A ilustração é escolha do editor. -
Três anos atrás, fui a Brasília receber a Ordem do Mérito
Cultural. Eram entre 30 e 40 agraciados de diversas regiões do país. Chegando
ao hotel, soube da programação: a entrega da comenda seria na manhã seguinte,
no Palácio do Planalto, e à tardinha haveria um coquetel no Palácio da
Alvorada. Fomos avisados de que cada um de nós teria um carro com motorista à
disposição enquanto estivéssemos na cidade.
O dia amanheceu. Enquanto me arrumava para a cerimônia,
fui até a sacada do quarto e vi uma fila de sedans pretos enfileirados na porta
do hotel. Desci até o lobby para juntar-me ao grupo. Então, em fila, fomos
conduzidos cada um para um carro, e saímos em comitiva, todos ao mesmo tempo,
para o mesmo local. Patético, pra dizer o mínimo.
Não estou depreciando a honraria concedida, da qual me
orgulho muito, mas óbvio que tinha algo errado ali, como sempre teve.
Na Suécia, deputados moram de segunda a sexta em
apartamentos funcionais de 40m2 com lavanderia comunitária. Não têm empregados.
Seus gabinetes de trabalho possuem 18m2, sem secretária, assessor ou carro com
motorista. O dinheiro do contribuinte não é usado para privilégios de qualquer
espécie. Além do bom uso do dinheiro público, essa postura é um seletor
natural: quem quer mordomia, que bata em outra vizinhança. Entra para a
política apenas aquele que deseja servir ao país, e não ser servido por ele.
O papa Francisco, dias atrás, circulou por Washington a
bordo de um automóvel compacto e popular, um gesto simples que ajudou a
redefinir o que é poder. Todos nós merecemos eficiência e conforto. Buscar mais
que isso não é crime, mas é uma necessidade supérflua. Moramos em apartamentos
mais espaçosos do que de fato precisamos, contratamos funcionários para fazer o
que poderíamos fazer nós mesmos e dirigimos veículos cuja potência a lei nem
permite testar (qual a vantagem de um carro ir de 0 a 100 km/h em cinco
segundos, a não ser que estejamos fugindo da polícia?).
Em nossa sociedade, a aparência reina. O bairro em que
você mora, a marca do seu jeans, o hotel em que você se hospeda: além do
benefício real (a qualidade) há o benefício agregado – o status. Tudo bem. Só
que status e poder não são a mesma coisa.
Status é ranking. Costuma ser valorizado por quem
verticaliza as relações. Não vejo problema em se proporcionar coisas belas,
saborosas, requintadas. Se são pagas com o próprio suor, é um direito
adquirido, mas não confere poder algum, apenas bem-estar privado.
O poder é horizontal. Poderoso é aquele que distribui,
compartilha, multiplica. Que produz ideias, arte, soluções, e as torna úteis e
benéficas para os outros. Que não passa a vida tentando preencher o próprio
vazio.
Não precisamos que nossas coisas falem por nós, a não ser
que nossos atos já não digam nada.