Nesta reportagem que a repórter Marina Schmidt publica no Jornal do Comércio de hoje, fica claro que a recessão ecnômica dizima para valer as empresas brasileiras. O número de falências foi ainda maior, com elevação de 52%
no primeiro semestre.;
Leia a seguir para ler tudo:
As recentes dificuldades econômicas enfrentadas pelas
empresas brasileiras têm levado para o Judiciário um número cada vez maior de
processos de recuperação judicial. Somente no primeiro semestre deste ano,
foram 420 pedidos, em todo o País, contra 305 registrados no mesmo período do
ano passado, uma alta de quase 40%, segundo levantamento feito pelo Instituto
Nacional de Recuperação Empresarial (Inre) e antecipado com exclusividade para
o Jornal do Comércio ? os dados do semestre serão consolidados até o final
deste mês e devem apresentar um pequeno acréscimo no número de casos.
O levantamento do Inre aponta ainda um crescimento
expressivo na quantidade de falências decretadas com alta de 52% no primeiro
semestre deste ano frente ao primeiro semestre de 2014. Foram 309 casos nos
primeiros seis meses de 2015 (no mesmo período do ano passado haviam sido 202).
Os números apresentam um cenário que, de certa forma, a
sociedade como um todo vem acompanhando: o contexto macroeconômico não está
favorável aos negócios. Nem aos negócios nem às próprias recuperações
judiciais, já que estas também dependem de um desempenho financeiro mínimo para
serem bem-sucedidas.
A empresa que enfrenta dificuldade por conta do
arrefecimento econômico e que tem muitas dívidas a pagar, muitas vezes, recorre
à recuperação judicial para tentar alongar prazos para a quitação dos débitos e
para conseguir o deságio nos valores devidos. Porém, ela precisa ser capaz de
se manter em atividade, gerando resultado tanto para dar continuidade às suas
operações quanto para cumprir com os acordos firmados com os credores.
Aí está o grande desafio: com o crédito restrito, a
empresa precisa girar, mas, se a economia não ajuda, qual é a saída para ela?
No caso da falência decretada, as perdas são generalizadas, pois, junto com a
empresa, fecham-se postos de trabalho, a arrecadação para o poder público e as
perspectivas de recuperação dos débitos para os credores.
Diante desse contexto nada favorável, o desembargador do
Tribunal de Justiça de São Paulo e presidente do Inre, Carlos Henrique Abrão,
projeta um segundo semestre ainda mais negativo. "O ano de 2015 vai fugir
da curva da expectativa, e a crise pior virá no segundo semestre", prevê.
Quem atua diretamente com o tema atesta que a procura é crescente.
No escritório MR&Z - Martins, Rillo e Zago Advogados
Associados, de Porto Alegre, é registrada pelo menos uma consulta sobre o
assunto por semana neste ano. O sócio-fundador Roberto Martins comenta que, há
cerca de 15 dias, foram três pedidos de orientação em uma única semana ? as
três empresas que procuraram o escritório, especializado em recuperação
judicial, já tiveram a solicitação deferida pela Justiça.
Assim como Abrão, Martins também projeta ampliação no
número de pedidos de recuperação neste ano. "A crise econômica não chegou
ainda no fundo do poço, não sabemos o que vai acontecer", comenta,
projetando que haverá muitas falências nos próximos dois anos. "As
empresas que se mantiverem no mercado depois dessa fase talvez consigam navegar
de outra maneira. Vai ter uma mudança grande, porque muitas empresas vão sair
do mercado."
Ainda é baixo o índice de empresas que se recuperam
A recuperação judicial da empresa catarinense Industrial
Pagé é um caso emblemático para Luiz Alberto de Paiva, presidente da Coporate
Consulting, contratada para reestruturar a companhia. Quando a empresa entrou
com o pedido de recuperação judicial, no final de 2012, tinha mais de R$ 100
milhões em dívidas, estava com duas folhas de pagamento atrasadas e com seis
pedidos para decretação de falência, conta Paiva.
Com o plano de recuperação judicial aprovado em 2013, a
empresa conseguiu 14 anos para o pagamento do passivo com 40% de deságio nos
valores devidos e correção monetária pela TR. Hoje, com as atividades
recuperadas e registrando lucro, a Pagé está há dois anos? e vai dar um passo
importante agora: pedir o levantamento e a saída da condição de recuperanda.
O caso é tão emblemático porque envolve uma empresa com
problemas complexos e que conseguiu se recuperar - uma situação que ainda não
chega à maior parte das empresas que ingressam com o pedido na Justiça.
Atualmente, é difícil mensurar os percentuais de sucesso e insucesso dos casos,
porque a lei tem apenas 10 anos e os prazos da recuperação são longos e podem se
estender de sete a 10 anos, explica o desembargador e presidente do Inre,
Carlos Henrique Abrão. Mas nenhum advogado, especialista ou membro do
Judiciário refuta a tese de que grande parte dos pedidos termina em insucesso.
"As empresas têm pedido recuperação judicial de uma
maneira desesperadora", dimensiona Paiva. "Não tenho visto muito
planejamento. O que tem acontecido é a ocorrência de uma série de pedidos
tentando atenuar a falência da empresa."
Desembargador defende revisão da legislação
Há 10 anos em vigor, a lei que disciplina a recuperação
judicial no País já exige mudanças não só para corrigir lacunas, mas,
principalmente, para se adequar ao contexto econômico atual, defende o
desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e presidente do Inre, Carlos
Henrique Abrão. "A lei é apenas uma regra econômica. Em qualquer país
desenvolvido, quando tem uma crise forte, automaticamente a lei é alterada. A
França, nos últimos cinco anos, mudou sete vezes a lei de recuperação",
compara.
"Além das falhas, defeitos e lacunas que a lei tem,
ela precisaria de uma adaptação à realidade da crise brasileira", pontua o
desembargador. Abrão cita contradições, como as presentes na Lei Complementar
nº 147, de agosto de 2014, que estendeu os mecanismos de recuperação judicial
para pequenas e micro empresas. Uma das defasagens está na definição de que os
juros sobre os débitos para pequenos e micro empresários estão limitados à Taxa
Selic. Até então, a determinação era de que a taxa de juros máxima deveria ser
de 12% ao ano. Mas, com a Selic prevista para passar dos 14% neste ano, esse
ponto virou um "tiro no pé", avalia Abrão, que critica ainda o prazo
exíguo de três anos para o pagamento das dívidas.
Abrão defende que a lei considere outros atores nos
pedidos. "Deveria ser possível que até 20% dos credores pudessem requerir
conjugadamente a recuperação do devedor ou, em casos em que o interesse social
estivesse em jogo, que o Ministério Público pudesse fazê-lo."
Juiz do caso Varig analisa lei de 2005
Responsável pelo primeiro processo de recuperação
judicial instruído no País, há 10 anos, quando a Varig recorreu à Lei nº
11.101/2005 para tentar reverter dificuldades financeiras que enfrentava, o
juiz-titular da 1ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,
Luiz Roberto Ayoub, afirma que, após uma década, conduzir um processo de
recuperação judicial ainda é um desafio. Mestre em Direito Processual Civil e
autor de livros sobre o tema, Ayoub é também professor-supervisor do Centro de
Justiça e Sociedade (CJUS) da FGV Direito Rio.
Sobre a alta no número de pedidos de recuperação, o juiz
projeta que os casos aumentarão ainda mais e que o atual contexto político e
econômico certamente vai arrastar muitas empresas. "A cada dia, sai um
escândalo. O escândalo é o que basta na seara empresarial. Um boato já é o
bastante para colocar em risco a rigidez da empresa, porque o investidor para
de investir, o fornecedor para de fornecer com medo de não receber, o
trabalhador começa a procurar outro emprego. Boato é uma desgraça no mundo
empresarial." Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Ayoub defende que
haja maior articulação entre as diversas áreas abrangidas pela lei.
Jornal do Comércio - O primeiro pedido de recuperação
judicial do País foi o da Varig, uma grande empresa, com problemas complexos.
Como foi conduzir esse desafio ainda sem um direcionamento de como a lei seria
aplicada?
Luiz Roberto Ayoub - Tudo foi muito difícil. Mesmo depois
de 10 anos, ainda é uma lei muito nova e precisa amadurecer. No mundo jurídico,
esse amadurecimento ocorre quando os tribunais superiores firmam o seu
posicionamento. Muitas questões importantes, relevantes da recuperação judicial
ainda não chegaram no STF. As que já chegaram sedimentaram o posicionamento acerca
do caminho a ser trilhado pelos juízes de graus inferiores. O que eu posso
dizer sobre o primeiro caso é que o ideal para qualquer experimento seria uma
causa pequena. Conduzir o processo de recuperação da Varig foi muito difícil,
como até hoje ainda é enfrentar recuperações de grandes empresas.
JC - É uma lei diferente, então?
Ayoub - Costumo citar como uma lei pintada com tintas
econômicas, porque é uma lei que objetiva, em última análise, garantir o
crédito e mexer com o custo Brasil. É uma lei diferente, cuja formação do juiz
não o possibilita a formar opiniões sem ajuda e a contribuição de outros
atores. Por isso, é importante o papel do administrador judicial. Essa é uma
lei que tem esse viés. Tanto que até hoje ela não é muito bem compreendida por
diversos personagens que gravitam em torno do sistema judicial. Mas é uma lei
importante para o Brasil porque preserva empresas quando elas são viáveis; do
contrário, se elas demonstrarem, desde o início, serem empresas que não têm
possibilidade de se recuperar, o juiz não deve deferir. Ele deve indeferir o
processamento da recuperação, mas esse indeferimento eventual não importa em
falência naquele momento.
JC - Qual é a importância do indeferimento nesse
contexto?
Ayoub - Eu digo que é muito importante essa preocupação
do juiz nesse momento, porque, se ele deferir o pedido, as ações, execuções,
como regra, são suspensas por 180 dias. Isso traz uma consequência muito grande
para os credores em geral que podem acabar se comprometendo também em razão da suspensão
das ações.
JC - O juiz, quando recebe o pedido de recuperação,
consegue ter a dimensão se a empresa conseguirá se viabilizar para tomar a
decisão sobre deferir ou não?
Ayoub - Não consegue. Eu sou minoritário em uma posição
que adoto desde o início de que o juiz que não tem conhecimento daquela
empresa, sobre a saúde financeira, e se existe viabilidade ou nocividade. A
análise tem que ser criteriosa. Como o juiz não tem condições, a priori, de
verificar se as condições que a lei exige estão presentes, eu tenho defendido,
e escrevi sobre isso, que o juiz tem que ter a preocupação de analisar se estão
presentes os aspectos substanciais, que se referem ao futuro daquela empresa: o
que ela tem para frente, o que ela já tem contratado. Empresa em recuperação
não é empresa falida, é uma empresa que passa por dificuldade, mas que tem
chance de se recuperar, tanto é que ela continua, em regra, na mão do
empresário. Ou seja, a empresa está tocando a sua vida, porém, protegida pelo
Poder Judiciário por um determinado prazo.
JC - Como é possível identificar a viabilidade de uma
empresa?
Ayoub - Quando eu vejo necessidade, eu mando fazer uma
perícia prévia muito rápida, porque a empresa que passa por dificuldade está
enferma e não pode demorar para receber um pronunciamento. Eu determino que uma
perícia muito rápida, mesmo que sumária, seja feita para avaliar os requisitos
substanciais, verificando livros da empresa e documentações, para que o perito
levante o que puder me informar, se existe chance de recuperação, o que ela tem
pela frente, o que tem contratado e o que vai contratar.
JC - Uma grande empresa em recuperação judicial requer
uma verificação prévia mais aprofundada?
Ayoub - Existem exemplos que dispensam perícia, como uma
empresa dessas enormes envolvidas na Lava Jato, que tem contratos milionários
no mundo inteiro. Eu vou ter que fazer uma perícia para provar que a empresa é
viável? Lógico que não. Essas empresas dispensam perícia, porque a gente sabe
que têm viabilidade, estão passando por dificuldade, mas elas têm chance de se
recuperar.