O editor leu ainda há pouco na Istoé e recomenda esta entrevista feita pela repórter Ludmilla Amaral para a edição deste final de semana. O professor da Unicamp diz que o Estado brasileiro
funciona à base da corrupção e considera grave a situação da presidente.
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Doutor em filosofia e professor de Ética Política na
Unicamp, Roberto Romano mostra ceticismo em relação ao futuro do País. Para
ele, a crise política é estrutural e remonta ao processo de criação de um
Estado de modelo absolutista. "No princípio absolutista, os governantes
estão acima do cidadão comum e, portanto, não têm de prestar contas a ninguém.
Há o controle do poder no plano central, mas não há autonomia dos municípios e
dos Estados. Um País onde 70% dos impostos vão direto para o cofre do poder
central é um país de exército vencido", critica.
Na avaliação de Romano, a crise se agrava quando uma
presidente, no caso Dilma Rousseff, encontra sérias dificuldades para dialogar
com a sociedade e escala auxiliares tão ou mais inábeis quanto ela. "Se
somar a incapacidade de dialogo notório que a presidente tem com a incapacidade
de seus auxiliares, você tem um governo que é esse desastre". Para um
partido que vendeu esperança, na eleição de Lula, o quadro é grave, avalia. Na
opinião do professor da Unicamp, equivoca-se quem diz que as instituições
operam normalmente. Ele considera a intervenção estatal no BNDES uma prova de
que a democracia ainda capenga no Brasil.
ISTOÉ - O senhor disse uma vez que "a inflação é um
desagregador político muito forte". A crise no governo Dilma se dá por
conta da alta dos preços?
ROBERTO ROMANO -A inflação é um ingrediente complicador.
Ela quebra a capacidade que o ser humano tem de confiar. Esse fenômeno
desagregador da inflação é o ponto essencial, mas não é o único ponto da crise
política.
ISTOÉ - Quais são os outros pontos?
ROBERTO ROMANO -O fato de o nosso Estado ser ainda gerado
para combater a democracia moderna. Dom João VI trouxe para cá um Estado contra
revolucionário. O modelo trazido para cá é um modelo absolutista. Tanto que na
primeira Constituição independente do Brasil há a figura de irresponsabilidade
do chefe de Estado. No princípio absolutista, os governantes estão acima do
cidadão comum e, portanto, não têm de prestar contas a ninguém. Há o controle
do poder no plano central, mas não há autonomia dos municípios e dos Estados.
Nós não temos municípios até hoje. É uma ficção. Um País onde 70% dos impostos
vão direto para o cofre do poder central é um país de exército vencido. O poder
central age em relação aos estados e municípios como um poder invasor, que
controla tudo.
ISTOÉ -Como esses pontos influenciam na crise do governo
Dilma?
ROBERTO ROMANO - O problema não é só essa questão da
estrutura do Estado que é obsoleta. Você tem essa figura do chefe de estado que
possui prerrogativas de imperador. Em vez de a preocupação ser com a estrutura
da máquina do Estado, a preocupação é com as pessoas. Se a pessoa está
distribuindo favores e as políticas sociais são transformadas em favores,
quando a fonte dos favores diminui evidentemente que a popularidade também
diminui. Eu sempre digo que o presidente brasileiro é um gigante de pé de
barro. É um gigante, mas precisa da base aliada, dos acordos com as
oligarquias, do dinheiro das empresas. Então, você tem um presidente que, ao
invés de mandar no sentido absolutista, ele é mandado. E se ele tiver
capacidade política, diplomática, ele pode se sair razoavelmente bem.
Infelizmente a presidente Dilma não tem essa capacidade política e diplomática.
Para piorar, ela escolheu muito mal os seus auxiliares.
ISTOÉ - De quem o sr. está falando especificamente?
ROBERTO ROMANO -
Veja os chefes da Casa Civil escolhidos pela Dilma:
Erenice Guerra, Gleisi Hoffmann e Aloízio Mercadante. Eles não sabem conversar.
Eles sabem mandar. E são desastrados. Então, se somar a incapacidade de dialogo
notório que a presidente tem com a incapacidade de seus auxiliares, você tem um
governo que é esse desastre.
ISTOÉ -Na semana passada, o presidente da Câmara, Eduardo
Cunha, anunciou o rompimento com a presidente Dilma Rousseff. A crise se agrava
na opinião do sr.?
ROBERTO ROMANO -Enquanto presidente da Câmara e também
como deputado, ele não pode dizer que está rompendo em caráter pessoal. Ele
está cometendo um atentado à Constituição e isso é gravíssimo porque ele não é
do Executivo. Um técnico do Executivo até pode cometer erros constitucionais assim,
mas quem elabora as leis em nome do povo como pode dizer que decidiu
pessoalmente uma coisa que não pode ser decidida pessoalmente?
ISTOÉ - Como o sr. vê a atuação dele como presidente
da Câmara?
ROBERTO ROMANO -Desde que assumiu a presidência da Câmara,
ele tem defendido uma pauta que não é do interesse geral, e sim de facções.
Hoje ele é líder de uma facção. Como deputado ele tem direito de liderar uma
facção, mas como presidente da Câmara, não.
ISTOÉ -O sr. acha que o PMDB realmente terá candidato
próprio em 2018?
ROBERTO ROMANO - É uma situação muito interessante,
porque na época do Sarney, o PMDB era quem decidia tudo no governo. Passado
esse período, eles têm só suportado governos. Na ditadura, o MDB tinha presença
em todo o Brasil, e ampliou suas bases municipais. Isso faz com que sempre em
toda eleição eles consigam uma base parlamentar, tanto de deputados como de
governadores, bem razoável. O PSDB e o PT não aproveitaram seus oito anos de
governo para ampliar suas bases municipais, então eles continuam dependendo
muito do PMDB para ter a famosa base parlamentar de apoio. No entanto, os
peemedebistas ganham cargos, mas do ponto de vista macro, eles continuam
coadjuvantes, o que não interessa. Isso, ao que parece, mudou. O problema é
quem será o candidato deles. Existe a possibilidade de ser o Eduardo Paes,
prefeito do Rio. O Cunha, antes cotado, se isolou no próprio PMDB, além de ter
rompido com o Ministério Público e o Supremo. Foi um pulo mortal sem rede. Um
ato de imprudência política.
ISTOÉ - E o papel do vice-presidente Michel Temer
nesse momento?
ROBERTO ROMANO -O Temer é uma garantia de que a
presidente não vai continuar fazendo impolidez ou falta de tato maior. Por
enquanto ela está afastadinha e eu acho que é o mínimo que ela pode fazer. Não
porque quando ela fala toca panela, não. É porque efetivamente a situação dela
é muito grave.
ISTOÉ - O senhor enxerga alguma semelhança entre as
situações de Collor, em 1992, e a de Dilma agora?
ROBERTO ROMANO -O Collor conseguiu muita impopularidade
com o golpe que ele deu nas poupanças. Ele confiou demais na sua popularidade e
arruinou o seu relacionamento com todas as classes brasileiras. Ele pertencia a
um partido minúsculo que dependia vitalmente de outros partidos também, mas ele
nunca teve, por exemplo, a base sólida do PMDB. Já a Dilma recebeu do Fernando
Henrique e do Lula essa capacidade de aliança com grandes partidos. Mas Dilma
não levou adiante isso graças a inabilidade de seus negociadores que agiram de
forma imperial. Boa parte dessa erosão que a Dilma está vivendo já foi eclodida
no segundo governo de Lula, quando essa aliança com o PMDB já começou a
periclitar.
ISTOÉ -Mas os escândalos também começam a se aproximar do
gabinete da presidente... Inclusive há uma outra CPI em gestação, a do BNDES,
que pode ser arrasadora para o governo. Há quem diga que os estragos podem ser
maiores do que o Petrolão.
ROBERTO ROMANO - Há um mantra entre meus colegas de
que as instituições estão operando normalmente. Isso é conversa mole para boi
dormir. Não estão operando normalmente e nunca estiveram operando normalmente.
Não foram resolvidos os problemas de estrutura do Brasil em termos
democráticos. O BNDES é uma instituição pública que tem dinheiro da população e
que operava de maneira sigilosa até agora. Como isso pode ser normal numa
democracia? Pega-se bilhões da população e coloca-se na mão de Eike Batista.
Isso é normal? Não se justifica a atitude de gerir o BNDES no sigilo. É
preciso, sim, fazer uma investigação das contas do BNDES, do Banco do Brasil,
de todas as estatais para se constatar quanto está sendo subtraído dos planos
propriamente econômicos.
ISTOÉ - Num capítulo do livro "Uma Oveja Negra
al Poder" diz-se que Lula teria dito ao presidente uruguaio que ele teve
de lidar com "coisas imorais, chantagens." Esse é o cenário da
política brasileira?
ROBERTO ROMANO -O Estado brasileiro funciona à base da
corrupção. Em todo o Estado do mundo ocorre essa negociação e essa tomada de
cargos, mas tal como existe no Brasil é uma coisa absolutamente delirante. Não
há outra saída, porque não houve o parlamentarismo. A Presidência da República
é quase irresponsável e o Parlamento não é responsável. Não há o princípio da
responsabilidade. O Congresso não assume a plena responsabilidade pela
governança do País, ele ou chantageia o Executivo ou é subserviente a ele. Isso
vem acontecendo desde a morte do Getúlio.
ISTOÉ -Em uma de suas colunas, o senhor disse que
"usar utopia, como faz Luiz Inácio Lula da Silva, é pintar cinza sobre
cinza."O que o senhor quis dizer com isso?
ROBERTO ROMANO - Em 1987, eu escrevi um artigo
chamado "Lula, o senhor da razão", e eu mostrava claramente que ele
tinha posição extremamente conservadora, muito carismática e muito ligada a sua
pessoa, ele era o dono da razão. Isso não coaduna com um País democrático e com
um partido democrático. Desde a greve do ABC, o Lula sempre é o protegido,
nunca se pode criticar o Lula, o que faz com que ele seja uma continuidade de
personalidade como Getúlio Vargas, Perón, e etc. Ele não tem a característica
de um líder colegiado, tanto é verdade que hoje o PT só tem o Lula. Todas as
tentativas de lideranças regionais do PT foram cortadas em favor do Lula. Hoje,
se o Lula faltar, o PT está sem uma alternativa. O Lula adota um modo muito
antigo de governar o País. Ele atua na base do caciquismo. O Lula é um cacique.
ISTOÉ -As investigações da Lava-Jato têm chegado cada vez
mais perto de Lula. O que isso pode significar para a história do ex-presidente
e para o futuro do PT?
ROBERTO ROMANO -Vamos supor que seja provado que ele fez
lobby e tudo mais. Vai ser mais uma decepção para a população brasileira. Desde
Getúlio Vargas nós vendemos pais do Brasil e o Lula sempre dizia que era o pai
do Brasil. O caudal de tristeza e da perda de fé pública em termos de perda de
confiança nos líderes vai ser algo muito grave. Um slogan muito usado na
campanha do Lula era "a esperança venceu o medo". O que está
acontecendo é que o medo está voltando e a esperança chegando a ponto mínimo. A
popularidade de Dilma ilustra o índice da diminuição do nível da esperança. Eu
diria que o povo brasileiro tem 7,7% de esperança na sua sobrevivência. E isso
é muito grave.