Ela merece. Sempre foi leal — e lealdade em político é tudo, ensina Lula. Enquanto isso, lembra na fronteira da cólera, “os outro atacavam preda”. Repôe a vogal e a consoante em seus lugares no “pedra”da frase seguinte. Mantém o a e elimina o m e diz que “os outros atacava”. Segue adiante com os “vamo fazê”, “tem de compreendê”, “a gente vai precisá dessa mulhé”, Nada sobre os donos das emissoras de TV. José Sarney já tinha virado amigo de infância. E Edison Lobão logo viraria ministro. Promete voltar para a festa da vitória. Roseana perdeu.

O video ajuda a lembrar que, como todo populista, Lula transfere votos, mas não em número suficiente para transformar um condenado à derrota em vitorioso ou para impedir o triunfo de quem tem a preferência do eleitorado. Informa. sobretudo, que o camelô dos palanques vende discursos por um punhado de votos. Lula só pensa em Lula. Já não sabe sentir afetos reais.


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