Em 12 de julho de 1994,
7 dias depois do parto do Plano Real, um conhecido economista publicou
na Folha de S. Paulo um artigo sobre o recém-nascido. Teria vida breve,
garantiu o autor. Mas provocaria um desastre de tal porte que o Brasil
demoraria algumas décadas para sair da UTI.
Vale a pena ler a
análise feita pelo Economist, cujo nome vai o final deste texto.
AS FANTASIAS DO REAL
Diga-se o que quiser do Plano Real, pelo menos num
aspecto ele foi bem sucedido. Conseguiu excitar a imaginação popular e passar a
impressão de algo novo e diferente dos planos anteriores.
Os arquitetos do real não pouparam sua imaginação para
lançar velhas ideias com aparência de novas, como o Comitê da Moeda, Banco
Central independente, ou a dolarização com conversibilidade, mesmo que nada
disso tenha sido utilizado.Chegaram ao ponto de reinventar os reis ou reais, uma
nova moeda fantasiada do dólar e garantida por um lastro que não exerce nenhum
papel prático, uma vez que o real não é conversível, a não ser o de dar a
impressão de que o real vale tanto quanto a moeda norte-americana.
E todo esse barulho para quê? Para vestir com roupagens
sofisticadas e muitos truques de ilusão, mais um ajuste tradicional, calcado no
corte de gastos sociais, numa contração dos salários, num congelamento do
câmbio e outros ativos e, sobretudo, num forte aperto monetário com taxas de
juros estratosféricas.
A parte mais imaginativa do plano, que foi a
superindexação da economia pela URV, revelou-se a mais perversa, porque passou
a ideia de que os salários estavam sendo perfeitamente indexados e resguardados
da inflação. Quando, na verdade, foram colocados em desvantagem na conversão
para a URV em relação a preços, tarifas e vários outros custos e ainda perderam
os reajustes automáticos que a lei salarial lhes garantia.De primeiro de julho em diante os salários serão pagos em
real, que tem a aparência de ser uma moeda indexada, como se tivesse herdado as
virtudes da URV, porém é uma moeda desindexada e totalmente vulnerável a
corrosão inflacionária do real.A regra de conversão dos salários pela média e dos
preços, tarifas e outros custos pelo pico, matou dois coelhos de uma só
cajadada. Reduziu preventivamente a demanda dos assalariados, que poderia
aumentar com a queda brusca da inflação e comprimiu os custos salariais, dando
uma folga para os preços.Com esses artifícios, os preços têm chance de apresentar
alguma estabilidade por algum tempo, porque desfrutarão de um conjunto de
custos estáveis, como salários, tarifas, matérias-primas importadas, aluguéis e
tudo o mais que foi congelado por até 12 meses, sem a aparência de estar
congelado.E aqui também a ilusão funcionou, porque vendeu-se a
ideia de que o plano não utilizou o congelamento, quando, na verdade, congelou
o câmbio, tarifas, aluguéis e contratos. Só não congelou mesmo os preços e
deixou os salários no limbo de um semicongelamento, com o ônus de correr atrás
do prejuízo que será causado pela inflação do real.Portanto, mais do que um plano eficiente e bem concebido,
o real é um jogo de aparências, que pode durar enquanto não ficar evidente que
as contas do governo não vão fechar por causa dos juros altos, que o mercado
sozinho não é capaz de conter os preços dos oligopólios sem uma coordenação das
expectativas por parte do governo, que os salários não manterão o poder
aquisitivo por muito tempo, que o real não vale tanto quanto o dólar.Mas não se deve subestimar a eficiência das aparências e
dos jogos de prestidigitação nas artimanhas eleitorais. As remarcações
preventivas dos preços, junto com os congelamentos, permitirão uma inflação
moderada em julho e, talvez, uma ainda menor em agosto, numa repetição da
trajetória dos preços por ocasião da implantação da URV, que subiram muito em
fevereiro, na véspera da fase dois, elevando os índices de inflação de março, e
depois caíram em abril e só voltaram a subir em maio e junho.A questão é saber em quanto tempo o grosso da população
irá perceber que uma inflação moderada por si só, acompanhada por um aperto
monetário e recessão, não melhora sua situação, não cria empregos e, na
ausência de uma lei salarial e correções automáticas, pode ser tão deletéria
quanto uma inflação de 30% a 40% com indexação.
- O texto foi
escrito por ninguém menos que GUIDO MANTEGA.Passados 18 anos,
o autor não pediu desculpas pelo que
escreveu, não se declarou envergonhado com o papel de Cassandra nem pediu
perdão aos leitores que tentou iludir. Agora Dilma e seu
Ministro estão assustados com as sombras no horizonte.
O que será do
Brasil se o Governo resolver enfrentar o perigo com um "Plano
Mantega"?