Não há só crise política no Brasil, mas o fim de um
ciclo, o desmoronar de um modelo que levou ao limite fisiologismo e corrupção
Não é verdade que sempre foi assim, essa roubalheira. Nem
que a política brasileira sempre foi essa disputa por interesses pessoais, no
máximo partidários.
É clássica a questão sobre a ética na política: é
possível ser eficiente e manter os princípios morais? Ou, considerando os
ideais políticos: é possível governar sem fazer concessões?
“Nunca abandonamos nossos princípios; nunca mudamos nosso
programa; nunca aceitamos alianças espúrias... E nunca governamos”. É mais ou
menos o que dizia um quadrinho do argentino Quino — cito de memória — mostrando
um ancião discursando para meia dúzia de correligionários numa sala empoeirada.
Humor sempre exagera mas é para, digamos, exagerar uma
realidade. Muitas vezes a gente tende a acreditar que a alternativa é essa
mesmo: ou o político se mantém fiel ao programa e à ética, e será sempre a
honesta oposição, ou faz todo tipo de concessão para alcançar e exercer poder.
Quantas vezes já se disse por aqui que não é possível
governar o Brasil sem comprar uns votos?
Mas reparem: ninguém diz isso antes de ser apanhado. Pelo
contrário: todos são defensores da ética e da república até o momento em que
são flagrados passando o dinheiro.
Ou seja, é uma desculpa de corruptos. E se fosse
verdadeira, todos os políticos que viessem a alcançar o poder seriam
necessariamente uns bandidos ainda não apanhados. Quase se poderia dizer: um
político ladrão é um político normal que foi pego. Que boa parte da população
pense assim, é um sinal dos tempos atuais.
Não há apenas uma crise política no Brasil, mas o fim de
um ciclo, o desmoronar de um modelo que levou ao limite o fisiologismo e a
corrupção. Fisiologismo — essa é uma palavra velha. Pode ser substituída por
clientelismo, e se opõe a idealismo.
O político fisiológico não tem jeito: é aquele que busca
o poder, por qualquer meio e aliança, para nomear os correligionários e gastar
o dinheiro público com sua clientela. E pronto.
Já o idealista se guia por princípios e programas, mas
pode ter alguma flexibilidade. Ou como se diz por aqui: é preciso ter jogo de
cintura.
Para citar um político do passado, um dos grandes, Franco
Montoro, governador paulista. Lá pelas tantas, em sua campanha de 1982, houve
uma enxurrada de adesões: estava na cara que ele ia ganhar as eleições de
lavada. Muita gente desembarcava de regime militar ou de suas proximidades para
aderir ao novo poder.
Nisso, veio um grupo de sindicalistas, logo contestados
pela velha guarda de Montoro. “Esses caras são uns pelegos”, reclamavam. E
Montoro: bom, se a gente dividir o mundo entre pelegos e não pelegos, eles caem
no lado dos pelegos; mas nunca é bem assim.
Os caras entraram e ficaram por ali, pelos cantos do
governo.
Ou a recomendação que fazia Tancredo Neves quando, por
conveniência política, precisava nomear alguém não propriamente conhecido pela
honestidade: “Arranjem para ele um lugar bem longe do dinheiro”.
Claro que há um limite. Excesso de flexibilidade acaba
amolecendo as ideias básicas. Mas dá para fazer.
O que aconteceu nos governos do PT foi diferente. O
partido tinha programa, seus militantes tinham princípios. Foi largando tudo
pelo caminho.
Na primeira eleição de Lula, começou pela campanha,
quando o partido passou a buscar as generosas doações de empresas e empresários
para pagar os marqueteiros, já mais importantes que os ideólogos. Depois foi o
programa. Prometia substituir o neoliberalismo por algo tipo socializante
(ainda não se falava em bolivarianismo) mas, no governo, aplicou política
econômica tão ortodoxa que quase ganhou uma estátua no FMI. E para se manter no
poder, topou as alianças com todo tipo de fisiologismo. Ao final, como
mostraram os processos do mensalão e da Lava-Jato, se chegou à compra de apoio
com dinheiro de propina.
Um partido queria ocupar o aparelho do Estado para fazer
uma determinada política. Outros queriam o governo para atender à clientela. O
método resultou ser o mesmo: nomear os companheiros e usar o dinheiro público
para fins partidários, de grupos e pessoais. E o método, como sempre acontece
nessa história, se sobrepôs a tudo, princípios e programas.
Se no começo se almejava ganhar a eleição para ocupar o
governo e aplicar programa, agora se trata de usar o governo (e o dinheiro
público) para se manter no poder. Antes era o dinheiro para a causa. Agora é a
causa do dinheiro e não apenas para o partido, mas para o bolso dos chefões.
Todo o núcleo de poder, incluindo do poder no Congresso,
está envolvido na Lava-jato. A corrupção atingiu níveis tão altos que a gente
nem estranha quando delatores prometem devolver dezenas de milhões de reais. A
disputa política é pela sobrevivência, pelos cargos, pelo dinheiro.
Qual é? Sempre foi assim — ainda nos dizem.
Mas não, não é normal e não vai acabar sem uma ruptura.
3 comentários:
Nem sempre foi assim, porque não era noticiado principalmente quando a Rede Bobo era a beneficiária, por isso se tornou o maior império de comunicação da América Latrina, elegendo e deponde presidente ou quando havia um certo engavetador geral da república para acochambrar tudinho?
Discordo de todos, esta roubalheira sempre foi assim, isto é, desde que o estelionatário de Garanhuns assumiu o poder, de lá para cá a coisa degringolou de forma brutal, avassaladora e cretinamente canalha.
Claro, a fome de poder e dinheiro dos outros partidos é insaciável...
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