Nesta entrevista para juliana Bublitz, Aod Cunha, que atuou no governo de Yeda Crusius, diz no jornal Zero Hora dew domingo que a
receita para superar a crise envolve um conjunto de medidas de austeridade, uma
dose cavalar de persistência e apoio de toda a sociedade. Ele sabe o que fala, porque Aod foi o autor do chamado Déficit Zero, pedra de toque do governo de Yeda.
O mais notável na entrevista é que finalmente a RBS reconhece que o governo tucano tirou do fundo do poço as finanças estaduais, recuperou cadastro que estava sujo no Cadin e equilibrou receitas e despesas correntes, entregando tudo ao sucessor com as contas em dia, dinheiro no caixa único e nos depósitos judiciais, além de dinheiro para investir. Só não fez mais porque sofreu perseguição atroz do governo Lula (Duplica RS, entre outros programas) e especialmente do seu ministro da Justiça, Tarso Genro.
O editor tem conversado frequenemente com Aod, mas apenas para se iluminar.
A entrevista para Juliana Bublitz é um feito, já que o ex-secretário da Fazenda não costuma falar formalmente pasra jornalistas.
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Único secretário da Fazenda a tirar o Rio Grande do Sul
do vermelho nos últimos 15 anos, Aod Cunha decidiu quebrar o silêncio após
quase seis anos longe do governo. Radicado em São Paulo, onde atua como sócio
do banco de investimentos BTG Pactual, o colorado de 47 anos estará de volta à
Capital na próxima semana para encerrar o 20º Encontro dos Economistas da
Região Sul, na Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS. Na palestra marcada
para sexta-feira, abordará o cenário de incertezas que domina o país.
Mesmo longe, Aod acompanha com preocupação o agravamento
da crise nas finanças do RS. Em 2007, ao assumir o comando da Fazenda no
governo Yeda Crusius (PSDB), foi obrigado a parcelar a folha do funcionalismo –
tal como o governador José Ivo Sartori (PMDB), na última sexta-feira. A
diferença, segundo ele, é que as dificuldades se aprofundaram. Hoje, o Estado
"é uma Grécia sem os países ricos do euro para ajudar", avalia Aod.
Sob duras críticas da oposição, ele e sua equipe
conseguiram atingir o "déficit zero" em 2008, mas o equilíbrio durou
pouco. Desde 2010, os gastos voltaram a superar a arrecadação e saíram do
controle. Agora, com a economia em retração e o esgotamento das fontes de financiamento,
a conta estourou.
A pedido de ZH, em uma conversa de duas horas na capital
paulista, Aod fez um diagnóstico da atual situação, falou sobre o passado e
projetou o futuro do Rio Grande do Sul. A receita do ex-secretário para superar
a crise envolve um conjunto de medidas de austeridade, uma dose cavalar de
persistência e algo que independe de governos: uma mudança cultural profunda.
– Essa coisa do gaúcho do acirramento da briga política,
do tudo ou nada, precisa mudar. Sem o apoio da sociedade, não existe solução –
sintetiza Aod.
O Brasil caminha para uma década perdida?
O país vem fazendo avanços. Foram menores do que
gostaríamos, mas permitiram melhorias. Se olharmos para a última década, ela
não foi perdida. O problema, nos últimos anos, é que o padrão de crescimento do
país, muito baseado em expansão de consumo e de gastos públicos, se esgotou. No
cenário global, o mundo está se recuperando, mas, no caso brasileiro, isso
dependerá de um ajuste consistente.
A revisão da meta fiscal foi uma confissão de
incapacidade do governo federal?
Foi uma demonstração de realismo e da dificuldade de se
fazer o ajuste fiscal inicialmente pretendido. Um ajuste dessa dimensão tem
dois componentes. Um é econômico. Envolve a capacidade de identificar novas
fontes de receita e de conseguir ter o controle dos gastos. O outro é político.
Para executar o plano, o governo precisa do Congresso. A tarefa do ministro
Joaquim Levy é muito importante para o Brasil, mas também muito difícil.
Alguns economistas acreditam que o país só voltará a
crescer em 2017. Qual é a sua aposta?
O mercado tem projetado isso. É o mais provável que
aconteça.
E o Rio Grande do Sul, tem conserto?
É lógico que tem. Como gaúcho, tenho de acreditar nisso.
Mesmo estando quase seis anos fora, tenho família e amigos no Estado. Muito
provavelmente vou querer envelhecer lá. Tem conserto, mas é um conserto
difícil, que precisa de persistência, que não vai ser executado por um só
governo ou por um único governante. Vai precisar do envolvimento de toda a
sociedade.
O governador José Ivo Sartori chegou a comparar a crise
do Estado à da Grécia.
Tanto um quanto outro, durante muito tempo, gastaram mais
do que arrecadaram, e viram a dívida crescer mais rápido do que a expansão do
seu crescimento econômico. Ambos têm populações que vêm envelhecendo e
enfrentam problemas com aposentadorias. Junto desse fenômeno demográfico, há
uma perda recente de dinamismo econômico que faz com que haja não só migração
de capital físico, mas humano. Pessoas jovens, talentosas, estão procurando
oportunidades em outros lugares, o que representa uma perda de potencial de
crescimento lá na frente.
O caso do Rio Grande do Sul é mais grave?
Guardando as devidas proporções, há um agravante, sim.
Apesar de todas as dificuldades que enfrenta, a Grécia conta com o bloco dos
países do euro na mesa de negociação. São vários países ricos que têm interesse
na recuperação e que têm capacidade para ajudar, desde que a Grécia faça a sua
parte. No Rio Grande do Sul, infelizmente, isso não acontece. Na atual
conjuntura, o governo federal precisa fazer o ajuste fiscal e não tem
capacidade para auxiliar. Eu diria que o Rio Grande do Sul é a Grécia sem os
países ricos do euro para ajudar.
O que é pior: ser secretário da Fazenda no Rio Grande do
Sul ou ministro das Finanças na Grécia?
São dois cargos muito difíceis. Exigem não só capacidade
técnica, como capacidade de gestão política.
Na sexta-feira, o governo estadual confirmou o
parcelamento dos salários do funcionalismo, e a crise tende a piorar nos
próximos meses. Como o Estado chegou a essa situação?
É o resultado de décadas de gastos excessivos,
principalmente nos últimos anos, muito além da capacidade de arrecadação. O Rio
Grande do Sul viu a sua dívida crescer mais rápido do que a de outros Estados,
esgotou todas as fontes de financiamento e, mais recentemente, ampliou o
descompasso entre despesa e receita. Tudo isso em uma conjuntura muito difícil,
em que não pode contar com o governo federal. Nessas circunstâncias, o desfecho
era inevitável.
Por que o parcelamento de salários feito em 2007 não
gerou tantas críticas quanto agora?
É difícil dizer. Me aventuro a algumas hipóteses. A
primeira é que no atual ambiente de forte retração econômica as pessoas sintam
ainda mais o drama de não receber salários em dia. No caso de 2007, falamos
desde o início da campanha sobre o quadro dramático e dissemos que o foco dos
dois primeiros anos seria o ajuste fiscal. O funcionalismo não vinha com a
expectativa de que teria grandes aumentos como agora, que existem reajustes
escalonados até 2018. Nós dizíamos que o ajuste seria rápido e que voltaríamos
rapidamente a pagar em dia, inclusive o 13º. Em 2008, zerado o déficit, fizemos
isso. No final do ano, inclusive, antecipamos o pagamento do 13º, sem fazer
empréstimo no Banrisul.
O senhor foi o único secretário da Fazenda que, nos
últimos 15 anos, conseguiu tirar o Estado do vermelho, mas apenas por três
anos. No fim do governo Yeda Crusius (PSDB), o déficit voltou. O que deu
errado?
Entre 2007, 2008 e 2009, a duras penas, conseguimos
estabilizar receita e despesa. Apesar de todas as dificuldades políticas que
existiam no momento, foi possível atingir o déficit zero. Controlamos gastos,
contivemos o crescimento dos salários para poder pagá-los em dia sem
empréstimos, adotamos medidas de expansão de receita, mas, infelizmente, nós, e
eu me refiro à sociedade como um todo, não conseguimos criar mecanismos para
que esse ajuste provisório se tornasse permanente.
Que tipo de mecanismos?
Mecanismos como uma lei de responsabilidade fiscal
estadual, que, aliás, está voltando ao debate e que é muito relevante para o
futuro do Estado. Vou dar um exemplo. Quando foi feito o IPO (abertura de
capital) do Banrisul, em 2007, tínhamos atraso de folha e com fornecedores.
Entrou mais de R$ 1 bilhão em caixa. Naquele momento, a decisão foi de não usar
esse recurso extraordinário no gasto corrente e de criar um fundo para auxiliar
a transição a um novo modelo de previdência. Sugerimos que fosse aprovada uma
lei vedando o uso, justamente para não cair em tentação. Na época, até
brinquei. "Quero que a Assembleia me algeme para não cair em
tentação", disse. A lei foi aprovada. Só que, mais tarde, quando eu já não
estava mais lá, foi aprovada uma nova lei para desbloquear aqueles recursos.
E qual é a sua leitura disso?
Vejo nisso um problema cultural. É preciso que a
responsabilidade fiscal se torne um valor para a sociedade. Já atingimos essa
meta na sociedade brasileira em relação à inflação. As pessoas hoje enxergam
inflação baixa como um valor. Ninguém discute. Mas isso não é muito claro para
a questão do equilíbrio orçamentário. Existe uma visão de que isso significa
menos gasto com saúde, educação, salários menores. E é um erro, porque todo
déficit continuado no setor público vai significar, em algum momento, menos serviços
públicos, atraso de salários e/ou aumento de impostos. Não há mágica. A
sociedade precisa se dar conta disso.
Sem isso, a crise não terá solução?
A sociedade geralmente se mobiliza apenas em momentos de
estresse, quando há atrasos de salário, de repasses para hospitais e,
principalmente, aumento de impostos. Mas não tem capacidade de se mobilizar,
principalmente no Rio Grande do Sul, quando o descompasso do gasto com a
receita é criado. E, quando o déficit está instalado, não há o que fazer. Em algum
momento, vai estourar, como está acontecendo agora. E essa ideia de achar um
culpado e de achar que agora Sartori ou o secretário da Fazenda vão resolver o
problema é algo que a gente vai ter de superar.
O senhor se sente frustrado por não ter conseguido ir
além?
Me sinto feliz pela experiência, que foi de muita
dedicação e esforço. Consegui provar que é possível atingir o equilíbrio
orçamentário. Me sinto frustrado por não ter conseguido dar o segundo passo,
que era ter ajudado a convencer a sociedade de que precisávamos criar
mecanismos adicionais de controle para a preservação desses resultados.
A resistência foi maior dentro ou fora do governo?
Não foi uma resistência que eu tenha sofrido. Tínhamos um
ambiente político muito difícil. O que fica como lição é o seguinte: temos de
resolver esse problema financeiro para poder dedicar esforços para outras
iniciativas. Essa coisa do gaúcho, da cultura do Gre-Nal, do acirramento da
briga política, do tudo ou nada, esse negócio do bairrismo, do orgulho, em alguns
momentos é positivo, mas às vezes dificulta muito que se chegue a uma união
para resolver os problemas, e nós precisamos disso.
É preciso que o Rio Grande do Sul supere o bairrismo?
Em 2007, escrevi um artigo para ZH que, na época, gerou
bastante polêmica. O título era "Pela desargentinização do RS". A
Argentina, que no início do século passado era um dos países mais ricos do
mundo, foi lentamente se deteriorando, mas sempre preservava a ideia do orgulho
argentino, do orgulho pelo passado. Isso gerou uma dificuldade de encarar os
problemas e de dizer: "Nós não somos mais tão bons." O Rio Grande do
Sul precisa fazer isso. O nosso orgulho gaúcho tem de servir para a gente ter
força para resolver os problemas.
Os críticos do governo Yeda Crusius (PSDB) diziam que a
obsessão pelo déficit zero paralisou o Estado. Hoje você faria algo diferente?
Não. No início do governo Tarso Genro, o ex-governador
disse que a opção dele seria pelo (fim do) "déficit social" e não
pelo "déficit zero". Respeito a opinião, mas é uma falsa discussão.
Se fosse o secretário da Fazenda, retomaria a política do
déficit zero?
Prefiro não falar sobre isso. O atual governo está
enfrentando uma situação mais difícil hoje do que enfrentei em 2007. Déficit
maior, esgotamento maior das fontes de financiamento, economia em retração. E
acho que a resolução desse problema não vai ser feita só pelo governo. Vai ser
feita com muita negociação com a sociedade.
Ser secretário da Fazenda é um dos piores empregos do
mundo?
Sinceramente, gostei muito da experiência. Foi pesado e
difícil, com uma carga de trabalho e pressão incomparável, mas tive uma equipe
muito boa. A Secretaria da Fazenda tem técnicos de altíssimo nível.
Como foi o primeiro dia fora do governo?
Foi um mix de sensações. Por um lado, uma sensação de
dever cumprido por ter provado que era possível equilibrar as contas. Por outro
lado, uma sensação de alívio do ponto de vista pessoal, de poder dormir um
pouco mais tranquilo. E uma sensação, não diria de frustração, mas de que daria
para ter feito mais.
Como ficou a sua relação com a ex-governadora?
Pelo fato de ter saído do Rio Grande do Sul, eu realmente
perdi contato com ela. Nos encontramos uma ou outra vez no aeroporto. Tenho
gratidão a ela por ter me escolhido para comandar a secretaria, quando havia
muitas pressões por outras indicações. Ela efetivamente me deu respaldo para
executar um programa de ajuste fiscal.
Vou apontar as principais opções que têm aparecido como
saídas para o Rio Grande do Sul e gostaria que você dissesse se são viáveis.
Não vou fugir das perguntas, mas quero fazer uma
ressalva. O pior erro que podemos cometer é achar que uma ou outra medida vai
resolver o problema. O que precisamos é de um conjunto variado de medidas, pelo
lado da despesa e pelo lado da receita. E precisamos ser persistentes ao longo
do tempo e não só neste governo. Pode perguntar.
Então vamos lá: privatizar o que for possível.
No Brasil, temos a cultura de que o Estado pode tudo. No
final, ele não consegue entregar nem serviços básicos de qualidade. Então,
gradualmente, deveria, sim, reduzir a sua participação e se focar em prestar
bons serviços nas áreas essenciais.
Fechar a maior quantidade possível de órgãos estaduais
não vitais.
Vale a mesma avaliação anterior.
Eliminar os benefícios e estímulos fiscais.
Não estou acompanhando no detalhe e não tenho como
avaliar a atual relação entre custo e benefício. O incentivo fiscal é uma
demanda natural do setor privado, mas pode significar, às vezes, uma sangria
desnecessária de recursos públicos.
Cobrar a dívida ativa.
Isso já vem sendo feito e é claro que tem, sim, de haver
um esforço de melhoria, mas não será desse montante que virá a solução. Grande
parte do estoque é irrecuperável.
Renegociar a dívida com a União.
Evidentemente seria bom para o Estado, mas a redução do
percentual significativo de comprometimento da receita não está, no curto
prazo, no rol de medidas exequíveis e prováveis.
Reduzir o número de funcionários públicos.
Precisaria ter um mapeamento muito preciso de todas as
áreas para poder responder isso. Há áreas que precisam mais, como segurança, e
outras, provavelmente menos. É preciso olhar caso a caso.
Parar de contratar servidores.
Mesma resposta anterior.
Parar de reajustar salários públicos.
O Estado não tem capacidade de continuar concedendo reajustes
acima da receita. É uma injustiça com o próprio servidor, porque você cria uma
expectativa sobre algo que não poderá executar.
Acabar com regalias e benefícios do funcionalismo.
Existem benefícios que são justos para determinadas
funções públicas, mas há ainda um conjunto grande de distorções nos sistemas de
remuneração do setor público brasileiro, e o Estado não é exceção. O caso da
previdência me parece a maior das distorções. É uma reforma difícil. Um dia
terá de ser feita.
Reduzir repasses a outros poderes pelo Executivo.
Quando afirmo que toda a sociedade tem de participar do
esforço de ajustamento, é lógico que esse esforço tem de ser compartilhado
também pelos outros poderes. Não tenho condições de falar em redução, mas os
poderes têm de ser solidários.
Eliminar cargos de confiança e secretarias.
Sempre há a possibilidade de ser mais enxuto. O governo
Sartori já fez um esforço de redução de CCs, mas não vai ser isso que vai
resolver o déficit. Essa é apenas mais uma contribuição.
Ampliar o limite de uso dos depósitos judiciais.
Usamos os depósitos no primeiro ano de governo, em 2007.
Quando reequilibramos as contas, paramos e até devolvemos dinheiro. Em
situações emergenciais, pode ser uma alternativa, desde que se tenha claro que
é uma dívida que custa juros e que não é uma solução estrutural.
Aumentar ICMS.
Sempre deveríamos pensar em evitar o aumento, mas isso só
é crível quando a despesa cresce menos do que a receita. Não é o caso do Rio
Grande do Sul. Inevitavelmente, a carga tributária vai subir. Na atual
situação, com riscos de paralisações até na área da segurança pública,
infelizmente, essa não é uma opção. A pergunta que fica é: o que vamos fazer
agora para evitar mais aumentos de impostos lá na frente?
Ao deixar o governo, Aod cursou pós-doutorado na
Universidade Columbia, em Nova York, EUA.
Críticos do aumento de impostos argumentam que o governo
deveria reforçar o controle sobre a sonegação. O senhor concorda?
Sempre é possível melhorar os controles de combate à
sonegação, e os governos têm avançado nisso. Temos de continuar avançando, como
no caso da cobrança da dívida ativa. Mas repito: isoladamente, isso não vai
mudar o tamanho do déficit instalado.
Valeria correr o risco de suspender o pagamento da dívida
com a União?
Como macroeconomista e pensando no Brasil, sou contra. Do
ponto de vista prático, se a União cumprir o contrato e suspender repasses para
o Estado, o efeito final pode ser até negativo. O ideal seria os Estados, em
conjunto, negociarem com a União medidas de auxílio no momento que eles se
comprometerem com melhorias de reequilíbrio de suas contas.
Que conselho o senhor dá ao atual secretário
estadual da Fazenda?
Que
seja forte para resistir às pressões, que ouça bastante a área técnica, e pelo
que me consta ele tem feito isso, e que tenha persistência. Este é um governo
que tem legitimidade e capacidade política