Neste editorial de hoje, intitulado "A farsa do PT no campo social", o jornal "O Estado de S. Paulo" escreve que o Partido dos Trabalhadores (PT) tem sido motivo de
profundas e amargas decepções para quem acreditou em seus propósitos iniciais.
Leia tudo:
Criado há 35 anos por um grupo heterogêneo composto por acadêmicos de esquerda,
líderes sindicais e católicos identificados com a Teologia da Libertação,
levantou a bandeira da justiça social e da moralização da vida pública e se
propôs a lutar contra "tudo o que está aí", para garantir os direitos
dos trabalhadores e a inclusão na vida econômica dos miseráveis abandonados na
periferia das metrópoles e nos grotões do interior. Depois de mais de 20 anos,
ao custo de renegar fundamentos de seu ideário, conquistou o poder e ali
permanece até hoje, de braços dados com as lideranças políticas mais
retrógradas que antes combatia. Hoje, o PT "ou muda ou acaba",
segundo anátema lançado por um de seus muitos militantes desiludidos, a
senadora Marta Suplicy.
Outro contundente depoimento sobre os descaminhos do PT
foi prestado por um de seus apoiadores de primeira hora, o dominicano Frei Betto,
que no primeiro mandato de Lula, em 2003, coordenou a implantação do programa
Fome Zero, logo substituído pelo Bolsa Família. Substituição que, aliás,
motivou o afastamento voluntário de Frei Betto do governo, pelas razões que
deixa claras na longa entrevista concedida à coluna Direto da Fonte, de Sonia
Racy, publicada no Estado de 30 de março.
Afirma o religioso dominicano que hoje se assiste ao
"começo do fim" do PT. Mas, provável e compreensivelmente levado pela
memória afetiva que o liga a líderes e à história do PT e "apesar de todos
os pesares", Frei Betto entende que os 12 anos de governo do PT até agora
"foram os melhores de nossa história republicana". O que não o impede
de botar o dedo na ferida, indo diretamente à questão central que provoca sua
desilusão com o partido de Lula: "O PT trocou um projeto de Brasil por um
projeto de poder". E isso se reflete no fato de que não se concretizou até
hoje "nenhuma reforma de estrutura, nenhuma daquelas prometidas nos
documentos originais do PT". E cita: "Nem a (reforma) agrária, nem a
tributária, nem a política. E aí poderíamos acrescentar: nem a da educação, nem
a urbana. Em suma, o que falta ao governo - e desde 2003 - é planejamento
estratégico". Em outras palavras, um projeto de País.
Para Frei Betto, os governos do PT facilitaram "o
acesso dos brasileiros aos bens pessoais, mas não aos bens sociais". E
explica: "Se vamos em um barraco de favela, lá dentro tem TV a cores,
micro-ondas, máquina de lavar" e muitos outros bens de consumo.
"Porém, essa família continua no barraco, sem saneamento, em um emprego
precário, sem acesso à saúde, educação, transporte público e segurança de
qualidade. O governo facilitou o acesso dos brasileiros aos bens pessoais, mas
não aos bens sociais."
Essa colocação explicita o espírito das "políticas
sociais" dos governos petistas, sempre de caráter pontual, feitas para
atingir objetivos de curto prazo e, de preferência, eleitorais. Foi o que
ocorreu com a substituição do Fome Zero pelo Bolsa Família. O primeiro, muito
mais complexo e, consequentemente, preso a possibilidades de ampliação mais
lentas, não se limitava a proporcionar às pessoas excluídas da vida econômica
uma contribuição financeira mensal para a sobrevivência, mas oferecia um
conjunto de possibilidades e impunha obrigações, de modo a criar condições para
a inserção do beneficiado na atividade produtiva. É o que Frei Betto chama de
programa de "caráter emancipatório". Ao contrário, o Bolsa Família,
muito mais facilmente implantável e ampliável, acaba tornando seus
beneficiários dependentes financeiros do poder público. Cria e alimenta, em
português claro, verdadeiros currais eleitorais.
Essa evidência se confirma com o testemunho de outro
desiludido com o PT, o jurista Hélio Bicudo, que relatou em entrevista gravada
a um programa de televisão o seguinte episódio: em 2003, numa reunião de
membros do governo sobre a implantação do Bolsa Família, questionado sobre os
objetivos e benefícios do programa, o então ministro José Dirceu, chefe da Casa
Civil, respondeu sem pestanejar: "Quarenta milhões de votos". Dá para
entender por que o PT acabou se transformando numa farsa até para muitos
antigos e fiéis militantes e apoiadores.