Ao receber o controle de duas diretorias da BR
Distribuidora, uma subsidiária da Petrobras, o ex-presidente estabeleceu seu
próprio balcão de negócios no petrolão. A Lava Jato foi bater à sua porta
A reportagem é de Rodrigo Rangel e Robson Bonin, que está nas bancas.
Reviravolta: de inimigo visceral do PT nos anos 90,
Fernando Collor converteu-se em um de seus mais fieis aliados(Cristiano
Mariz/VEJA)
Nas projeções mais otimistas, calcula-se que corruptos e
corruptores envolvidos no escândalo da Petrobras tenham desviado algo perto de
19 bilhões de reais dos cofres da empresa. A estatal era o paraíso, o nirvana
para gente desonesta, incluindo os empreiteiros, os servidores públicos e os
políticos já identificados como parceiros da partilha do dinheiro roubado. Na
semana passada, o lobista Julio Camargo, um dos delatores do caso, tentou
explicar ao juiz Sergio Moro a essência do petrolão. Na visão dele, a corrupção
na Petrobras poderia ser ilustrada pela figura do fruto proibido. Os contratos
eram como maçãs que os empreiteiros ansiavam saborear em sua plenitude. O que
os impedia eram os partidos e os políticos da base do governo. "É aquela
história, olhar a maçã e dizer: 'Como vou pegar essa maçã? Tem uma regra do
jogo que eu preciso atender. Do contrário, não vou comer a maçã' ", disse
Camargo. A "regra do jogo", o caminho mais curto para alcançar a
árvore e apoderar-se dos frutos, como as investigações da Operação Lava-Jato já
revelaram, era pagar propina. Durante os dois primeiros mandatos de Lula e ao
longo de todo o primeiro mandato de Dilma Rousseff, o PT usou o pomar para
governar. Distribuir as maçãs virou um método, um atalho que o partido
encontrou para garantir a fidelidade dos amigos e seduzir eventuais
adversários, transformando-os em cúmplices de um crime contra toda a sociedade.
Na semana passada, a polícia bateu na porta de alguns convivas do banquete.
Os investigadores cumpriram 53 mandados de busca e
apreensão nas residências e nos escritórios de políticos suspeitos de corrupção
no escândalo da Petrobras. Entre os alvos estavam parlamentares e
ex-parlamentares, incluindo dois ex-ministros do governo da presidente Dilma.
No episódio mais emblemático da ação, os agentes devolveram ao noticiário
político-policial a antológica Casa da Dinda, a residência do ex-presidente
Fernando Collor, cenário do escândalo que, nos anos 90, levou ao primeiro
impeachment de um presidente da República. Os policiais apreenderam documentos,
computadores e três carros de luxo da frota particular do atual senador: um
Lamborghini Aventador top de linha (3,5 milhões de reais), uma Ferrari vermelha
(1,5 milhão de reais) e um Porsche (700 000 reais). Nem o bilionário empresário
Eike Batista em seus tempos de bonança exibia modelos tão exclusivos - e caros.
Collor, até onde se sabe, é um empresário de sucesso. Sua
família é proprietária de emissoras de televisão e rádio em Alagoas, terrenos,
apartamentos, títulos, ações, carros... A relação de bens declarados pelo
senador soma 20 milhões de reais, o suficiente para garantir vida confortável a
qualquer um.
Collor, apesar disso, não resistiu à tentação e adentrou
o pomar petista. Em 2009, ele assumiu a presidência da Comissão de
Infraestrutura do Senado. Com significativo poder para fiscalizar os destinos
das obras do PAC, a vitrine de campanha da então candidata Dilma Rousseff, o
senador se apresentava como um obstáculo para o governo. A maçã lhe foi
oferecida. O ex-presidente Lula entregou ao senador duas diretorias da BR
Distribuidora, uma subsidiária da Petrobras - a diretoria da Rede de Postos de
Serviço e a de Operações e Logística. No comando desse feudo, segundo os
investigadores, Fernando Collor criou o seu balcão particular de negócios
dentro da maior estatal brasileira, o que lhe renderia milhões em dividendos.
Segundo depoimentos colhidos na Lava-Jato, o esquema
obedecia a uma lógica simples. As empresas que tinham interesse em assinar
contratos com a BR acertavam antes "a parte do senador". Foram
dezenas de contratos. A polícia já identificou dois que passaram por esse
crivo. Num deles, de 300 milhões, um empresário do ramo de combustíveis pagou a
Collor 3 milhões de reais em propinas para viabilizar a compra de uma rede de
postos em São Paulo. A operação foi revelada pelo doleiro Alberto Youssef em acordo
de delação premiada. Encarregado de providenciar o suborno ao senador, Youssef
fez a entrega de "comissões" em dinheiro, depósitos diretos na conta
do parlamentar e transferências para uma empresa de fachada que pertence a
Collor. O Lamborghini, até recentemente o único do modelo no Brasil, está em
nome da tal empresa, o que fez os investigadores suspeitar que o carro foi
bancado com dinheiro desviado da Petrobras. Desde o ano passado, quando
explodiu a Operação Lava-Jato e as torneiras da corrupção se fecharam, o IPVA
do carro não é pago pelo ex-presidente. A dívida acumulada é de 250 000 reais.
Mas não é desapego do senador. Zeloso, ele só usava o carro para passeios
esporádicos a um shopping de Brasília. Quando isso acontecia, o Lamborghini
permanecia sob a vigilância de dois seguranças do senador, que fixavam um
perímetro de isolamento em torno do veículo para evitar a aproximação dos
curiosos. A frota de luxo de Collor - revela Lauro Jardim, na seção Radar -
conta com um Rolls-Royce Phantom 2006, mais exclusivo ainda do que o
Lamborghini.