A aristocracia petista vive o seu pior momento. E Lula
não vai sair do poder sem antes usar de todas as armas, legais ou não
Em 2015, em meio a muita tensão política, a Constituição
de 1988 terá sua prova de fogo. Não há qualquer paralelo com o episódio do
impeachment de Fernando Collor. Este já tinha percorrido mais de dois anos de
mandato quando foi apeado do poder. E o momento mais agônico da crise foi
resolvido em quatro meses — entre julho e outubro de 1992. Também deve ser
recordado que o então presidente tinha um arremedo de partido político, sua
conexão com a sociedade civil era frágil — e quase nula com os setores
organizados, a relação com o Congresso Nacional era ruim, e com medidas
heterodoxas descontentou amplos setores, do empresariado ao funcionalismo
público. Sem contar que, em 1990, o país passou por uma severa recessão (-4,3%)
e tudo indicava — como efetivamente ocorreu — que, em 1992, teria uma nova
recessão.
O quadro atual é distinto — e causa muito mais preocupação.
O governo tem um sólido partido de sustentação — que está em crise, é verdade,
mas que consegue agir coletivamente e tem presença dominante em governos
estaduais e dezenas de prefeituras. A base congressual é volátil mas,
aparentemente, ainda responde ao Palácio do Planalto. As divergências com o
sócio principal do condomínio petista, o PMDB, são crescentes mas estão longe
do rompimento. Em 12 anos, o governo construiu — usando e abusando dos recursos
públicos — uma estrutura de apoio social. E, diferentemente de Collor, Lula
estabeleceu uma sólida relação com frações do grande capital — a “burguesia
petista” — que é hoje dependente do governo.
O país está vivendo um impasse. O governo perdeu
legitimidade logo ao nascer. Dilma não tem condições de governar, não tem
respeitabilidade, não tem a confiança dos investidores, dos empresários e da
elite política. E, principalmente, não tem mais apoio dos brasileiros
horrorizados com as denúncias de corrupção e a inépcia governamental em
enfrentá-las, além do agravamento dos problemas econômicos, em especial da
inflação.
Deve ser reconhecido que Fernando Collor aceitou o cerco
político que sofreu sem utilizar da máquina de Estado para coagir os
adversários. E foi apeado legalmente da Presidência sem nenhum gesto fora dos
limites da Constituição. Mas o mesmo não ocorrerá com Dilma. Na verdade, não
com Dilma. Ela é um nada, é uma simples criatura, é um acidente da História. O
embate vai ser travado com Lula, o seu criador, mentor e quem, neste momento,
assumiu as rédeas da coordenação política do governo.
Foi Lula que venceu a eleição presidencial de 2014. E
agora espera repetir a dose. Mas a conjuntura é distinta. As denúncias do
petrolão e a piora na situação econômica não permitem mais meros jogos de cena.
O momento do marketing eleitoral já passou. E Lula vai agir como sempre fez,
sem nenhum princípio, sem ética, sem respeito a ordem e a coisa públicas. O
discurso que fez no Rio de Janeiro no dia 24 de fevereiro é apenas o início.
Ele — um ex-presidente da República — incitou à desordem, ameaçou opositores e
conclamou o MST a agir como um exército, ou seja, partir para o enfrentamento
armado contra os adversários do projeto criminoso de poder, tão bem definido
pelo ministro Celso de Mello, do STF.
Lula está desesperado. Sabe que a aristocracia petista
vive o seu pior momento. E não vai sair do poder sem antes usar de todas as
armas, legais ou não. Como um excelente leitor de conjuntura — e ele o é — sabe
que os velhos truques utilizados na crise do mensalão já não dão resultado. E
pouco resta para fazer — dentro da sua perspectiva. Notou que, apesar de
dezenas de partidos e entidades terem convocado o ato público do dia 24, o
comparecimento foi pífio, inexpressivo. O clima no auditório da ABI estava mais
para velório do que para um comício nos moldes tradicionais do petismo. Nos
contatos mantidos em Brasília, sentiu que a recomposição do bloco
político-empresarial que montou no início de 2006 — e que foi decisivo para a
sua reeleição – é impossível.
A estratégia lulista para se manter a todo custo no poder
é de buscar o confronto, de dividir o país, jogar classe contra classe, região
contra região, partido contra partido, brasileiro contra brasileiro. Mesmo que
isso custe cadáveres. Para Lula, pouco importa que a crise política
intensifique ainda mais a crise econômica e seus perversos efeitos sociais. A
possibilidade de ele liderar um processo de radicalização política com
conflitos de rua, greves, choques, ataques ao patrimônio público e privado,
ameaças e agressões a opositores é muito grande. Especialmente porque não
encontra no governo e no partido lideranças com capacidade de exercer este
papel.
O Brasil caminha para uma grave crise institucional, sem
qualquer paralelo na nossa história. Dilma é uma presidente zumbi, Por incrível
que pareça, apesar dos 54 milhões de votos recebidos a pouco mais de quatro
meses, é uma espectadora de tudo o que está ocorrendo. Na área econômica tenta
consertar estragos que produziu no seu primeiro mandato, sem que tenha resultados
a apresentar no curto prazo. A corrupção escorre por todas as áreas do governo.
Politicamente, é um fantoche. Serve a Lula fielmente, pois sequer tem condições
de traí-lo. Nada faria sozinha.
Assistiremos à lenta agonia do petismo. O custo será
alto. É agora que efetivamente testaremos se funciona o Estado Democrático de
Direito. É agora que veremos se existe uma oposição parlamentar. É agora que
devemos ocupar as ruas. É agora que teremos de enfrentar definitivamente o
dilema: ou o Brasil acaba politicamente com o petismo, ou o petismo destrói o
Brasil.
Marco Antonio Villa é historiador