Nesta entrevista ao Diário do Poder, edição do jornalista Claudio Humberto, publicada no Correio Braziliense deste domingo, o ex-ministro Ayres Brioto diz que Dilma já não reúne qualidades exigidas de um
presidente. O jurista vem sendo apontado como um provável ministro da Justiça, caso Michel Temer substitua Dilma.
Ele acha que Dilma perderá o cargo pela via judicial ou pela renúncia.
Leia tudo?
O ministro aposentado Carlos Ayres Britto, um dos mais
admirados juristas brasileiros, considera que a presidente Dilma Rousseff já
não reúne as três qualidades de um presidente: estadista, governante e administrador.
Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral,
Ayres Britto, que na juventude foi militante do PT, prevê “três anos de
agonia”, referindo-se ao que resta de mandato para Dilma, “a menos que outra
saída apareça”. As declarações foram feitas ao jornal Correio Braziliense deste
domingo.
Ele adverte que se Dilma não recuperar o prestígio,
“decai da confiança do povo quanto às três exigências jurídicas para o titular
do Poder Executivo, boa gerente, boa chefe de governo e uma estadista. Aí vêm
as outras saídas igualmente constitucionais. Quais seriam? Renúncia,
impeachment, sim.”
Ayres Brito fez quetão de elogiar o vice-presidente
Michel Temer: "É confortador saber que o vice-presidente da República,
coordenador político do governo, é um constitucionalista dos bons, é um homem
sereno, sensato. Ele tem condições de ser o ponto de aglutinação das forças
políticas, nesse momento de consenso necessário. Mas, para esse consenso, é
preciso seguir pautas objetivas. E o roteiro desse filme é a
Constituição."
O ministro aposentado acha que só caberia impeachment de
Dilma para os atos apurados no curso do mandato atual. “O cargo é o mesmo, mas
os mandatos são dois. Duas eleições, duas diplomações. Duas posses, dois
exercícios. Então, ela só reponde por crime de responsabilidade, ensejador do
impeachment, se ela cometer um daqueles crimes arrolados pelo artigo 85 no
atual mandato.”
Mas reconhece que ela não está blindada. “Você tem a
instância penal, a instância eleitoral e está com três processos na Justiça
Eleitoral, tem a instância de contas”, diz ele.
Leia a a entrevista aos jornalistas Ana Dubeux, Ana Maria
Campos, Helena Mader e Leonardo Cavalcante:
O senhor tem acompanhado esta cena política? Avalia que o
momento é crítico?
Todo mundo tem um
modo personalíssimo de ver as coisas. Tenho experimentado um misto de desalento
e de alento. Aí você pode dizer que são sentimentos contraditórios, mas eu
explico. O desalento é perceber que a corrupção no Brasil é sistêmica, é
atávica, é impressionante. Isso me remete, desalentadoramente, ao padre Antônio
Vieira, por volta de 1650, 1654, ele disse num trocadilho muito bem colocado:
“Os governadores chegam pobres às índias ricas e retornam ricos das índias
pobres”. Ou seja, os governadores eram saqueadores mesmo. Raspavam até o fundo
do tacho, saqueavam o erário, o patrimônio das colônias. Então, a gente percebe
que o principal ponto de fragilidade estrutural do país é a corrupção.
E qual é o motivo de alento?
É que a
Constituição combate a corrupção. No artigo 37, está dito: os atos de
improbidade administrativa importarão perda da função pública. Suspensão dos
direitos políticos, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário.
Melhor impossível. A Constituição joga duro com a corrupção.
Como sair desta crise?
Escrevi um artigo
intitulado “Deus salve a rainha ou salve-se quem puder”. A rainha é a
Constituição. Estamos em crise, crise econômica, crise política, é verdade. É
uma crise de existência coletiva. Mas não é uma existência de crise. Para
resolver, é só você não sair do esquadrio da Constituição. A Constituição
contém todos os antídotos que nos permitem sair da crise. A Constituição pegou
as instituições criadas por ela, penso no parlamento, no Executivo, no
Ministério Público, e dividiu em dois blocos. Primeiro, o bloco das
instituições que governam, o Executivo e o Legislativo, que são poderes
eminentemente políticos da República, eleitos pelo povo. E o outro bloco é das
instituições que impedem o desgoverno, a polícia, o MP, os tribunais de Contas e
o Judiciário. Enquanto essas instituições impeditivas de desgoverno
funcionarem, a vaca não vai para o brejo. E, de fato, mais e mais o segundo
bloco funciona bem. Você tem o Ministério Público que é o melhor do mundo. Você
tem a imprensa no Brasil.
A solução para a crise passa pelo Ministério Público e
pela Polícia Federal?
Enquanto as
instituições do segundo bloco funcionarem, nós sairemos, sim, desse impasse. É
uma questão de tempo.
Se a Constituição é a rainha e, pelo que o senhor fala,
salva, a presidente Dilma se salva?
Aí é que está. A
presidente é figura central, é chefe do Poder Executivo. Aqui no Brasil é o
seguinte: o Poder Executivo é muito forte porque o titular tem três chefias.
Ele é chefe da administração pública, das atividades administrativas e dos
serviços públicos. Exige-se dele que seja um gerente, mas ele não é só isso.
Ele é chefe do governo. Não confundir governo com administração. No governo,
ele não precisa da mediação da lei para agir. Por isso, o primeiro princípio do
artigo 37, que cuida da administração pública, é a legalidade. Sem lei, o cargo
de administrador está com o freio de mão puxado. Mas como governo, ele não
precisa da lei. Por exemplo, ele não precisa da lei para vetar a lei, um
projeto de lei. Ele é chefe de governo e só precisa da Constituição. E é chefe
da administração pública, e aí precisa da Constituição. Mas ele também exerce
uma terceira chefia. Ele é chefe de Estado, protagoniza as relações
internacionais do Brasil. Chefe da administração, chefe do governo e chefe do
Estado. É muito poder, é imperial. Aí você exige que o presidente seja um
estadista, um governante e um administrador. Quando falha nas três, a coisa
fica delicada. E parece que é a situação da Dilma. Já não se reconhece nela
nenhuma das três qualidades. O que se espera de Dilma? Ainda nos marcos da
Constituição, ela foi eleita para governar quatro anos. Foi eleita
democraticamente. E o que se espera? O desafio dela é se reinventar.
O que ela não está fazendo...
Ela não está
conseguindo fazer, eu concordo. Mas, se ela não recupera o prestígio, decai da
confiança do povo quanto às três exigências jurídicas para o titular do Poder
Executivo, boa gerente, boa chefe de governo e uma estadista. Aí vêm as outras
saídas igualmente constitucionais. Quais seriam? Renúncia, impeachment, sim.
Acho que só cabe impeachment para os atos apurados no curso do mandato atual. O
cargo é o mesmo, mas os mandatos são dois. Duas eleições, duas diplomações.
Duas posses, dois exercícios. Então, ela só reponde por crime de
responsabilidade, ensejador do impeachment, se ela cometer um daqueles crimes
arrolados pelo artigo 85 no atual mandato. Mas ela está blindada? Não. Você tem
a instância penal, a instância eleitoral e está com três processos na Justiça
Eleitoral, tem a instância de contas.
Mas ela está com processo eleitoral por causa da campanha
para este mandato...
Mas não é crime de
responsabilidade. É crime eleitoral. É preciso entender o seguinte: os crimes
de responsabilidade, ali no artigo 85, são também comuns, são eleitorais, são
infrações de contas, são infrações civis. Por exemplo, improbidade
administrativa, as instâncias não se confundem. A Constituição aperta o cerco
contra o governante infrator. Você tem a instância política, que é o
impeachment, você tem a instância de contas, que é o TCU, você tem a instância
penal, que é o Supremo Tribunal Federal. Você tem a instância civil, por
exemplo, improbidade administrativa. Então, quando a gente diz que ela está
livre do impeachment por atos praticados no primeiro mandato, as pessoas dizem:
“Então, você está blindando a presidente”. Não confunda as coisas. Quanto a
crimes de responsabilidade, ela só responde pelo que praticar no atual mandato.
É por isso que a Constituição diz assim: artigo 85, são crimes de responsabilidade
atos do presidente da República que atentem contra. Não é que atentaram.
Se ela perder o cargo será pelo Poder Judiciário?
Exato, pelo Poder
Judiciário.
O Congresso não tem essa força?
Somente se ela
cometeu crime de responsabilidade no exercício do mandato. Ao que se sabe, ela
não ocorreu nesses seis meses em crime de responsabilidade. Agora, ela está
sujeita às outras instâncias de julgamento. Aí viria outra saída que está se
cogitando. Seria o parlamentarismo. Aí uma discussão terá de ser travada. Cabe
a instituição do parlamentarismo?
E o debate sobre parlamentarismo, com um Congresso
atolado até o pescoço em corrupção?
Aí é preciso, como
sempre, muita cautela. Vamos evitar precipitações. Via plebiscito parece que
não seria possível. Quando a Constituição, nas disposições transitórias, disse
que dentro de cinco anos haveria um plebiscito para o povo decidir sobre a
forma de governo, República ou Monarquia, e sobre o sistema de governo,
presidencialismo ou parlamentarismo, tudo faz crer, em uma análise fria e
científica, que aquele ato suspendeu a cláusula pétrea da República e do
presidencialismo. Foi uma vez só que se deu ao povo a oportunidade de falar
sobre esse tema. Via plebiscito então não pode. E via emenda à Constituição? Se
for realmente cláusula pétrea, também não.
Qual é a saída?
Aí a renúncia que
se apresentaria. Mas se ela não quiser renunciar, não pode ser forçada. É ato
unilateral e espontâneo.
Aí serão três anos sangrando?
Serão três anos de
agonia. A menos que outra saída apareça. O brasileiro é muito inventivo. Uma
vez perguntaram a Mário Quintana: “O que é imaginação?”, e aí ele disse: “A
imaginação é a memória que enlouqueceu”. Quando você esquece que tem memória,
você se desacumula de conhecimento, se descarta dos preconceitos, a mente fica
uma espécie de tábua rasa. Eu evoluo quando esvazio o meu armário de tudo
quanto nele guardei. E evoluo mais ainda quando jogo o próprio armário fora. Só
resta o vazio. O povo brasileiro tem essa capacidade impressionante.
Pode haver união de forças antagônicas para segurar esse
sangramento?
Acredito que sim.
Quando se compreende que todos estão no mesmo barco, se ninguém tentar ajudar
os timoneiros, o barco naufraga. A não ser, o espaço do fisiologismo, do
salvacionismo, do golpe.
Esse pacto também pode ser ao contrário, para tentar ver
se a presidente sai, não?
Quando a
coletividade sente que é hora de fazer destino começa a raciocinar na linha do
que disse o presidente Kennedy, em seu discurso de posse, em plena guerra fria.
Ele disse: “Esse momento não é de perguntar o que os EUA podem fazer por ele.
Cada cidadão tem que perguntar o que pode fazer pelos Estados Unidos”. Acho que
esse momento chegou. O momento é de cada um perguntar o que pode fazer pelo
Brasil.
Mas o Congresso não ajuda muito, não é?
Essa hora vai
chegar.
Com o Eduardo Cunha na Presidência?
Não quero dizer
com o Cunha… Olha, eu dirijo aqui em Brasília um instituto, que funciona no
UniCeub, aí convidei (o vice-presidente) Michel (Temer) para fazer um discurso.
É confortador saber que o vice-presidente da República, coordenador político do
governo, é um constitucionalista dos bons, é um homem sereno, sensato. Ele tem
condições de ser o ponto de aglutinação das forças políticas, nesse momento de
consenso necessário. Mas, para esse consenso, é preciso seguir pautas
objetivas. E o roteiro desse filme é a Constituição.
Qual o papel do ex-presidente Lula, que parece meio
abatido, apesar de ainda ter uma liderança política forte?
O Lula é líder, é
carismático, é inteligentíssimo, mas não tem pontificado, não tem sido um
condutor de destinos, como quem está meio em banho-maria, como quem está
aturdido, como quem está acusando o golpe dos últimos acontecimentos.
Antes, vou voltar
ao tema da AP 470 (mensalão). Aquilo foi um marco, uma virada de página
política e penal. Pela primeira vez, o procurador-geral de então, Antônio
Fernando, seguido por Roberto Gurgel e pelo atual, isso não é pouco não. Três
procuradores-gerais afinadíssimos em operacionalização, em concepção das
coisas. Antônio Fernando denunciou 40 pessoas, todas situadas nos patamares
mais elevados da pirâmide social, até banqueiros, 25 foram condenados e presos.
Alguns criticam a progressão, mas isso é o que a lei estabelece. O que
significou aquilo? Olha, eu aqui recorrendo de novo ao Posto Ipiranga, que é a
Constituição, como dizem na propaganda, tudo está na Constituição. É isso que
me alenta, que realmente temos um patrimônio material e objetivo, que é nosso
atestado de povo civilizado. O Brasil é juridicamente primeiro mundista, graças
a essa Constituição. O STF aplicou, com toda técnica e isenção, atuando como um
tribunal judiciário e não como um tribunal político, de exceção, aplicou a
regra do artigo 5 da Constituição, que diz que todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza. O Supremo fez uma viagem de seriedade
técnica, uma viagem de qualidade técnica, sem volta, inspirando pessoas como
Moro. Sérgio Moro não é de geração espontânea, isso vem num crescendo, num
processo.
“Aí você exige que o presidente seja um estadista, um
governante e um administrador. Quando ele falha nas três, a coisa fica delicada”
Moro, inclusive, ajudou a ministra Rosa Weber no
julgamento do mensalão…
Verdade, ele esteve lá. Hoje, já são 22 delatores, no
mensalão, quando o Marcos Valério resolveu colaborar, perdeu o timing, porque
já havíamos julgado e dosimetrado as penas, já havíamos emitido o juízo de
condenação dele. O que os atuais acusados estão dizendo? “Se a gente bobear,
vai incidir na mesma situação do Marcos Valério.”
Os delatores da Lava-Jato temem as penas severas
aplicadas no mensalão?
É um processo de
evolução e de amadurecimento institucional do país. Em uma democracia, o que
acontece é uma evolução processualizada. O povo brasileiro vem experimentando a
excelsitude do regime democrático. Essa corrupção enquadrilhada, sistêmica,
direcionada para o erário, acho que está com os dias contados. A inclusão
digital, essa planetarização on-line, traz consigo um cruzamento de dados que
não há mais quem escape do cerco dos órgãos de controle.
Mas os corruptos não vão se aperfeiçoar ainda mais?
Não há quem
escape, o cerco eletrônico é infalível. Hoje, esses meninos do Ministério
Público, preparadíssimos, passam num concurso dificílimo, são cosmopolitas,
trabalham com big data com uma facilidade espantosa, essas forças-tarefas são
de um refinamento técnico impressionante.
O que acha do instrumento da delação premiada?
O instituto é
válido, desde que respeitados os direitos e as garantias constitucionais dos
réus. E me parece, pelo que sei de Sérgio Moro, que ele está agindo nos marcos
do Estado de direito.
Muitos dizem que o tempo de prisão está exagerado para
levar as pessoas à decisão de delação... Concorda?
É preciso
investigar, ver se há abusos. Se realmente as prisões estiverem esticadas sem
necessidade, sem dúvida que as críticas procedem. Mas não tenho elementos para
analisar. Esse caso da Petrobras é diferente. Quando li pela primeira vez que
Paulo Roberto Costa se comprometeu a devolver R$ 73 milhões no acordo com o MP,
tirei os óculos para reler. Achei que eram R$ 730 mil. Eu pensei, não, estou
enxergando mal. Não acreditava que eram R$ 73 milhões.
Então, o mensalão não foi nada, comparado ao petrolão?
Sim, do ponto de
vista do assalto ao erário. É verdade que o juiz só pode julgar a ponta do
iceberg, o que é provado contra os réus. A base do iceberg do mensalão é
possível que tenha sido maior. Mas nós só podemos julgar a ponta. Aí vêm os
colaboradores premiados e mostram todo o iceberg.
Muitos petistas criticaram a condenação do ex-ministro
José Dirceu com a alegação de que o STF teria usado a teoria do domínio do
fato, sem provas contundentes, embora alguns ministros dissessem que havia
provas. E as novas acusações?
No mensalão, fui o
único ministro que leu o depoimento de José Dirceu à juíza, em São Paulo.
Rapaz, você lê aquele depoimento, a juíza foi dando corda para ele, ele foi se
empolgando, foi se entregando, foi revelando coisas factuais.
Esse novo escândalo mostra que o STF estava certo ao
condenar o ex-ministro José Dirceu?
O Supremo julgou
que houve quadrilha, depois houve mudança na composição e o Supremo absolveu
quanto à imputação do crime de quadrilha. Olha aí agora….
Quais impactos a Operação Lava-Jato terá na sociedade?
Fernando Sabino
diz: “É preciso fazer da queda um passo de dança”. E, na vida da gente, quantas
vezes em situação de crise a gente fez da queda um passo de dança? A
coletividade também sabe fazer isso, daqui a alguns anos, acho que vamos olhar
para isso e entender que o saldo foi positivo, no sentido de que o Brasil se
qualificou.
De que forma isso será possível?
Já há quem pense
com seriedade que este nosso modelo de prestigiar ao máximo grandes empresas da
área da construção civil é um modelo equivocado. Primeiro porque é
antidemocrático prestigiar quem já está na cúpula. As grandes empresas tendem a
se cartelizar, a dominar os mercados, a restringir a concorrência. Essas
empresas subcontratam, terceirizam, pegam as pequenas e as médias empresas de construção
civil e repassam aquilo que elas ganharam em bloco macroeconomicamente. Ou
seja, vamos insuflar ares democráticos à própria ordem econômica, alterando aí
essa compostura da ordem econômica de prestígio excessivo às grandes
corporações.
Acredita que os escândalos atuais deixaram a sociedade
mais proativa?
A sociedade vai se
habituar a traçar a própria agenda do poder público. Veja o movimento de 16 de
agosto que se afigura de um pacto político extraordinário. Porque a cidadania
está ativada, está compreendendo que o Estado que queríamos forte para nos
proteger se hipertrofiou para nos espoliar. É preciso menos estatalidade e mais
sociedade. E a sociedade precisa passar a se incumbir de certas tarefas que
hoje são do Estado e retirando até aquela desculpa do Estado para cobrar mais e
mais tributos. Acho que um novo modelo, um redesenho democrático, pode surgir
dessa crise.
Um de seus votos mais famosos foi lido no julgamento que
reconheceu as uniões homoafetivas. Hoje, está forte no Congresso um lobby pela
retirada de direitos da população LGBT. Como analisa esse movimento
conservador?
Vejo com maus
olhos. Mas eles (os conservadores) vão nadar e morrer na praia, porque a
liberdade sexual faz parte da autonomia de vontade do indivíduo, é cláusula pétrea.
Qualquer adulto tem a liberdade de se relacionar sexualmente com quem quiser.
E, a partir desse relacionamento, com base no afeto, na confiança, na
admiração, na busca de projeto a dois de felicidade, você tem direito de
constituir um núcleo doméstico, de se relacionar estavelmente em uma nova
entidade familiar. Qualquer tentativa de bloquear esse itinerário é a tentativa
da cláusula pétrea. Os políticos querem levar a sociedade para um viés
conservador.
Uma pesquisa
mostrou as instituições de maior confiabilidade e o Judiciário está bem
posicionado, mas o Congresso, não. Corre-se risco quando há desvalorização
muito grande da classe política e valorização excessiva de alguns magistrados,
como foi com Joaquim Barbosa e está sendo agora com Sérgio Moro?
Não há atividade
mais essencial do que a política, porque ela se volta a serviço da pólis o
tempo inteiro. Agora, a política do Brasil está precisando de mais
envolvimento, de mais autenticidade, de mais emoção. Os políticos estão
decorando muito os seus discursos e passando a impressão de que são atores,
personagens. É possível fazer política mediante a contribuição de políticos e
não políticos. Mas fazer a política totalmente sem políticos, não concebo. O
que nos cabe é aperfeiçoar os quadros políticos e os partidos. Acho que vai
acontecer isso no Brasil.
O que o senhor acha da proposta de mudar o Código de
Processo Penal, de recolher 1,5 milhão de assinaturas, como foi com a Lei da
Ficha Limpa?
Só não quero que
mude a maioridade penal. A maioridade penal aos 18 anos é cláusula pétrea, os
jovens têm o direito de ultimar o ciclo de sua própria formação psicológica.
Acha que o Brasil precisa de leis mais rigorosas na área
penal?
No fundo, acho que
o Brasil precisa de mais efetividade das leis penais já existentes. O quadro
brasileiro em matéria penal não é desalentador, não. O Supremo deu um belo
exemplo, mesmo para os crimes de colarinho branco.
No passado, o senhor se candidatou a um mandato parlamentar.
Hoje o país precisa de novos nomes, novos líderes. Surge alguma possibilidade
de o senhor se candidatar novamente?
Não, essa é uma
página virada. Num determinado momento da minha vida, entendi que a minha
embocadura cívica seria mais bem servida pela via partidária, da representação
popular. Hoje, acho que tenho condições de ocupar um melhor espaço de semeadura
cívica sem precisar de ingresso na vida partidária.
O senhor concorreu pelo PT. Como vê o partido hoje?
Tenho me escusado
de falar sobre o PT hoje porque vim de lá. Prefiro não falar.
Mas entristece ver esses escândalos?
Não me sinto à
vontade para falar sobre um partido que me empolgou tanto, que me estimulou,
que despertou em mim tantos sentimentos bons de depuração das coisas. Prefiro
não falar sobre isso. É raro eu dizer isso. Na minha vida de entrevistado,
vocês são testemunhas, é muito difícil dizer que não vou falar.
Como está a sua vida de preparação de pareceres e
análises jurídicas?
Eu adoro tudo
isso. Eu me sinto vocacionado para duas coisas, para o direito, sempre na
perspectiva do direito como instrumento da justiça material, e para a
literatura, especialmente a poesia. Sou um curtidor das palavras.
A poesia salvou o senhor em momentos de estresse, com a
meditação?
Sim. Quantas vezes
eu invalido uma imagem poética para fazer prevalecer uma ideia jurídica. Por
exemplo, estávamos discutindo uma vez a necessidade de manter uma reserva
florestal, então eu disse: “Olha, é preciso que a gente se lembre que as matas
virgens são as que mais procriam”. Essa é uma tirada poética.
No julgamento do mensalão, marcou para todos o senhor
dizendo que lamentava muito mandar as pessoas para a prisão, que era amargo
como berinjela...
Realmente, mas era
preciso. O mensalão foi um momento de inflexão histórica. A vida, às vezes,
proporciona isso às instituições. E há instituições que deixam passar. O
Supremo não deixou passar. Percebeu que a hora era de fazer destino. E o
Supremo agiu com contraditório argumentativo.
O senhor falou de um processo de crescimento do país, da
força da Constituição, mas a história se lembra de heróis. Acha que será sempre
lembrado como o ministro que presidiu o julgamento do mensalão?
Olha, as pessoas
às vezes dizem para mim e é claro que isso me agrada. Não serei hipócrita, as
pessoas dizem que me destaquei em mais de 20 leading cases, viradas de páginas,
quebras de paradigmas. Minha contribuição maior foi metodológica, não dar
nenhuma resposta, não emitir nenhum juízo sem perguntar ao Posto Ipiranga (a
Constituição).
Acha que o Congresso perdeu a oportunidade de fazer uma
verdadeira reforma política?
Há momentos em que
o Congresso padece de uma inapetência legislativa que beira a anorexia. Mas
vamos ser justos, o Congresso Nacional produziu a Lei de Acesso à Informação, a
Lei anticorrupção eleitoral, a Lei da Ficha Limpa, a Lei Maria da Penha, a Lei
que criou o CNJ, ou seja, o Brasil avançou.
O senhor participaria de um pacto em torno da
governabilidade?
Olha, não vou
antecipar porque os jornais disseram que o presidente Michel Temer me convidou
e não vou antecipar. Mas não houve esse convite. Os jornais disseram isso por
causa da amizade que tenho com Temer. Prefaciei o último livro dele. Fui
assistente dele na PUC, em 1981.
Se o senhor for chamado, aceitará?
Prefiro não
antecipar.
Mas o que precisa para esse pacto?
As coisas estão se
encaminhando naturalmente para um grande pacto nacional.
Com a presidente no poder?
Com a presidente
Dilma no poder ou sem. Esse pacto virá.
O senhor tem uma ligação muito forte com Marina Silva.
Acha que ela perdeu o tempo da bola?
Acho Marina um
grande quadro nacional, uma figura humana. Foi ótima senadora, tem muito a dar
ao Brasil e ela tem um visual arejadíssimo das coisas, no plano político, no
plano ético. Não perdeu o tempo da bola. Ela ocupou o espaço, teve 22 milhões
de votos.
Já que estamos falando de candidatos, o senhor fez um
parecer para Aécio Neves em relação ao aeroporto de Cláudio...
Não foi um parecer.
Foi um pronto-socorro jurídico que ele me pediu. Nós chamamos isso de legal
opinion, uma opinião legal. Em duas ou três páginas, eu citei jurisprudência do
Supremo e do STJ. Isso é a coisa mais simples do mundo. É lugar-comum.
As críticas não têm sentido, então?
Convenhamos que se
Dilma tivesse me pedido, eu faria. Convenhamos que se fosse Marina, eu daria.
Mas o senhor acha que Aécio era melhor candidato?
Aí já é outra
coisa...
A Marina recentemente deu uma entrevista dizendo que
estava sendo muito atacada porque não defendia o impeachment...
Para você ver a
responsabilidade e serenidade dela. Marina é ponderada, não é oportunista, tem
espírito público.
Os políticos que estão se reunindo para falar de
impeachment são oportunistas?
Esse tema do impeachment
é explosivo. Já me pronunciei e depois segui meditando, refletindo. Não mudei
de opinião. Há outros modos de fazer cobrança, o Tribunal de Contas, o
Judiciário...
Acha que a presidente Dilma é corrupta?
Não. Meu juízo
sobre ela é abonador da personalidade moral.
E o ex-presidente Lula?
Não falo sobre
isso, como não falo sobre o PT.
Se não fosse do direito, o que seria?
Jogador de
futebol. Sempre sonhei em jogar. Eu me considerava craque porque era ambidestro.
Tem saudades do Supremo?
Com toda a
sinceridade, não. Sou de virar a página, de viver intensamente cada instante.
Sou de fazer do breve o intenso. Então, os 10 anos que eu vivi ali foram
vividos intensamente. Quando saí, continuei sendo essa pessoa que faz de cada
instante uma imensidão de possibilidades. O tempo presente já é tão instigante,
é tão enriquecedor que não há por que a gente viver nem no passado nem no
futuro. Isso não é retórica. Eu sou assim. Eu não curto o que passou.
Como é a sua rotina?
É maravilhosa. Eu
procuro dormir pelo menos seis horas e meia, sete horas. Aí acordo e faço uma
meditação, eu gosto de meditação oriental, uns 15, 20 minutos. Eu caminho uma
hora. Entremeio a caminhada com a corrida. Uma hora, uma hora e 10 minutos, o
que nas minhas passadas curtas, devido ao meu tamanho, isso dá 5km.
Quem é o seu mestre?
Aprendi a meditar
há 20 e tantos anos com um guru, o Osho, um indiano. Eu o tenho como um
iluminado. Tudo que eu leio dele, eu já li uns 30 livros, tem qualidade
literária, é uma prosa poética o tempo todo de conteúdo, de sapiência. Claro
que o meditante, com o tempo vai desenvolvendo uma técnica própria. A segunda
coisa maravilhosa é o vegetarianismo, eu sou vegetariano há uns 23 anos e eu
acho uma maravilha
4 comentários:
PELO MEU VOTO NUNCA TERIA ESTE CUSTO QUE O BRASILEIRO VAI PAGAR..
O Antagonista não tem dúvida: quanto mais se conversa com Dilma Rousseff, mais se tem certeza de que é um absurdo político e uma afronta à inteligência tê-la na Presidência da República.
A ordem Econômica tem como base a ordem moral, esse governo perdeu a econômica e principalmente a moral para continuar no poder. Como confiaremos nesta pessoas na continuidade de suas ações para ajustar a economia, no BNDES a gente nem sabe o que acontece, ela esta diminuindo os ministérios por causa da pressão da mídia e não porque ela acha que deve. Eles não tem noção de nada, A Dilma é uma incompetente por ter deixado chegar no que chegou.
Dilma diz que foi eleita e ninguém lhe tira sua legitimidade.
A campanha para presidente foi tão absurda e tão cheia de falcatruas que os votos nulos, brancos e abstenções atingiram 29%. Portanto seus pouco mais de 50% de votos não correspondem a metade da população. Foi eleita com um discurso de que a luz baixaria, a gasolina não subiria, a educação receberia atenção (Pátria Educadora), os direitos dos trabalhadores estariam garantidos, a inflação estava sob controle. Foi eleita com este discurso e não com que está praticando, portanto os votos foram para este discurso e não para o atual.
Seu mandato seria legítimo se continuasse com os mesmos 50% de aceitação que o elegeram presidente e se o seu discurso refletisse o seu governo.
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