Título original da reportagem: "O segredo de Eliseu: o barbeiro de Lula na prisão.
Evangélico, sem partido, nem time do coração, dono de salão modesto em Colombo (PR) é o responsável pelos cortes de cabelo e barba do ex-presidente em sua cela na PF, o berço da Lava Jato
Ricardo Brandt
Eliseu Clemente tem 40 anos e guardava um segredo: duas vezes por mês ele vê Luiz Inácio Lula da Silva. Não é advogado, nem da família, nunca foi amigo do petista, muito menos político – nem gosta de falar do assunto. Clemente é o “barbeiro” do ex-presidente na prisão, em Curitiba, onde o petista cumpre desde 7 de abril pena decretada na Operação Lava Jato.
A cada duas semanas, o dono do “Eliseus Clement Cabeleireiros” fecha as portas do salão, numa das principais avenidas de Colombo, cidade dormitório de Curitiba, e segue com uma malinha nas mãos para sua missão secreta – até então -, na sede da Polícia Federal, menos de 15 minutos de carro.
Paranaense do interior, o “barbeiro” guardou segredo até da mulher, dona Débora. “Há poucos dias eu contei para ela”, confessa encabulado. As saídas frequentes, no meio da tarde de trabalho, iniciadas no dia 2 de maio, geraram desconfiança em casa: “Ela começou a cismar”.
A discrição foi um pedido do contratante. Escalado por intermédio de um dos advogados paranaenses da banca de defesa de Lula, Clemente dividiu pela primeira vez o segredo com a companheira quando entendeu ter recebido um sinal verde do ex-presidente: “O presidente falou assim para mim, que podia dar um abraço na família, né?”.
O barbeiro de Lula prefere ser chamado de cabeleireiro,
como consta em seu certificado profissional, tirado há 13 anos. Desde então,
trabalha no mesmo endereço, o salão montado em frente à residência da família.
Com clientela fixa em Colombo, Eliseu - como é conhecido - é um sujeito
modesto, seu corte custa R$ 23, o cabelo, e R$ 10, a barba. O valor pago pelos
representantes de Lula, ele não revela.
Ninguém em Colombo sabia que Eliseu era o "barbeiro
do ex-presidente da República". Nem os cinco irmãos - dois deles, também
cabeleireiros -, nem mesmo seu pai, João Clemente, de 68 anos. Documento oficial
da Polícia Federal de controle de quem entra e quem sai da cela de Lula,
anexado no processo da execução penal em outubro passado, acabou de vez com o
anonimato.
Eliseu esteve 12 vezes na cela de Lula para cortar
"cabelo e barba" - a última delas, no dia 6 deste mês, quando o juiz
federal Sérgio Moro oficialmente explicava sua saída da Lava Jato e a decisão
de aceitar o convite para ser ministro da Justiça do futuro governo de Jair
Bolsonaro.
Lula recebe o barbeiro, em geral, às 15h. O trabalho dura
menos de uma hora e o dia exato da visita na semana é avisado pelos
contratantes na véspera. O ex-presidente é uma pessoa "muito humilde,
simples mesmo", deixa escapar Eliseu.
Na mala, revela que só leva as tesouras e duas máquinas:
um barbeador e uma "máquina de acabamento" - material exclusivo, que
fica guardado em casa, separado dos instrumentos do salão.
Na Polícia Federal, como não tem uma cadeira própria de
barbeiro, o jeito é improvisar. Clemente costuma usar a cadeira de mesa que o
ex-presidente tem em sua cela especial - um antigo dormitório de policiais, com
cerca de 15 metros quadrados e banheiro privativo.
"Eu viro ele de frente para a TV e vou fazendo o
serviço", conta Eliseu, sobre os dias de jogo ou filme na televisão.
Sem partido
O ex-presidente divide seu tempo na prisão - são mais de
200 dias - lendo, escrevendo, assistindo TV, ouvindo música ou praticando
exercícios, além das diárias reuniões com defensores e outros visitantes.
O barbeiro afirmou ter ficado impressionado com a quantidade
de folhas manuscritas que o petista guarda, numa das poucas inconfidências
arrancadas.
"Da última vez, não conversamos muito porque ele
estava focado num filme e estava quase no final", disse Eliseu.
Evangélico, ele não tem partido nem time do coração. Ao
receber a reportagem do Estado, garantiu que seguirá fielmente o pedido feito
pelos contratantes de discrição sobre o que acontece dentro da cela. "Fico
até com pena dele, é uma pessoa de idade, alguém que, querendo ou não, governou
o País e ajudou muitas pessoas e está em uma situação daquela. É um ser humano,
né?"