* Clipping Estadão de hoje
Título original: É terrorismo eleitoral, sim! Por José Nêumanne
O tumulto nas
agências da Caixa Econômica Federal (CEF) no fim de semana de 18 e 19 de maio,
provocado por um boato do fim do Bolsa Família, carro-chefe dos programas
sociais do governo federal, ainda não foi devidamente esclarecido. Mas já
produziu efeitos indeléveis em seus protagonistas e na turma de Pilatos. O
cônsul romano, como se sabe, entrou no Credo de gaiato e, 21 séculos depois da
paixão e morte do Cristo, paga o pato por Sua dor suprema e, em consequência,
pela remissão dos pecados do mundo. Os primeiros são a cúpula do Executivo. Os
demais, a oposição, que, com ou sem culpa no cartório, é que terminará sendo
prejudicada.
. Assim que se
tornou de conhecimento público a corrida dos beneficiários da esmola do
governo, a ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República, Maria do Rosário Nunes, sacou do saldo dos “suspeitos de costume”,
aos quais se referiu o capitão francês Louis Renault na cena final do filme
Casablanca. A existência de “bodes expiatórios” remonta à Bíblia e tem sido
repetida e estimulada ao longo de séculos de guerra e luta política. Em 1897, a
Okhrana, polícia secreta do czar Nicolau II, forjou o Protocolo dos Sábios de
Sião, falso plano de tomada do poder mundial pelos judeus e documento que
inspirou a perseguição aos hebreus no Império russo e na União Soviética e se
alastrou pelo mundo inteiro. O lastro histórico da atribuição de um delito ao
adversário inocente, tornando-o culpado sem necessidade de julgamento, tem
antecedentes clássicos como o incêndio do Reichstag (Congresso alemão na
República de Weimar), em 1933. A atribuição do atentado aos comunistas foi
crucial para Hitler fundar a ditadura nazista.
. Nossa História registra o Plano Cohen,
atribuído pelo governo Vargas aos comunistas para tomarem o poder e usado para
justificar o Estado Novo; e a Carta Brandi, prova falsa de articulação golpista
de João Goulart, ministro do Trabalho no governo democrático de Vargas, com
Juan Domingo Perón.
. Os comunistas
na clandestinidade no Estado Novo ou na ditadura militar de 1964 esperavam a
polícia bater à porta de suas casas com uma maletinha arrumada com objetos de
uso cotidiano, como barbeador, escova de dentes, pasta e pijama, conforme
Graciliano Ramos registrou no clássico da literatura brasileira Memórias do
Cárcere. Hoje, os “suspeitos de costume” sob a regência da poderosa aliança
governista PT-PMDB e outros respondem pelo nome genérico de oposição. E foi a
eles que a ministra acusou no Twitter, sem prova alguma e nem sequer ter
conhecimento do que, de fato, poderia ter provocado o tumulto, de autoria de
uma atitude “conspiratória” de natureza eleitoral.
. Em vez de
repreender a subordinada apressadinha, que entrara no Credo como o fizera antes
Pilatos, a presidente Dilma Rousseff subiu ao palco para assumir, se não a
autoria, pelo menos a natureza delituosa da causa da invasão das agências da
CEF para o saque do benefício. De olho na reeleição ano que vem, a chefe do
governo partiu do pressuposto que aprendeu com o padrinho Lula de que o que é
bom para sua vitória no primeiro turno é necessariamente bom para o Brasil. E
avalizou sem medo de ser feliz atitude similar a alguns delitos impunes e
bem-sucedidos de seu Partido dos Trabalhadores (PT) no passado.
. Em 2010, uma
máquina bem azeitada de “blogueiros progressistas” e discursos afiados em
reuniões partidárias, comícios e na propaganda no rádio e na televisão
espalharam o boato de que o adversário de Dilma Rousseff na eleição
presidencial, o tucano José Serra, acabaria com o Bolsa Família. É impossível
aquilatar que efeito o boato possa ter tido na vitória da candidata petista.
Mas sabe-se que algo semelhante fora feito quatro anos antes: a mentira de que
Geraldo Alckmin privatizaria a Petrobrás levou o tucano a vestir uma camiseta
em homenagem à estatal.
. O falso dossiê
dos “aloprados” (assim batizados por Lula em pessoa) contra Serra não evitou
sua vitória na eleição estadual paulista de 2006, mas seus autores continuam
impávidos e impunes sete anos depois. E o insucesso não altera o fato histórico
de que a prática contumaz reafirma a fé dos praticantes no velho dogma
stalinista de que os fins sempre justificam os meios e de que, como diziam os
mineiros do velho PSD, não importa o fato, mas a versão. E dependendo de como a
versão é repetida, ela pode até se impor de vez.
. Assim se comportaram os protagonistas do lamentável
episódio do boato do fim do Bolsa Família. Como bom militante petista, o ministro
da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, mandou a Polícia Federal (PF), sob
suas ordens, não investigar a verdade, apurar os fatos, identificar e processar
os culpados. Mas favorecer a versão oficial.
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