Editorial da Folha de São Paulo - 3 de maio de 2010
Sindicalista acidental
Evento de centrais de trabalhadores realizado anteontem no estádio do Pacaembu consagra o peleguismo da era Lula Foi-se o tempo em que a cidade de São Paulo pouco mais oferecia, em matéria de atividades de lazer, do que acompanhar o vaivém dos aviões em Congonhas ou conhecer a coleção de cobras, por tanto tempo conservada com carinho, do Instituto Butantan.
Exposições de arte, butiques de luxo, ruas de comércio popular, restaurantes de todo tipo e grandes eventos -como a Parada Gay que se aproxima- ampliaram significativamente o leque das atrações turísticas da cidade.
Sem dúvida motivada por esse agradável prospecto, a aposentada Terezinha Melo, de 72 anos, deslocou-se nesta semana do subúrbio carioca de Guadalupe até a capital paulista. Tinha sido convidada para um "passeio grátis"; hospedagem e alimentação estavam incluídas no pacote.
A condição, a que acedeu de boa-fé, era participar de um "evento surpresa". E teve sua surpresa a aposentada -nada estimulante do ponto de vista cultural ou turístico, mas certamente instrutiva em sua maciça aspereza.
Na inédita condição de "sindicalista acidental", Terezinha Melo viu-se desembarcada em frente ao estádio do Pacaembu, ao lado de outras 10 mil pessoas. Evento de fato foi, e dos grandes.
Tratava-se do convescote pré-eleitoral organizado pela CUT (Central Única dos Trabalhadores), pela Força Sindical e outras três entidades congêneres, a pretexto de apresentar uma agenda de propostas trabalhistas para o próximo presidente.
A pauta, que aliás continha pontos substantivos, como a descriminalização do aborto, o imposto sobre grandes fortunas e a jornada de 40 horas, importou menos do que o explícito e implícito interesse partidário dos mentores da manifestação.
Um deles, o deputado pedetista Paulinho Pereira da Silva, já dera dias antes o tom de suas prioridades. Acusara o tucano José Serra ("esse sujeito", em suas palavras) de conspirar contra a licença maternidade, as férias remuneradas e outros direitos do trabalhador.
Enquanto Serra vai sendo demonizado, a oligarquia sindical propôs no evento o direito irrestrito de greve no funcionalismo -ignorando o fato de que, não faz muito tempo, veio do presidente Lula a iniciativa de barrá-lo.
O jogo duplo tem explicação elementar. As centrais sindicais se tornaram, sob a administração petista, sucursais dos interesses do Planalto; recebem diretamente do governo sua parcela do imposto sindical -arrecadado de todo trabalhador brasileiro, seja ele sindicalizado ou não.
Só no mês passado, embolsaram R$ 70 milhões. O "evento surpresa" de anteontem custou R$ 800 mil, incluindo-se na quantia, é óbvio, a passagem da aposentada Terezinha Melo. Que, assim, fez número na plateia do show peleguista, da mesma maneira com que todo trabalhador contribui para as finanças das centrais sindicais: involuntariamente.
Um comentário:
Criaram um mensalão também para os sindicatos que, agora, podem ser também chamados de "base comprada", digo, "aliada".
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