* Editorial do Estadão, domingo
Dado o retrospecto de agressiva
ingerência da presidente Cristina Kirchner nas instituições do Estado argentino,
chega a surpreender pela ousadia a decisão de um tribunal federal, a Câmara
Civil Comercial de Buenos Aires, em defesa dos direitos de um querelante que o
kirchnerismo considera seu inimigo número um e contra o qual move há quatro anos
uma pertinaz campanha de aniquilamento. Trata-se do Grupo Clarín, o maior
conglomerado de mídia do país, que edita o jornal de mesmo nome, o mais
importante órgão argentino de imprensa. De aliado - e beneficiário - do então
presidente Néstor Kirchner, o Clarín passou a fazer-lhe oposição desde a sua
ofensiva, afinal malograda, contra o setor rural, em 2008.
A decisão
judicial a que nos referimos prorrogou, até a palavra final dos tribunais, a
vigência de uma liminar obtida pela empresa sobre a constitucionalidade de dois
artigos da Lei de Mídia promulgada em 2009 com o alegado objetivo de
democratizar a comunicação social. Na realidade, a lei nada mais é do que um
instrumento da Casa Rosada para consolidar o seu já não desprezível controle
sobre o setor e amordaçar de vez o jornalismo independente na Argentina. O que o
ditador Juan Domingo Perón fez pela força, em 1951, contra o jornal La Prensa e
ao expropriar o Clarín, a sua seguidora tenciona fazer sob um manto legal feito
sob medida. A prorrogação foi concedida anteontem, na véspera do término da
vigência da liminar, o 7D (7 de dezembro), na terminologia oficial, quando o
governo convocaria ele próprio uma licitação para desmembrar o
grupo.
Pela Lei de Mídia, uma empresa de comunicação poderá acumular até
24 licenças de rádio e televisão (o Clarín tem mais de 250) e a sua cobertura
não poderá ultrapassar 35% da população das cidades em que operar (as estações
de rádio da holding alcançam 41% dos argentinos; os seus canais de TV aberta,
38%; de TV a cabo, 58%). A lei proíbe ainda que uma concessionária de emissora
convencional opere também no mercado de TV paga. No 7D, aqueles dos 21 grupos do
setor na Argentina que já não tivessem apresentado planos para se adequar às
novas regras, no prazo de um ano, correriam o risco de ser fatiados
compulsoriamente. Para Cristina, portanto, a sentença representou uma
acachapante derrota. Semanas atrás, decerto para prevenir o pior, o governo
tentou forçar a troca de juízes da Câmara Civil e Comercial.
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