Para jogar luz sobre os contratos de financiamentos externos do BNDES, o BRIO convidou 17 profissionais
— entre repórteres, fotógrafos, infografistas e cineastas — na Argentina,
Bolívia, Equador, Panamá, Peru e Venezuela, países nos quais foi possível
levantar documentos e dados de interesse público, em meio a uma cultura de
sigilo. Engenheiros, advogados, diplomatas, economistas, cientistas políticos,
antropólogos, entre outros, foram convidados para analisar os dados. Uma equipe
de filmagens viajou mais de 9.000 quilômetros para registrar o trabalho dos
jornalistas e especialistas.
Os relatos da publicação foram divididos em
seis capítulos, um para cada país. Primeira constatação. Alguns dos projetos
com financiamento do BNDES seguem primeiro critérios políticos, mas não levam
em conta estudos sobre custos, impactos sociais e ambientais. Na definição de
um documento do Itamaraty obtido por BRIO por meio da Lei de Acesso à
Informação: "Conviria revisar cuidadosamente os parâmetros para a
aprovação dos financiamentos".
Eis como BRIO apresenta suas reportagens:
Na Argentina, o BNDES financiou 85% da compra de 20
aviões da Embraer pela Austral, uma subsidiária da Aerolineas Argentinas. Foi um
negócio de mais de US$ 700 milhões. Ocorre que, mesmo antes de o contrato ser
assinado, funcionários do governo argentino apresentaram indícios de
sobrepreços. Pilotos chegaram a se reunir com o então ministro do Planejamento
para apresentar algumas planilhas de custos. Ouviram como resposta: "É um
acordo entre Lula e Cristina".
Hoje, o contrato é investigado, sob suspeitas de
superfaturamento, pela Justiça da Argentina, pelo FBI e pelo Departamento de
Estado Norte-Americano. Segundo os investigadores, uma empresa de consultoria
foi usada para receber propina. Há suspeitas de pagamentos no Brasil. Como
provam documentos revelados por BRIO, também existem indícios de propina para
um ex-ministro dos Transportes e um assessor informal do governo argentino. Foi
esse assessor fantasma, que nunca foi oficialmente nomeado para nenhum cargo no
governo, quem negociou com o BNDES.
Quando os interesses políticos desconsideram os critérios
técnicos, os financiamentos do BNDES se envolvem em polêmica.
Na Venezuela, BRIO descobriu que o governo brasileiro
tratou de uma mudança da lei local para garantir o aumento de endividamento e
de financiamentos. Como escreveu um funcionário brasileiro em documento que
agora se torna público: "As empresas reconhecem que, para a realização
desses investimentos, tem sido fundamental o bom momento que se atravessa no
plano político bilateral, impulsionado pela estreita relação entre os
Presidentes".
Uma das obras com financiamento é considerada fundamental
para resolver a crise de transportes na capital venezuelana. Trata-se da Linha
5 do metrô de Caracas, que teve seu orçamento aumentado em três vezes o valor
inicial e está seis anos atrasada.
Não se trata de demonizar a política, necessária na
definição de projetos e de políticas públicas. Mas regras claras e
transparentes são necessárias justamente para que critérios técnicos sejam
seguidos na aplicação dos recursos.
Como definem os cientistas políticos Gretchen Helmke e
Steven Levitsky: instituições são regras e procedimentos que estruturam
interações sociais ao restringir e incentivar comportamentos. Essas
instituições podem ser formais, comunicadas por escrito ou leis, ou informais,
muitas vezes criando comportamentos não oficiais. Na América Latina, não é raro
que as instituições informais se sobreponham às formais.
Projetos financiados com dinheiro brasileiro também
geraram crises diplomáticas e afetaram a imagem de empresas nacionais. É muito
conhecida a história de como o governo do Equador expulsou a construtora
Odebrecht e abriu uma disputa jurídica contra o BNDES em uma corte
internacional, por conta de problemas em uma hidrelétrica financiada pelo
banco. O que não se sabia foi como isso tudo se resolveu.
Após um pagamento de milhões de dólares por parte da Odebrecht,
um acordo foi assinado para que todas as investigações envolvendo diretores
brasileiros fossem engavetadas, assim como o caso envolvendo o BNDES em uma
corte arbitral de questões comerciais. Nesse caso, dinheiro privado foi
utilizado para ajudar o banco público. A construtora exigiu o fim da disputa
entre o Equador e o BNDES como uma das condições para realizar o pagamento
milionário. Ocorre que a Odebrecht é a maior beneficiária dos empréstimos do
BNDES no exterior. Entre 2007 e 2014, a empresa ficou com 70% de todos os
financiamentos desse tipo.
Por fim, são as populações mais vulneráveis justamente as
mais afetadas. No Equador, milhares de famílias ficaram sem água e viram suas
atividades econômicas sumirem. Na Bolívia, os índios que se opuseram ao projeto
financiada pelo Brasil — que contrariava a própria Constituição Nacional —
foram agredidos pela polícia, em um marco da democracia boliviana sob o
presidente Evo Morales.
No Peru, uma rodovia serviu para turbinar o tráfico de
drogas e contrabando de ouro, além de ser alvo de críticas por problemas
ambientais. De acordo com diferentes organizações locais, parte da obra foi
financiada pelo BNDES. Depois de anos de questionamentos, o banco negou ter
financiado a obra. Os financiamentos no país vão para as empresas investigadas
no Brasil. Documentos inéditos mostram suspeitas de pagamentos de propinas a
políticos peruanos.
O fato é que os desembolsos fizeram parte de uma
estratégia do governo federal, iniciada sob o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (2003-2010). Entre 2001 e 2010 houve um salto nos financiamentos para
empresas brasileiras atuarem no exterior. Ao mesmo tempo em que o governo
apoiou a internacionalização de grandes empresas, o Brasil tinha o objetivo de
fortalecer os países da América do Sul e sua relação com o mundo, o que seria
feito por meio de uma infraestrutura mais eficiente.
Um maior grau de transparência pode ajudar a melhorar a
imagem das empresas brasileiras e do BNDES, afetada nos últimos anos na América
Latina, o que abriu espaço para a concorrência, especialmente da China. Diz o
economista Dante Sica, o mais reconhecido brasilianista da Argentina:
"Nosso principal erro, em matéria de países, é que enfrentamos a erupção
da China de maneiras separadas e com agendas individuais, e isso também tem que
ser tema de debate".
No dia 2 de junho, o banco começou a divulgar dados sobre
os financiamentos feitos no exterior. A partir de agora, haverá informações
sobre os projetos, valores envolvidos, garantias e número de anos até o
pagamento. A decisão coincide com esta investigação, iniciada por BRIO em
26/03/2013. Diz o pedido feito naquela data, por meio da Lei de Acesso à
informação: “Solicita-se cópia ou acesso à tabela de financiamentos para
exportação entre 2006 e 2013, separado por país de destino, empresa que recebeu
o financiamento, valor do financiamento, ano da assinatura do contrato e
projeto financiado”. As informações divulgadas agora são muito semelhantes.
Nesses dois anos, o BNDES e o governo brasileiros se esforçaram
para manter as informações sob sigilo, mesmo que técnicos do próprio governo
defendessem a divulgação dos dados, sob alegação de que o dinheiro é público e,
portanto, o acesso a eles é garantido pela Constituição (nada muito diferente
do que ocorre nos Estados Unidos, por exemplo, segundo o documento). Mesmo
assim, um conselho dos principais ministros do governo Dilma Rousseff (como
Casa Civil e Justiça) se reuniu para garantir o sigilo das operações. Sete
assinaram o documento.
O passo dado pelo BNDES é importante e louvável. Nem
todos os dados foram divulgados, mas o banco se propõe a atualizar as
informações. Mesmo assim, ainda existem dúvidas. Dados publicados pelo BNDES
divergiam dos financiamentos informados oficialmente pelo governo venezuelano,
por exemplo. É o caso da Linha 5 do metrô de Caracas, investigada neste
trabalho. A diferença entre os valores oficiais do financiamento divulgados
pelo Brasil e pelo país vizinho chegava a quase US$ 150 milhões. O BNDES
alterou a informação no site.
Coordenado por Fernando Mello, cofundador de BRIO,
Matheus Leitão, e na parte de vídeos, pela Olé Produções, este projeto tem o
apoio da fundação Open Society.
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