Gary Becker, professor da Universidade de Chicago, ganhou
o Prêmio Nobel em 1992 por demonstrar, ao longo de sua obra, que a Teoria
Econômica é, na verdade, uma Teoria da Escolha, prestando-se à análise de
qualquer tomada de decisão em qualquer área do conhecimento humano. Um de seus
excelentes artigos, Crime e castigo , mostra justamente que a opção pelo crime
depende de uma análise racional de custos e benefícios associados às atividades
delituosas.
Sintetizando a argumentação de Becker, indivíduos
dedicam-se tanto mais ao crime quanto menores são suas perspectivas de sucesso
em atividades lícitas e quanto maiores os benefícios líquidos esperados da
atividade ilícita. Estes benefícios líquidos, por sua vez, dependem dos ganhos
a serem extraídos do crime, do tamanho das penas e da probabilidade de
condenação. Desconfortos de ordem moral e a possibilidade de danos à imagem
seriam fatores a ser considerados do lado dos custos, porém insuficientes para,
sozinhos, determinar o comportamento de grande parte da população.
Outro brilhante professor, Milton Friedman, também
detentor do Prêmio Nobel de Economia, seguidamente nos chama a atenção, em seus
escritos e palestras, para a importância do “olho do dono” fiscalizando as
transações financeiras.
Segundo Friedman, a atividade governamental é
fundamentalmente ineficaz por arrecadar recursos de terceiros para o benefício
de terceiros, quando não para o benefício próprio de burocratas e políticos. As
transações nos mercados privados, por sua vez, seriam mais eficientes e
“limpas”, por serem observadas atentamente por quem tem o efetivo interesse nos
custos e nos benefícios dos negócios realizados.
Voltando à análise de Becker, para que a corrupção em
larga escala prospere ela precisa de um ambiente apropriado, gerador de
múltiplas perspectivas de ganhos para os criminosos. Segundo a sabedoria
popular, “a ocasião faz o ladrão”. Pois bem, quem faz esta ocasião é a massa
enorme de dinheiro descuidadamente administrada e movimentada a centenas de
quilômetros do cidadão contribuinte.
Infelizmente, em nosso país a ingerência estatal atinge
proporções descabidas. É verdade que em termos de intervenção indireta na
economia já vivemos dias piores. No governo Geisel, por exemplo, auge do
dirigismo econômico, quase todos os setores dispunham de órgãos próprios de
planejamento e controle e ao Estado, em cada caso, se atribuía o direito de
premiar ou punir empresas, segundo estivessem ou não enquadradas nas
prioridades do “planejamento estratégico”.
Em boa parte esta estrutura burocrática foi sendo
desmontada, mas em seu lugar evoluíram as despesas diretas dos governos,
sustentadas por expressiva elevação da carga tributária e do endividamento
público.
Hoje há menos dirigismo econômico e mais paternalismo
social; menos incentivos ou punições e maior distribuição de benesses ou
esmolas, sem que resultados substantivos apareçam na atenuação da pobreza; e
menos “planejadores”, categoria substituída por um número muito maior de agentes
sociais e policiais a lutar, em vão, contra os efeitos perversos de uma
economia há tempos estagnada pela própria ação do governo.
Neste nosso país, que alguns ainda têm o desplante de
chamar de neoliberal, se somarmos aos orçamentos públicos (cerca de 40% do PIB)
os orçamentos das empresas públicas (Petrobras, Correios, IRB, Furnas, etc.) e
das agências oficiais de crédito (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal,
BNDES, etc.), atingimos certamente valor muito superior à metade do PIB sob
domínio estatal.
A questão se agrava quando consideramos a estrutura
centralizada de arrecadação e dispêndio dos recursos públicos. Em total
desrespeito a princípios federativos, parcela substantiva dos impostos
arrecadados tem de passar por Brasília e só retorna às origens após vergonhosa
mendicância de governadores, prefeitos e políticos em geral.
Com os olhos distantes de tudo, a população não tem
condições de seguir os caminhos ou descaminhos desses recursos, nem de atribuir
e cobrar responsabilidades específicas de seus representantes.
É certo que uma boa reforma política e um combate ao
festival de nomeações para empregos públicos são fatores que podem contribuir
para reduzir a corrupção. Mas reformas políticas devem mirar o interesse do
eleitor, e não o de políticos já estabelecidos ou o de partidos.
Da mesma forma, a redução dos cargos de indicação
política deve ser balanceada para que não caiamos em outro tipo de problema
grave: a ditadura de uma burocracia permanente que não pode ter seus
interesses, muitas vezes estatizantes e corporativistas, colocados acima da
vontade da população votante.
Não deveríamos ficar surpreendidos com a sucessão de
fatos que nos expõem aspectos tão negativos da natureza humana. Contra estes
aspectos estaremos sempre indefesos enquanto o governo for pesado e gorduroso;
enquanto as regras do jogo forem complexas e arbitradas discricionariamente;
enquanto não forem respeitados princípios federativos que recomendam que a ação
estatal, principalmente a de caráter social, deve ser exercida tão perto quanto
possível do público-alvo e do cidadão contribuinte; enquanto for conferido a
burocratas o poder de vida ou morte sobre empresas; e, finalmente, enquanto a
morosidade do aparato policial e judiciário permitir impunidade em larga
escala.
Estejamos certos de que a corrupção, não obstante o valor
dos princípios morais, é função precípua do tamanho e da organização do Estado.
Para que a combatamos com êxito temos de ir a suas raízes profundas: o monstro
estatal obeso e burocratizado.
Rubem de Freitas Novaes, economista (UFRJ) com doutorado
na Universidade de Chicago, foi presidente do Sebrae e diretor do BNDES.
E-mail: rfnovaes@uol.com.br