Artigo, Ronald Hillbrecht - Tragédia grega

E-mail do autor: ottohill@ufrgs.br - 


Com poucas exceções, os países da zona do euro compartilham uma longa história de indisciplina fiscal. A dívida pública média mais que dobrou entre 1970 e 1995, passando de aproximadamente 30% do PIB dos respectivos países para mais de 60%. Nos dez anos seguintes ela se reduziu um pouco, mas a partir da crise financeira global de 2008 a dívida pública média aumentou rapidamente, chegando a quase 100% em 2013. Embora todos os países da zona do euro tivessem aumento nas suas dívidas públicas, em dois casos (Irlanda e Grécia) o aumento foi explosivo.
No que diz respeito à acumulação de dívida pública, é razoável que ela ocorra durante períodos de dificuldades econômicas, como guerras ou mesmo recessões, mas não é razoável que ocorra persistentemente ao longo do ciclo econômico. O problema é que a acumulação da dívida tem consequências negativas para o crescimento econômico, em particular quando a dívida se torna grande e sujeita a crises autorrealizáveis.
A acumulação da dívida tem consequências negativas para o crescimento econômico
Considere o caso da Grécia. Em 2007, sua dívida pública representava mais de 100% do PIB e mesmo assim o prêmio de risco relativo a títulos do governo alemão era pequeno. Investidores não consideravam seriamente o risco imediato de calote pelo governo grego e, na ausência da crise financeira de 2008, tratava-se de um cenário plausível. Esta situação representa o que se chama equilíbrio bom. Entretanto, com o advento da crise financeira global, os investidores começaram a questionar cada vez mais este cenário, o que elevou o prêmio de risco e tornou a dívida grega cada vez mais instável, particularmente em função da queda subsequente do PIB.
O rápido crescimento da renda per capita grega até 2009 foi fruto de uma bolha criada pela acumulação de dívida pública e financiada com endividamento externo, pois não teve contrapartida em crescimento de produtividade. Adicionalmente, o déficit público grego ficou, em média, em 11,3% do PIB entre 2008 e 2013, elevando a dívida pública rapidamente de um patamar de 100% do PIB em 2006 para 175% em 2014. Esta rápida acumulação de dívida levou a economia grega a um equilíbrio ruim: da mesma forma que os prêmios de risco no equilíbrio bom eram muito baixos, eles se tornaram exageradamente elevados em 2010 – considerando ainda a descoberta de “contabilidade criativa” na mensuração dos déficits.
Em 2009, no rastro da crise financeira global, a situação econômica da Grécia começou a deteriorar muito rapidamente, o que levou à sua crise autorrealizável. O governo grego começou a perder acesso a mercados e ficou rapidamente claro que não seria capaz de lidar sozinho com esta situação: ou receberia auxílio externo –o que ocorreu – ou decretaria moratória.
A deterioração iniciada em 2009 agravou-se pela adoção parcial das condicionalidades impostas pelo acordo de bailout: por um lado, a implantação de um regime de austeridade fiscal requer a redução do déficit público, o que tem um impacto negativo adicional sobre o PIB, já em queda; por outro lado, a não implantação de reformas estruturais impediu os ganhos de produtividade necessários para que a economia grega voltasse a crescer.
A despeito dos ajustes já efetuados, a Grécia ainda precisa de recorrentes socorros financeiros, mas seu governo parece ser incapaz de estabelecer os necessários compromissos de longo prazo. O problema é que as dificuldades econômicas da Grécia têm origem política. O atual partido no poder, o Syriza, tem compromissos com seus eleitores que são incompatíveis com novos acordos com a troika. Adicionalmente, elevados gastos públicos e empreguismo no setor são considerados virtudes pelo eleitor do partido, enquanto reformas pró-mercado são condenáveis. Entretanto, fica o lembrete: sair do euro para poder desvalorizar sua nova moeda apenas reduz os gastos correntes, permitindo que o país sobreviva à margem dos mercados financeiros. Mas ela não resolve os problemas de falta de crescimento de produtividade que comprometem a prosperidade do país.


Ronald Hillbrecht, doutor em Economia pela University of Illinois, é professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFRGS e especialista do Instituto Millenium.
Este artigo foi publicado hoje na Gazeta do Povo, Curitiba. 

3 comentários:

Anônimo disse...

Enquanto os Gregos "Filosofam", a parte desenvolvida da Europa trabalha e produz riquezas, porquê sabem que dinheiro não cai do céu. Parece um país que eu conheço.
É muita injustiça que esses países desenvolvidos tenham que arcar com a incompetência dos gregos.
Elegeram um esquerdista imundo, quero mais que a Grécia se exploda!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Anônimo disse...

"O rápido crescimento da renda per capita grega até 2009 foi fruto de uma bolha criada pela acumulação de dívida pública e financiada com endividamento externo, pois não teve contrapartida em crescimento de produtividade"
Parece um país que eu conheço, ganha uma caixa de cerveja quem acertar qual é.

Anônimo disse...

Troque "Grécia" por qualquer país bolivariano da América do Sul e você pode bem aproveitar o texto para daqui a pouco tempo, inclusive a parte que diz que o "eleitorado grego" não gosta de sacríficios (podemos substituí-la por "filhas solteiras de militares falecidos", "funcionários privilegiados do setor público", "empresas que mamam financiamentos do BNDES", "barões do agronegócio de olho em financiamento do Banco do Brasil"...)

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