Entenda a tempestade perfeita da economia brasileira em três cenários

O ano passado foi de recessão, conjuntura que prossegue. Os jornais da época já anunciavam a tempestade que se avizinhava.


As duas reportagens a seguir são da revista Veja e o editor recomenda ao leitor que examine tudo com olhar de relojoeiro, porque o cenário desenhado reflete exatamente o que acontece e o que acontecerá na economia brasileira, com números desconcertantes a respeito da conjuntura. A primeira matéria é de Giuliano Guandalini e Bianca Alvarenga, enquanto que a segunda é assinada por Marcelo Sakate. 

Fica claro que o atual governo não conseguirá estabilizar a economia e recuperar as condições de crescimento, não só porque foi ele quem deixou tudo desandar, como porque não tem mais credibilidade e elementos de governabilidade, portanto ferramentas para injetar confiança. 

Leia com atenção, grave os números e estude:

Os indicadores da economia brasileira apontam para uma recessão prolongada. O tombo será ainda mais profundo caso o governo não recupere rapidamente a confiança dos investidores nem consiga evitar o rebaixamento da nota de crédito do país

As análises econômicas mais realistas e desapaixonadas indicavam, fazia algum tempo, que a crise na economia brasileira era um acidente prestes a acontecer. Por seis anos seguidos, o governo pisou fundo demais no acelerador dos gastos públicos e aliviou o pé no freio do controle da inflação. Em pouco tempo, arruinou a confiança construída em duas décadas de ajustes e reformas — sem falar nas manobras na contabilidade federal. Ao assumir o Ministério da Fazenda, Joaquim Levy apresentou um plano para evitar o desastre, como o personagem do filme Juventude Transviada que escapa da morte ao saltar do carro momentos antes da queda no desfiladeiro.
Por alguns meses, parecia que Levy seria bem-sucedido. O ministro procurou extinguir os trambiques do antecessor e propôs uma série de medidas para reforçar o caixa do governo e impedir um rombo ainda maior nas finanças públicas. A iniciativa seria um primeiro passo para arrumar a casa e retomar os projetos de longo prazo para incentivar o crescimento econômico. O clima político hostil, entretanto, atrapalhou os planos do ministro. Quanto mais frágil a situação da presidente Dilma Rousseff e maior o envolvimento de políticos da base aliada nas revelações da Lava-Jato, menor a disposição do Congresso para aprovar ajustes impopulares. O tempo sobre a economia brasileira já estava fechado. Agora, o país está sob a ameaça de lidar com uma verdadeira tempestade perfeita.
O Brasil não é tão vulnerável como no passado, mas entrou avariado na trovoada. O povo brasileiro já percebeu, em seu dia a dia, o aumento no custo de vida, a dificuldade para quitar dívidas, o desemprego de pessoas conhecidas.
O pior, entretanto, está por vir. Principalmente se as medidas de austeridade nas contas do governo não forem aprovadas. Na semana passada, a agência americana de classificação de risco Standard & Poor"s reduziu para negativa a avaliação do país. Existe agora uma probabilidade elevada de rebaixamento da nota do Brasil, possivelmente no próximo ano. Se assim for, o país perderá, na avaliação da S&P, o status de grau de investimento. E o que isso significa?
A economia deixará de ter acesso ao crédito farto e barato dos mercados internacionais. Os maiores fundos de pensão estrangeiros restringem a aplicação em países sem o grau de investimento. Em vez de ficar mais próximo de países como os Estados Unidos, a Alemanha ou o Chile, o Brasil seria rebaixado para o grupo de caloteiros contumazes, que inclui a Grécia, a Argentina e a Venezuela.
Não é apenas o governo que é afetado. As empresas brasileiras também serão vistas como investimentos especulativos. Ao pôr a nota do país em perspectiva negativa, a agência fez o mesmo para 41 empresas locais. Entre elas figuram companhias que, a despeito do cenário econômico adverso, estão entregando bons resultados e não têm dependência direta do Estado, como Ambev e NET. Isso acontece porque a nota de crédito do país é o teto de classificação das empresas. Raramente uma empresa pode ter nota melhor do que o país no qual ela opera, porque sempre existe o risco de ser afetada por alguma restrição na transferência de pagamentos.
No cenário de rebaixamento, as empresas e o governo, em vez de contarem com um mercado de 15 trilhões de dólares de crédito em condições favoráveis de prazo e juros, terão de disputar uma oferta mais modesta, de 5 trilhões de dólares, de capitais especulativos. "Com a perda do grau de investimento, haverá dois tipos de empresa: o primeiro, de companhias vistas com maior solidez que o próprio Brasil, conseguiria fazer ajustes para diminuir o custo de captação.
Já o segundo grupo, de empresas que não têm tantas garantias a oferecer, tende a sofrer mais", afirma Cid Oliveira, gestor de fundos globais da corretora XP Investimentos. Dada a deterioração da economia, as empresas brasileiras com selo de bom pagador que buscam recursos no exterior já estão desembolsando juros equivalentes aos de empresas de maior risco de investimento. O mesmo acontece com o Brasil, cujos títulos externos pagam atualmente juros de países considerados mais arriscados, como Rússia, Turquia e Hungria. "Caso perca o grau de investimento, o Brasil terá de fazer várias reformas antes de ser visto como confiável novamente. O processo demandará um esforço para melhorar os fundamentos econômicos, com foco na política fiscal e nas correções que tendem a aumentar a produtividade, reduzir a burocracia e tornar o país mais eficiente", diz Oliveira.
Em um cenário projetado por um modelo matemático desenvolvido pela consultoria Tendências, a cotação do dólar poderia passar dos 4 reais no próximo ano, a taxa Selic chegaria a 17% e o PIB teria mais um ano de retração. Melhor seria nem pensar nessa possibilidade, mas a imprudência dos anos Dilma a tornou factível demais. Tanto é assim que o Brasil já sofre uma queda no ingresso de capitais. As empresas passaram a ter restrições no mercado externo e pagam juros mais elevados para rolar as suas dívidas externas. O preço do dólar, um dos termômetros mais sensíveis para aferir a confiança dos investidores, subiu a valores não vistos em doze anos. A cotação aumentou mais de 50% nos últimos doze meses, e o real foi uma das moedas que mais perderam valor em relação à americana nesse período. É um reflexo do pessimismo generalizado e da perspectiva de crescimento fraco.
A revisão da Standard & Poor"s foi um recado explícito de que as reformas de Levy não cumpriram os objetivos originalmente previstos. Em março, há apenas quatro meses portanto, a mesma agência havia emitido um voto de confiança nos ajustes. Agora, entretanto, avalia que as circunstâncias políticas dificultam a execução do plano. Além do mais, o crescimento econômico foi castigado pelas investigações de corrupção, que tiveram impacto direto nos investimentos. Como resultado, as perspectivas para o Brasil se deterioram. O país está por um fio. As duas outras grandes agências de classificação de crédito, a Fitch e a Moody"s, ainda conferem notas mais elevadas ao país, mas estão em processo de revisão.
A capacidade de Levy de ser o fiador da economia foi posta em xeque, como indica a piora recente do humor dos investidores nacionais e estrangeiros em relação às perspectivas para a economia. O aprofundamento da recessão e o aumento do desemprego atingiram também o estado de ânimo dos consumidores e empresários brasileiros. Ficou evidente que a retomada será lenta e gradual. O Brasil corre o risco de amargar dois anos consecutivos de retração do produto interno bruto (PIB, o total de mercadorias e serviços produzidos), algo nunca visto antes na história nacional desde a década de 30. Sem novos solavancos nem surpresas negativas, a atividade econômica voltará a crescer apenas em meados de 2016, na melhor das hipóteses.
O mau tempo, desta vez, quase nada tem a ver com a conjuntura internacional. Com raras exceções, as principais economias mundiais passam por um momento favorável, superando as dificuldades do período da crise internacional. O PIB dos Estados Unidos deverá avançar 2,5% e o da Inglaterra, 2,4%, de acordo com as projeções mais recentes do Fundo Monetário Internacional. A média mundial ficará em torno de 3,3%, semelhante ao ritmo de 2014. A China enfrenta uma desaceleração e crescerá "apenas" 6,8%. Entre as principais economias internacionais, a brasileira é a única em recessão. O tombo no PIB em 2015 será ao redor de 2%.
Em uma inversão preocupante, os indicadores que deveriam subir estão em queda, enquanto aqueles que deveriam cair sobem. Mesmo com a recessão, o Banco Central, comandado por Alexandre Tombini, aumentou novamente a taxa básica de juros, a Selic, na semana passada, para 14,25% ao ano, o maior nível desde 2006. A alta foi necessária porque a inflação, que deveria ser cadente em uma economia retraída, permanece elevadíssima. Por quê? Culpa dos descuidos dos primeiros anos de Dilma. Os reajustes das tarifas de energia e dos combustíveis foram represados.
Agora eles estão sendo ajustados, contagiando os preços de outras mercadorias. A moeda americana mais cara não dói no bolso apenas dos turistas em viagem ao exterior. Diversos produtos, e não apenas os importados, possuem preço definido em mercados internacionais. A falta de credibilidade da atual gestão do BC também pesa contra. "É como a história do alcoólatra que passou os últimos quatro anos de pileque e agora diz que parou de beber", afirma um ex-diretor do banco. "Os juros precisam ser mais altos do que o necessário por causa da desconfiança de que a meta da inflação não será cumprida." Essa desconfiança custa caro. Cada aumento de 1 ponto na taxa Selic representa um gasto adicional com juros de 15 bilhões de reais ao ano.
A economia ficou presa a um ciclo vicioso difícil de ser rompido. "A baixa confiança do consumidor se reflete na diminuição da atividade da indústria e do comércio. Ao mesmo tempo, as baixas expectativas desses setores implicam menor criação de vagas, o que deprime o consumo", afirma Viviane Seda, coordenadora de sondagem do consumidor do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas. "É um efeito que se retroalimenta." Segundo a pesquisadora, o desemprego foi decisivo para a piora da confiança do consumidor nos últimos meses. Mais de 600 000 postos de trabalho foram fechados desde junho do ano passado. O desalento não chegou a índices tão baixos nem mesmo em 2009, ano em que a economia se retraiu 0,2%. Isso porque, na época, o estímulo ao consumo foi a ferramenta usada pelo governo para dar fôlego à retomada econômica. "No atual contexto, não há mais espaço para o crescimento do consumo. O endividamento, a inflação e o desemprego estão altos e afetam diretamente a renda familiar", diz Seda.
O Brasil precisa contar agora um pouco com a sorte para não sofrer ainda mais. Além da situação interna complicada, existem riscos externos que podem se materializar. O maior deles seria uma crise financeira na China. Outra ameaça, ainda felizmente fora do radar, seria um aumento mais acentuado dos juros nos Estados Unidos. Janet Yellen, a presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, vem postergando ao máximo o aumento da taxa, que permanece há anos próxima de zero. Se os juros subirem na economia americana, o investimento em países emergentes, como o Brasil, ficaria menos atrativo. A revoada dos dólares seria inevitável. Pairam ainda no ar eventuais complicações na Grécia e no restante da Europa.
A crise brasileira atual, contudo, é integralmente feita em casa. Superá-la exigirá o aperto do cinto da austeridade fiscal e a aprovação de ajustes profundos. O exemplo da índia mostra que essa receita funciona. O país asiático esteve prestes a perder o grau de investimento. Mas as reformas implementadas pelo atual primeiro-ministro, Narendra Modi, evitaram o rebaixamento da nota pelas agências. É a esperança de ver a tempestade dissipada.
A crise em três cenários
Não existe previsão de tempo bom para o Brasil nos próximos meses, mas um acordo político e a aprovação dos ajustes no Congresso podem evitar o pior

A crise 
em 3 cenários

A economia brasileira atingiu o fundo do poço? Quando começa a recuperação? Se o país perder o grau de investimento, hipótese que ganhou força, quais os impactos negativos sobre o câmbio e o ritmo de crescimento? Para responderem a perguntas como essas, que muitos brasileiros se fazem em um momento de incertezas como o atual, bancos e consultorias desenvolvem modelos estatísticos que procuram antever o comportamento dos indicadores e os reflexos sobre a atividade e o consumo. Um simulador criado pelos economistas Juan Jensen e Thiago Curado, da consultoria Tendências, dá a dimensão dos efeitos decorrentes do eventual rebaixamento da nota de crédito do país no primeiro semestre do ano que vem. Os números podem ser observados no quadro. A cotação do dólar chegaria a 4,50 reais no próximo ano, a inflação permaneceria alta, os juros subiriam ainda mais e o país teria mais um ano de recessão.
Para chegarem a esses resultados, os economistas recorreram a uma ferramenta de análise econométrica recém-concluída. Trata-se de uma adaptação do Samba, sigla em inglês para Stochastic Analytical Model with a Bayesian Approach, ou modelo analítico estocástico com uma abordagem bayesiana, elaborado pelos técnicos do Banco Central e usado pelos diretores da instituição para analisar os rumos da economia e fixar a taxa básica de juros, a Selic. Chamado de simulador econômico da Tendências, o modelo permite calcular como diferentes variáveis se comportam a partir de fatos concretos como a revisão das metas fiscais até 2018, que o governo anunciou há duas semanas. É possível fazer a simulação de diversos choques na economia, tanto positivos, como o aumento do preço das exportações, quanto negativos, como a diminuição das metas fiscais. Essa mudança, aliás, já se refletiu em uma deterioração dos indicadores. A taxa de câmbio para o dólar deverá ficar perto de 3,50 reais no fim do ano, caso não surjam novos fatos relevantes. Anteriormente, prevalecia a previsão de uma cotação do dólar a 3,15 reais. No caso do produto interno bruto (PIB) em 2015, a queda prevista passou de 1,46% para 1,93%.
Não há cenário de retomada imediata para a economia. Na melhor das hipóteses, o país retornaria às condições que apresentava até o início de junho — ou seja, antes da revisão das metas orçamentárias e do agravamento da crise entre a presidente Dilma Rousseff e o Congresso. "Esse cenário otimista poderia se concretizar a partir de um acordo político entre o governo, o PMDB e a oposição para aprovar as medidas mais importantes de contenção dos gastos e de aumento das receitas federais", exemplifica Juan Jensen, sócio da Tendências. Nessa perspectiva, o país encolheria 1,5% neste ano, mas voltaria a crescer em 2016, ainda que de forma moderada, com uma expansão de 0,8%. Em 2017, a alta seria de 2,3%. A inflação recuaria e ficaria dentro da margem de tolerância da meta no próximo ano, com uma taxa de 5,4%. Não é, como se percebe, uma perspectiva capaz de despertar euforia entre os brasileiros, embora, pelas projeções dos economistas, esse seja um cenário positivo (veja o Cenário 3).
Há um cenário intermediário, que corresponde à manutenção do grau de investimento, mas sem a melhora no ambiente político que permitiria ao governo adotar as medidas desejadas para reequilibrar as contas públicas (veja o Cenário 2). Nesse caso, a economia cairia 1,9% e ficaria praticamente estagnada em 2016, com avanço de 0,35%. "As expectativas vêm mostrando forte deterioração no último mês. O anúncio pelo governo de que o ajuste fiscal ficou mais distante e que será feito de forma gradual até 2018 está ocasionando uma maior precificação de risco e motivando revisões dos cenários", afirma Jensen. Segundo o economista, "mesmo que o país preserve o selo de grau de investimento, haverá uma trajetória pior da economia, refletida em crescimento menor e maior depreciação cambial".
O rebaixamento traria consequências graves para a economia, que voltaria a se retrair em 2016 (veja o Cenário 1). Seria a primeira vez que o Brasil encolheria dois anos seguidos desde a Depressão de 1930. Segundo as projeções da Tendências, a cotação do dólar dispararia para 4,50 reais no pior cenário, contagiando de forma relevante a inflação por meio do preço de produtos importados.
Um estudo da equipe econômica do banco Credit Suisse analisou os dados dos seis momentos (incluindo o atual) em que o Brasil entrou em recessão desde 1996. O diagnóstico é que o processo de retomada da atividade atual será o mais prolongado. O país conseguirá retornar ao nível de atividade do primeiro trimestre de 2014 (que antecedeu o início da retração) depois de 2016. Ou seja, levará onze trimestres para se recuperar da crise. Nas cinco recessões anteriores, a economia brasileira havia levado no máximo seis trimestres para retomar o nível de atividade.
"Em quatro dos cinco episódios analisados, o ajuste a choques recessivos foi realizado com o aumento da competitividade externa. Em apenas um desses episódios (na recessão de 2008), a retomada foi completamente explicada pela performance da demanda doméstica, em período marcado por expressivos estímulos fiscais e monetários", escreve Nilson Teixeira, economista-chefe do Credit Suisse. É uma alternativa hoje pouco provável, tendo em vista a necessidade de rearranjo das contas públicas e de controle da inflação.

Apesar da ênfase dada no debate público aos alegados efeitos das medidas de reequilíbrio fiscal sobre a economia, foi na verdade o escândalo de corrupção na Petrobras o principal causador da recessão deste ano, segundo cálculos da Tendências. A paralisação de projetos vai derrubar os investimentos da estatal em 30% neste ano, com efeito multiplicador negativo sobre a atividade econômica. Os investimentos em infraestrutura devem cair 15%, por causa do aperto sobre as empreiteiras suspeitas de envolvimento no esquema. Tudo somado, a conta que se faz é que a Operação Lava-Jato vai subtrair 1,9 ponto porcentual do PIB neste ano. Posto de outra forma, o país conseguiria evitar a recessão não fosse a corrupção na estatal. O responsável por esse custo, direta ou indiretamente, foi o governo.

2 comentários:

Anônimo disse...

que m.!

cdjayme disse...

AUTOSSABOTAGEM

Ultrapassamos duas ditaduras, o suicídio dum presidente, a renúncia de outro e a deposição de

mais um. No setor econômico, após repetidos fracassos com planos esdrúxulos o Plano Real

feriu de morte o dragão inflacionário – considerado imbatível e imortal – e emergimos num

país em vias de, se bem dirigido, finalmente, proporcionar uma vida digna aos cidadãos.

Em escassos 8 anos, os 851 bilhões da dívida – interna mais externa – catapultaram para 1,89

trilhão e, agora, seis anos adiante ruma para 2,5 trilhões. A taxa Selic em 14,25% representa

um dispêndio de 365,25 bilhões/ano, 1 bilhão de reais diários, sem amortização do principal.

Conseguiremos sobreviver ou nos encaminhamos para uma nova Grécia?

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