CLIQUE AQUI para ler toda a entrevista publicada pela Folha de S. Paulo de hoje, segunda-feira - "Tempestade política perfeita" é como o
cientista político Marcus Melo, professor da Universidade Federal de
Pernambuco, define o atual momento para o governo Dilma Rousseff (PT).
Os ingredientes são políticas de austeridade que devem
gerar desemprego, os grandes escândalos envolvendo o PT e, daqui para frente,
manifestações de rua.
"Estamos falando de um enfraquecimento do Poder
Executivo como nunca se viu no Brasil", afirma. Melo também é co-autor de
livro sobre o multipartidarismo no Brasil e seu funcionamento no sistema
presidencialista.
Leia trechos da entrevista.
Folha - Temos um cenário de inflação elevada e a
iminência de um retrocesso econômico importante, com um grande descontentamento
popular com o governo Dilma, agora cercado de casos de corrupção. Como o sr. vê
o impacto disso na governabilidade?
Marcus Melo - O cenário é esse mesmo. De tendência
progressiva de desgaste ainda maior, pois os efeitos mais importantes desta
crise ainda estão por vir. Os aumentos nas tarifas vão se manifestar na prática
apenas nos próximos meses, assim como o efeito no bolso do aumento da taxa de
juros.
Mas o mais importante é a área do emprego, onde ainda
temos um paradoxo. Ainda é comum as pessoas repetirem que o desemprego é baixo.
Mas o que se espera é que a partir de meados do ano esse único indicador
positivo entre em parafuso. Pela escala dos problemas, principalmente fiscal, é
possível esperar uma reversão somente a partir de 2017.
O PT e a presidente estão identificados com o atual cenário
de deterioração econômica e escândalos de corrupção. Qual o desdobramento
disso, com a expectativa de piora nos dois campos?
Essa conjunção de economia em queda e escândalo é
explosiva. E há três elementos fundamentais em curso: políticas de austeridade,
as pessoas indignadas com escândalos e um possível desdobramento disso nas
ruas, como nas manifestações pró impeachment marcadas para o próximo dia 15
pelo país.
No caso de Dilma, isso deve se manifestar de forma muito
intensa. Vai haver um descontentamento difuso colossal, mas sem um espaço
institucional, as eleições, para a demonstração desse descontentamento. Mas
existem as ruas. Haverá manifestações, e se elas podem ou não levar ao
impeachment, isso vai depender de surgir evidências mais duras de implicação
pessoal da presidente nos escândalos. Devem ocorrer manifestações das mais
diversas. E a opinião pública será fundamental para dar respaldo e suporte ao
Judiciário nessa tarefa de investigação que está em curso.
Como assim?
Não é apenas o envolvimento de atores políticos muito
poderosos o que está em jogo, mas também de uma parcela importante da elite
econômica brasileira, com implicações macroeconômicas brutais. Só o setor de
óleo e gás representa cerca de 13% do PIB, e algo entre 10% a 15% dos investimentos
totais do país. A escala do problema é um desafio muito importante para o
Judiciário, e a opinião pública poderá estar ancorando esse trabalho.
Como o sr. vê os desdobramentos políticos disso?
É um cenário de tempestade política perfeita, com políticas
de austeridade ceifando empregos, escândalos enormes e gente na rua. Em cima disso, agora o governo perdeu o controle político
das duas casas no Congresso, na Câmara e no Senado. O partido de sustentação do
governo, o PMDB, agora é quase um adversário. Para construir maiorias estáveis, os presidentes têm de
alocar ministérios aos seus parceiros da coalizão e atender interesses
parlamentares individuais, frequentemente corruptos, mas democráticos, por meio
de emendas. Isso é moeda de troca. O terceiro elemento são cargos na
burocracia, dividindo o governo. Esses três elementos garantiram estabilidade
ao governo FHC (1995-2002).
Já o governo Lula (2003-2010) tinha 25% das cadeiras da
coalização e 60% dos ministérios. Essa proporção no governo FHC era de 25% dos
assentos e só 25% dos ministérios. Obviamente, o governo do PT teve de
compensar essa não partilha de poder de forma heterodoxa, e o mensalão foi nada
mais nada menos do que isso. Uma transferência de recursos a parlamentares mais
ideologicamente afastados do governo.
O governo Dilma seguiu o mesmo padrão, certo?
Sim, Dilma continuou com essa prática, que é monopolista.
Mas isso chegou ao extremo no caso da presidente, pois individualmente ela
também não opera a sua coalizão. E tem dificuldades em partilhar e delegar
decisões. E o governo estimulou a criação de novos partidos, fragmentando ainda
mais o sistema partidário. O objetivo de tentar substituir o PMDB como
sustentáculo deu com os burros n'água, pois o PMDB é muito mais disciplinado.
Na situação atual, o governo Dilma não tem mais o poder
de agenda. Não controla Câmara e Senado e, com o orçamento impositivo, perdeu
também uma importante moeda de troca que tinha com os parlamentares. Isso tudo
mina muito do poder presidencial. Some-se a isso um nível histórico de
popularidade em baixa. Estamos falando de um enfraquecimento do Poder Executivo
como nunca ocorreu no Brasil.
Isso com menos de dois meses do início do segundo
mandato.
Exato, e o que preocupa é que o PMDB agora tem muito
poder de agenda, mas ele não internaliza para si os custos de um desequilíbrio
fiscal, por exemplo. O cidadão comum não sabe nem que é Eduardo Cunha (PMDB-RJ,
presidente da Câmara). A individualização da responsabilidade política na
cultura brasileira é do presidente.
O PMDB é um ator que não acabará sendo responsabilizado.
E, do ponto de vista fiscal, isso é importante. O partido pode simplesmente
agora não aprovar nenhuma das medidas provisórias do ministro Joaquim Levy
(Fazenda). O que o PMDB perde com isso, se for instaurado o caos fiscal? Ele
perde um pouco, pois é parceiro, mas quem perde mesmo é a presidente da
República e o seu partido.
O ajuste está ameaçado?
O risco agora é esse problema fiscal não ser considerado
pelos deputados. Isso deixa a presidente da República completamente refém de
lideranças que não podem ser responsabilizadas politicamente, e que não têm
incentivo para se comportar de maneira disciplinada, a despeito do custo que
isso trará para o país como um todo.
Do ponto de vista da política econômica, creio que essa
seja a maior preocupação. Temos uma presidente da República, que é quem
fundamentalmente está interessada no ajuste, refém desse Congresso dominado por
outras forças políticas que não serão necessariamente responsabilizadas se o ajuste
não for feito. A culpa recairá sobre a presidente.
Por outro lado, não existe a menor hipótese de acontecer
qualquer tipo de reforma macro ou microeconômica. Haverá simplesmente a gestão
da austeridade, algo politicamente conturbado.
Esta é uma recessão que veio para ficar, em um cenário de
muita insatisfação. Nesse contexto, Dilma pode abdicar de seu poder
presidencial. Pendura as chuteiras e faz uma política econômica de ajustes aqui
e ali, se mantendo em uma espécie de pântano.
*
RAIO-X
NOME: Marcus André Melo
FORMAÇÃO: Ciencias Sociais
TRAJETÓRIA: PhD pela Universidade de Sussex (Reino
Unido), é professor da UFPE. Foi Fulbright Scholar no Centro de Estudos
Internacionais do MIT (1992-1993) e professor visitante na Universidade de
Yale. Lança neste ano "Leadership and Critical Transitions, Brazil
1960-2012"