Ao lado, para ampliar, clique em cima. Vá primeiro no link ao pé da nota, na capa. Na página da sequência, amplie - Em reportagem de capa que publica neste final de semana, a revista Época revela que no começo de 2013, o empresário Walter Faria, dono da
Cervejaria Itaipava, a segunda maior do país, queria expandir seus negócios ao
Nordeste, não conseguia dinheiro, até porque estava com a ficha suja em decorrência de autuações do fisco e de prisão por crime federal, mas acabou conseguindo financiamentos absurdos no Banco do Nordeste em troca de financiar com valores milionários a campanha de Dilma Roussef. Uma doação de R$ 12,3 milhões foi feita quatro dias depois da liberação de um empréstimo. Fria e sua Itaipava foram os quatro maiores doadores da campanha da candidata. Leia tudo com atenção:
A primeira parte do plano envolvia a construção de fábricas na
região. Ele optou por erguer a primeira em Alagoinhas, na Bahia, em razão de generosos
incentivos fiscais. Faltava o dinheiro para a obra, e conseguir crédito não
seria uma missão fácil. Faria e seu Grupo Petrópolis, que controla a Itaipava,
tinham nome sujo na praça – e uma extensa ficha policial. Deviam R$ 400 milhões
à Receita, em impostos atrasados e multas por usar laranjas, além de notas
fiscais. Em 2005, Faria fora preso pela Polícia Federal, acusado de sonegação
fiscal. Ficou dez dias na carceragem da PF. Três anos depois, em outra operação
da PF, Faria acabou denunciado pelo Ministério Público Federal por corrupção
ativa, formação de quadrilha e por denúncias caluniosas. Segundo as
investigações, Faria armara um esquema para retaliar os fiscais da Receita que
haviam autuado sua cervejaria anos antes. Iria difamá-los. Contratara para o
serviço ninguém menos que o operador do mensalão, Marcos
Valério Fernandes de Souza. A PF encontrou R$ 1 milhão na sede da Itaipava
em São Paulo – dinheiro que, segundo a acusação, serviria para pagar
chantagistas. Valério foi preso. Mas Faria perseverou.
Diante dessa ficha, qual banco toparia emprestar dinheiro
para Faria e suas empresas? O Banco do Nordeste, o BNB, criado no governo de
Getúlio Vargas para ajudar no desenvolvimento econômico da região – mas que,
desde então, é usado com alarmante frequência para ajudar no desenvolvimento
econômico dos políticos que mandam nele. Desde que o PT chegou ao
poder, em 2003, o BNB, custeado com R$ 13 bilhões em dinheiro público, vem
sendo aparelhado pelo partido. As previsíveis consequências transcorreram
com regularidade desde então. Escândalos, escândalos e mais escândalos. O
último deles, em 2012, revelado por ÉPOCA, derrubou a cúpula do
banco após a PF entrar no caso – e deflagrou uma cascata de investigações
dos órgãos oficiais, como a Receita, o Tribunal de Contas da União e o MP.
Apesar disso, o aparelhamento petista no BNB perseverou, como Faria
perseverara. Ambos perseveraram porque partidos como o PT precisam de
empresários como Walter Faria, e empresários como Walter Faria precisam de
partidos como o PT.
No segundo mandato de Lula, Faria, segundo fontes do
PT e no BNB, tornou-se próximo dos líderes do partido, como o ex-presidente da
República e o tesoureiro informal da legenda, João Vaccari. E manteve essas
boas relações. Pelas leis da política, a história que se narra a seguir –
fundamentada em documentos internos do BNB, relatórios do TCU e entrevistas com
os envolvidos – era inevitável. Ainda no começo de 2013, Faria conseguiu obter
do BNB um empréstimo de R$ 375 milhões para construir a fábrica na Bahia.
Naquele momento, a nova cúpula do BNB, sob o trauma recente do escândalo que
derrubara a diretoria anterior, relutava em fazer negócio com Faria. O então
presidente do banco, Ary Joel Lanzarin, fez questão de que Faria apresentasse
garantias sólidas para o empréstimo. Exigiu uma garantia conhecida como
carta-fiança, em que outro banco garante cobrir o valor devido em caso de
calote. Para quem empresta, como o BNB, é um ótimo negócio – praticamente zera
o risco de calote. Para quem recebe o dinheiro, nem tanto. Uma carta-fiança tem
um custo anual, que varia entre 0,5% e 3% do total do empréstimo.
Durante as tratativas, Faria reclamava. Dizia que
perderia muito dinheiro com a carta-fiança. Mas capitulou. Ao fim, obteve dois
empréstimos, ambos sob as mesmas condições. O de R$ 375 milhões seria destinado
à construção da fábrica em Alagoinhas. Outro, fechado depois, em abril de 2014,
no valor de R$ 452 milhões, serviria para construir outra fábrica da Itaipava,
em Pernambuco. No total, portanto, Faria obteve quase R$ 830 milhões do BNB.
Cada empréstimo tinha como principal garantia uma carta-fiança, que cobria
integralmente o valor emprestado pelo BNB. Faria teria juros baixos, 11 anos
para pagar e dois anos de carência para começar a devolver o dinheiro. Os
técnicos do BNB classificaram a operação como segura, em virtude da
carta-fiança.
Em conversas com os diretores do BNB, no entanto, Faria
não desistia de rever a garantia da carta-fiança. Queria porque queria que o
banco abdicasse dela, topando ter como principal garantia as fábricas
construídas com o dinheiro emprestado. Faria dizia, nesses encontros, que a
exigência da fiança lhe custava o equivalente a 2% do valor dos empréstimos – o
equivalente a quase R$ 17 milhões ao ano. Para o BNB, era um pedido
aparentemente impossível de atender, como seria para qualquer banco privado.
Ainda mais porque, pelo contrato de empréstimo, os juros eram pré-fixados. Ou
seja: o BNB não poderia compensar a garantia pior com um aumento nos juros do
empréstimo. Segundo as regras do Banco Central e três especialistas de três
grandes bancos, se o BNB aceitasse as condições de Faria, teria de rebaixar
internamente a classificação de qualidade do empréstimo. Essa medida é
obrigatória e forçaria o BNB a reservar dinheiro próprio para pagar ao menos
parte da dívida de Faria, caso ele desse calote. No jargão do mercado, isso se
chama “provisionamento”. Nenhum banco toparia fazer isso. É um péssimo negócio.
“Nunca vi alguém aceitar algo parecido”, diz um economista que trabalha com
esse tipo de operação para um grande banco brasileiro.
Mas o impossível é sempre uma possibilidade na política
brasileira. Ainda em abril de 2014, Ary Lanzarin, o presidente que tentava
moralizar o BNB, deixou o cargo. O PT pressionava para voltar ao comando
absoluto do banco. A presidente Dilma Rousseff aceitou. As diretorias do BNB
foram entregues novamente a afilhados de políticos petistas, como o ministro da
Defesa, Jaques Wagner. Procurado por ÉPOCA, Wagner preferiu não comentar o
assunto. O jogo mudara.
Meses depois, no auge da campanha à reeleição de Dilma e
dos esforços de arrecadação dos petistas, Faria conseguiu o impossível. No dia
10 de setembro, protocolou o pedido de dispensa da fiança do empréstimo da
fábrica na Bahia. Uma semana depois, o pedido foi analisado – numa velocidade
espantosa para os padrões de um banco tão lento e burocrático quanto o BNB. Num
intervalo de pouco mais de 24 horas, o pedido passou por cinco instâncias do
BNB e foi aprovado pelo Conselho de Administração do banco, segundo os
documentos obtidos por ÉPOCA. Estava no papel: o BNB aceitara, em tempo
recorde, abdicar de uma garantia 100% segura por outras mequetrefes, se
comparadas à carta-fiança. De quebra, teve de reservar R$ 3,6 milhões no
balanço – o tal “provisionamento” – para cobrir o mau negócio que fechara.
Alguns técnicos do banco não gostaram da solução
encontrada. Para demonstrar insatisfação, deixaram claro que a dispensa da
fiança não seria inócua para o BNB. Em um documento interno obtido por ÉPOCA,
funcionários afirmaram: “O nível de risco atualmente corresponde a 8,75 (AA),
quando considerada a fiança bancária. Quando considerada a garantia hipotecária
do complexo industrial, passa a ser 6,05 (B)” (leia abaixo). Fica claro que a
substituição da fiança só interessava mesmo a Faria. A decisão do BNB também
contrariou frontalmente uma das principais cláusulas que permitiram a
assinatura do contrato: “Outras instituições financeiras de primeira linha
estarão comprometidas com o projeto durante o prazo de 11 anos, visto que a
fiança que comporá a garantia da operação terá vigência por todo o período do
financiamento”.
No dia 29 de setembro, apenas 12 dias após seu Grupo
Petrópolis obter o impossível no BNB, Faria depositou R$ 5 milhões na conta da
campanha de Dilma. Até o dia 3 de outubro, a campanha dela receberia outros R$
12,5 milhões. No total, Faria doou R$ 17,5 milhões. Tornou-se, assim, o quarto
maior doador da campanha da presidente. É aproximadamente esse valor que Faria
gastaria com as fianças anuais dos dois empréstimos. O pedido para que o
segundo empréstimo, o da fábrica em Pernambuco, também seja dispensado da
carta-fiança será feito em breve. Segundo fontes na cúpula do BNB, está
encaminhado para ser aprovado.
Procurado por ÉPOCA, o Grupo Petrópolis afirmou, por meio
de nota, que a dispensa da fiança gerou economia para a empresa, mas não disse
quanto. Afirmou ainda que a fiança foi substituída por outras garantias com
“valores até maiores”. Ainda de acordo com a nota, Faria conhece Vaccari, mas
negou ter pedido ajuda a ele ou a qualquer pessoa para que a fiança usada no
empréstimo do BNB fosse dispensada. Disse, ainda, que todas as doações à
campanha da presidente Dilma cumpriram as regras eleitorais. Também por meio de
nota, Vaccari disse jamais ter tratado do interesse de qualquer empresa com o
BNB. O presidente do BNB, Nelson de Souza, afirmou que a substituição da fiança
está prevista nas regras do banco e que nunca esteve com o empresário Walter
Faria. Disse, no entanto, que o empresário já esteve com dirigentes do banco
para tratar assuntos do interesse dele.