A jornalista Carolina Bahia, RBS, produziu a entrevista a seguir com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que é um velho conhecido dos gaúchos desde que durante algum tempo namorou a então deputada federal Manuela D'Ávila, que numa entrevista bem humorada na ocasião, acusou-o de ser pouco fiel.
Leia o que publicou o jornal Zero Hora de hoje:
Para a presidente Dilma, a Lava-Jato é um dos motivos da
queda do PIB. Com a operação chegando ao setor elétrico, a crise aumenta?
Há estudos econômicos que dizem isso. Mostram um reflexo
em investimentos, paralisações de contratos e outras situações por força da
investigação. Mas não creio em aumento da crise. Acho muito importante que
tenhamos uma diretriz de investigações, o país quer isso. Precisamos investigar
sempre que há indícios de ilegalidade. Ao mesmo tempo, temos de fazer de modo a
não trazer danos para a economia, para os empregos. Repito, isso deve ser feito
sem que a economia seja abalada.
A maneira com que a operação é conduzida prejudica a
economia?
As autoridades policiais conduzem, o Ministério Público
também, e devem fazê-lo com plena liberdade e autonomia.
O ministro da Justiça manda na Polícia Federal (PF)?
O ministro da Justiça é o superior hierárquico da Polícia
Federal. No que diz respeito às investigações, o ministro não interfere. As
investigações devem ser impessoais. Portanto, ao ministro da Justiça não cabe
dizer quem deve ser investigado, nem o que deve ser investigado. O ministro
deve verificar se uma investigação desborda da lei.
O senhor conseguiu convencer o PT? O partido tem cobrado
do senhor que não há controle sobre a PF.
Recebi uma manifestação de apoio da bancada dos deputados
do PT, dizendo que a minha conduta era correta. Mas é claro que você tem na
base governista ou na oposição pessoas que acham que isso não é possível. É
mais por desinformação do que por outra razão. Quando as pessoas da oposição
são investigadas, volta e meia me vejo sob acusação de que estou conduzindo a
PF para investigar desafetos. E quando tenho amigos ou aliados sendo
investigados, tenho a acusação de que não controlo a PF. As duas acusações são
absolutamente indevidas.
Assim como o PT, também o presidente da Câmara, Eduardo
Cunha (PMDB-RJ), cobrou uma posição do Planalto sobre as investigações. Houve
surpresa com relação a esse comportamento?
O importante é que as posições pessoais de dirigentes de
poder jamais devem influenciar a condução da instituição que presidem. Não
creio jamais que o presidente Eduardo Cunha, independentemente da compreensão
que ele tenha da realidade da investigação, vá agir na perspectiva de usar a
instituição que preside para retaliar o governo. Não creio que faça isso.
A pauta-bomba não é uma sinalização de que Cunha agirá
contra os interesses do governo?
Tenho absoluta convicção de que um presidente da Câmara
não buscará retaliar o governo.
Empresas com presidentes presos na Operação Lava-Jato
devem continuar mantendo contratos com o governo?
Isso não passa por uma posição pessoal, é a lei. Não se
confunde a capacidade de participar de licitações ou de manter contratos de uma
empresa com a situação penal de eventuais dirigentes, que até o momento não
foram condenados. Mesmo que um governante quisesse impedir que empresas cujos
dirigentes estão presos preventivamente pudessem participar de licitação, o
Judiciário seria o primeiro a dar uma reprimenda ao administrador público que
agiu dessa forma.
O senhor também acredita que o ideal para essas empresas
seria o acordo de leniência?
Seria o correto e é natural que a legislação seja
aplicada. O importante é punir as pessoas físicas que fizeram isso. A empresa,
tomadas as medidas cabíveis, continua com seus empregados, que não têm a ver
com isso, com o serviço à sociedade.
Foi adequada aquela reunião da presidente Dilma com o
presidente do STF, Ricardo Lewandowski, no meio dessa confusão da Lava-Jato?
Absolutamente adequada, são dois presidentes de poder.
Acho até curioso que não se perceba a normalidade de um encontro como esse.
Presidentes de poderes podem e devem se encontrar sempre. Eles conversaram
sobre o salário dos servidores do Judiciário.
Mas houve muito barulho.
Ultimamente, tenho sido cercado por barulhos bastante
curiosos. Recebo advogados no estrito cumprimento do meu dever, do direito dos
advogados, é barulho. Vou falar com o procurador-geral da República, é barulho.
Vou ao presidente do STF, é barulho. Não sei o que resta o ministro da Justiça
fazer. Atualmente, em uma fase como esta, especulações florescem sem
fundamento.
Um parecer do TCU, rejeitando as contas da presidente
Dilma, pode alimentar pedido de impeachment?
Não creio que o Tribunal de Contas irá rejeitar as contas
da presidente Dilma porque não há base jurídica para isso. A defesa apresentada
pelo governo é muito sólida. Se isso vier a acontecer, aí é uma questão que
vamos discutir, até porque discussões dessa natureza poderiam ser debatidas na
Justiça.
Qual a sua avaliação do risco de impeachment?
É especulativo. Não há nenhuma base jurídica para
impeachment. A presidente Dilma não está sendo sequer investigada por posição
do ministro Teori Zavascki (STF) e do procurador-geral da República. Em segundo
lugar, daquilo que se fala das chamadas pedaladas, a tese jurídica que levaria
a uma rejeição das contas não procede. Não houve ofensa à Lei de
Responsabilidade Fiscal, especialmente se você considerar que governos
anteriores fizeram o mesmo.
Mas os volumes agora são bem maiores.
Sem sombra de dúvida. Mas muda o crime de homicídio se
matar com uma facada ou com cem? Não. Ou há delito ou não há delito. Neste
caso, não há delito.
Baixa popularidade, economia em crise e um Congresso que
está sempre balançando. A presidente Dilma chega até 2018?
Não tenho a menor dúvida de que chega a 2018. Todos esses
fatos são situações de um momento. O governo está no rumo certo na área
econômica, defende as investigações, em nenhum momento o governo tentou obstar
aquilo que se coloca hoje a limpo no Brasil, não age arbitrariamente quando
defende que todos os acusados têm o direito ao contraditório e à ampla defesa
antes de serem punidos. Tudo isso mostra um governo democrático, que vive
momentos democráticos variáveis e que serão superados.
Como o militante petista José Eduardo Cardozo analisa a
crise de credibilidade do PT?
Também como uma coisa episódica. O partido tem de se
reciclar, aplicar algumas medidas, partir para um outro patamar. Confio na
progressão da vida como uma depuradora de problemas. Dessa crise sai coisa
melhor.
Que medidas são essas?
Como ministro, me sinto muito pouco à vontade para
participar de debates internos, coisa que sempre fiz.
O partido não tende a encolher nas próximas eleições
municipais?
Lembro-me que em 2005 (mensalão), quando se dizia que
parecia evidente que o presidente Lula não chegaria ao final do mandato, não só
ele terminou o mandato como foi reeleito e saiu ovacionado como um dos maiores
presidentes da nossa República. Lembro-me de um ilustre parlamentar que dizia:
"o PT acabou". E o presidente Lula foi reeleito.
É verdade que o senhor comentou com amigos que está de
"saco cheio"?
É absolutamente natural que em um ministério como esse, o
ministro se desgaste. É um ministério tenso. Costumo brincar que a única
inauguração de que participo como ministro é de penitenciária e que,
efetivamente, não é um símbolo de felicidade. Essa própria incompreensão do
papel democrático do ministro da Justiça em relação à PF ou em relação ao Cade
(Conselho Administrativo de Defesa Econômico). Então, é natural que ocorra
aquilo que chamamos de fadiga de material.
O governo é contra a redução da maioridade penal, mas
sofreu derrota na Câmara. Há como revertê-la?
Tenho uma posição radicalmente contra a maioridade penal
por diversas razões. A primeira delas é a de que a regra que estabelece a
imputabilidade penal até os 18 anos é cláusula pétrea da Constituição,
intocável. Não tenho a menor dúvida jurídica e acadêmica. Se isso for aprovado
pelo Congresso, o STF será chamado a se pronunciar. Além disso, todos os
estudos mundialmente conhecidos demonstram que quando se trata jovens como
adultos, a criminalidade aumenta, a violência aumenta, porque reduz a
possibilidade de inserção e de recuperação social.
Há possibilidade de reversão no Congresso?
Sim. E quem não estiver convencido pelas razões que
disse, há duas que acho que são inquestionáveis. A primeira é uma consequência
prática. Tenho déficit no sistema penitenciário hoje que chega a mais de 200
mil vagas. E, quando falo em 200 mil vagas, falo em superlotação das nossas
unidades prisionais. Tenho ainda mais de 400 mil mandados para serem cumpridos,
ou seja, preciso de mais de 600 mil vagas. É maior a minha necessidade do que
todo o sistema prisional brasileiro.
O cidadão brasileiro vive com uma sensação de
insegurança, de medo. O que fazer para reduzir essa sensação de impunidade?
No caso da redução da maioridade penal, como acabo com a
sensação de impunidade? Atacando as coisas certas. O governo tem apoiado a
proposta aprovada pelo Senado de modificação do Estatuto da Criança e do
Adolescente que tem duas perspectivas. A primeira delas é a elevação da pena
para o adulto que participa de crimes com os jovens. Segundo, o período máximo
de internação de um jovem que pratica um delito é de apenas três anos. O Senado
aprovou a elevação para 10 anos. Pessoalmente, preferíamos oito anos. Aos
governadores, apresentamos um pacto nacional de redução do número de homicídios,
uma ação conjugada para que possamos reduzir o nível de homicídios, reduzindo
impunidade, violência, atacando as causas como devem ser atacados.
No RS, um dos principais problemas é a falta de policiais
nas ruas. Como a União pode ajudar?
Esse é um problema de todos os Estados. Há problemas de
gestão na segurança pública: se gasta mal, se compra mal os equipamentos,
investe errado. Quando assumi o ministério, uma das coisas que me chamou a
atenção era a falta de informações sobre crimes. Como combato se não sei onde
os crimes acontecem? Criamos em 2012 um sistema de informações, o Sinesp, que
até o final de 2015 estará funcionando totalmente. Hoje já tenho informações em
um nível muito melhor. Preciso disso para combater a criminalidade.
Mesmo com o aumento da renda das classes mais baixas, a
criminalidade só aumentou. Por quê?
Essa foi uma das grandes surpresas pessoais que tive.
Sempre achei, e continuo achando, que uma das causas da criminalidade é a
exclusão social. A expectativa que se tinha é que, quando tivesse uma mudança
do patamar econômico, o crime cederia. No entanto, quando comparo o mapa da
criminalidade com a redistribuição de renda, percebe-se que em alguns lugares
onde houve forte redistribuição de renda, o crime cresceu. Se não fizer um
estudo detalhado das razões que geram o crime, não tenho como combatê-lo.
Qual o seu futuro político?
Vou ser candidato a voltar a ser professor e ser um bom
advogado. É o que quero fazer da minha vida. Enquanto não mudarmos o sistema
que gera corrupção, por meio de uma reforma, as pessoas não têm mais prazer em
ter vida política. Você se comporta com honestidade a sua vida inteira e, hoje,
quando está em um cargo público, é visto como se fosse um bandido. Mas o que é
isso?
Já foi cobrado publicamente?
Nunca aconteceu comigo, mas pode acontecer a qualquer
momento. É uma coisa perversa de repente você ser considerado um bandido até
que prove o contrário.