O Ministério da Saúde e os médicos brasileiros têm
percepções inconciliáveis quando se expressam sobre o programa Mais Médicos e a
respeito da saúde da nação. Recentemente, as mais altas autoridades do governo
divulgaram que o programa mudou a vida de 63 milhões de pessoas, que agora
recebem atendimento acolhedor e competente.
Enfatizaram que o Mais Médicos aumentou o número de
consultas e anunciaram a abertura de milhares de vagas em novos cursos de
medicina para atenuar a carestia de profissionais. Arremataram afirmando que os
médicos brasileiros resistiram ao Mais Médicos por interesses corporativos e
ideológicos.
Protagonistas de um sistema de saúde pública arruinado
pela inépcia, os médicos da nação não compreenderam o discurso oficial,
desconectado da realidade e adornado por preconceito injusto.
Nenhum médico brasileiro ou de outra nacionalidade ignora
a necessidade de se produzirem mais médicos, dada a carência e sua má
distribuição. Um médico é sempre melhor do que nenhum, sobretudo nas
comunidades carentes. Nem por isso a classe médica é obrigada a aceitar um
programa implementado de forma ilegal, não resolutiva e divulgado de maneira
falaciosa.
Segundo o TCU (Tribunal de Contas da União), que auditou
o Mais Médicos, o programa viola o artigo 5º da Constituição, pois brasileiros
e estrangeiros residentes no país têm iguais direitos à vida, à liberdade e à
igualdade.
O Mais Médicos acolheu 18.240 médicos, dos quais 11.429
cubanos. Estes, pessoas amistosas e resignadas, estão vivendo no Brasil
confinados, sem liberdade de ir e vir, recebendo 30% do que auferem seus
colegas estrangeiros e brasileiros.
Essa óbvia transgressão é agravada por outra ilegalidade
intrigante. Pautados por um "contrato obscuro", o governo transfere
para Cuba um adicional de R$ 1 bilhão ao ano, além dos salários. Esses recursos
são entregues a uma "empresa anônima, cujos proprietários são
desconhecidos". Confesso que o incômodo fica insuportável quando tento
imaginar quem são eles.
O TCU revela também que existe "grande
inconsistência na aferição dos resultados do programa", colocando em
dúvida números majestosos apresentados oficialmente.
Como ressalva minha, se é verdade que 18.240 médicos
atendem bem a 63 milhões de brasileiros, a felicidade poderá ser esparramada
pela pátria, importando-se mais 25 mil médicos, inclusive cubanos.
Estaremos encerrando o padecimento interminável de 150
milhões de usuários do SUS, a um custo irrisório, cerca de R$ 4,5 bilhões por
ano. Menos de 5% do Orçamento federal destinado à saúde e muito pouco, perto
dos R$ 88 bilhões surrupiados somente da Petrobras. Preciso explicar porque
ninguém se interessou por solução tão simples?
Outras observações do TCU: ao contrário do discurso
oficial, os Estados mais ricos, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul
estão entre os que mais receberam médicos. Ademais, nas cidades inseridas no
projeto, o número de consultas aumentou, em média, 19%.
Sem dúvida, mais brasileiros tiveram suas aflições
abrandadas, mas, dado o nível de degradação da saúde, esse incremento é risível
para se proclamar a nascença de um grande programa de assistência.
A experiência recente mostra que verdade e competência
não representam virtudes marcantes dos nossos governantes. Por isso, em vez de
insistir no discurso e em programas ficcionais, as autoridades da saúde
deveriam adotar medidas genuínas para atenuar o esfrangalho.
Como fazê-lo? Destinando à saúde recursos decentes,
valorizando o Programa de Saúde da Família, legítimo projeto de amparo aos
desassistidos, restaurando a rede hospitalar do SUS e colocando-a sob gestão de
organizações sociais sérias.
Também é preciso autorizar novas escolas médicas pautadas
pela excelência, não por interesses de grupos predadores, remunerar de maneira
justa os profissionais da saúde pública e importar médicos estrangeiros, desde
que aprovados em exames de competência, para ajudar legitimamente os
brasileiros.
Como explicava Geraldo Vandré: "Porque gado a gente
marca, tange, ferra, engorda e mata; mas com gente é diferente".
MIGUEL SROUGI, 68, é professor titular de urologia da
Faculdade de Medicina da USP, pós-graduado em urologia pela Universidade
Harvard (EUA) e presidente do Conselho do Instituto Criança é Vida
*
2 comentários:
Por que São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul foram "agraciados" com as maiores levas do Mais Médicos ?
Ora, são estados onde a oposição é mais significativa. Simples assim.
Provavelmente estes médicos deveriam desempenhar o papel de cabos eleitorais.
Precisamos de + médicos brasileiros, pra marcar ponto pros "colegas" ausente, enqto vão viajar, e não aparecem no plantão...
Postar um comentário