Nesta reportragem a seguir de Cleidi Pereira, o jornal Zero Hora de ontem descreve a situação complicadísxzsima que experimentam oito dos dez principais Estados do Brasil. O RS, como se percebe no gráfico disponibilizado pelo jornal e conforme esta reportagem, é o que enfrenta o maior nível de endividamento.
Samta Catarina e Bahia escapam da geléias geral.
Na última década, os Estados brasileiros reduziram o seu
nível de endividamento. A relação entre dívida e receita caiu, em média, de
153% em 2005 para 107% no ano passado, conforme a Secretaria do Tesouro
Nacional. Apesar da melhoria generalizada nesse quesito, a maioria deles
enfrenta sérias dificuldades financeiras. Das 10 principais economias do país,
apenas Bahia e Santa Catarina têm sido menos afetadas pela crise. A sua
maneira, cada um dos outros oito busca alternativas para a gestão do caixa.
A atual conjuntura de retração, com a consequente queda
na arrecadação, levou muitos governadores a anunciar, logo no início do
mandato, em janeiro, cortes em custeio e investimento, além de redução de cargos
e secretarias. Mas as medidas não foram suficientes, e alguns Estados tiveram
inclusive que parcelar o salário do funcionalismo. Além do Rio Grande do Sul,
Goiás e Distrito Federal dividiram os pagamentos do mês em datas distintas,
desencadeando paralisações e batalhas jurídicas desde o início do ano.
Estados mais endividados, Rio Grande do Sul, Minas Gerais
e Rio de Janeiro são, nessa mesma ordem, os que mais comprometem suas receitas
com despesas relacionadas à previdência. Os servidores gaúchos, no entanto, são
os únicos que ainda não têm regime de previdência complementar. Na sexta-feira
passada, o governador José Ivo Sartori encaminhou projeto para a Assembleia
prevendo a adoção do sistema, já instituído pela União e em pelo menos sete
Estados (incluindo São Paulo, Espírito Santo, Ceará, Pernambuco e Rondônia).
Professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB) e
especialista em orçamento público, José Carlos de Oliveira avalia que a crise
dos governos estaduais é reflexo de um conjunto de fatores, como economia
estagnada, a qual reduz a arrecadação, gasto público crescente e endividamento
histórico. Um dos principais problemas, segundo ele, é que a despesa com a
máquina é "extremamente alta e crescente, a um ritmo inclusive maior do
que o da economia". Reformas estruturais e redução no número de cargos
comissionados e nas verbas de publicidade são algumas das medidas consideradas
prioritárias pelo professor, que considera "irresponsável parcelar
salários":
– A solução passa, não estou dizendo que se esgota, pelo
aperto de cinto, que tem de ser seletivo. Não devo prejudicar quem trabalha,
quem produz e quem é eficiente, e muito menos prejudicar a qualidade do serviço
público que ofereço. O resto, posso sacrificar.
Confira os primeiros efeitos do ajuste fiscal de Sartori
Para o auditor fiscal João Pedro Casarotto, da Federação
Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), a
dívida com a União é o principal entrave para o desenvolvimento dos Estados,
pois causa "uma sangria grande de recursos, que impede os governos de
fazerem alguns investimentos". De acordo com ele, a Lei de Renegociação da
Dívida, aprovada no ano passado, irá apenas "empurrar o problema com a
barriga" e abrir espaço fiscal para novos empréstimos.
A alteração na base de cálculo das dívidas foi
sancionada, mas ainda não foi aplicada porque, segundo o governo federal,
dependeria de regulamentação, argumento que vem sendo contestado judicialmente.
As prefeituras do Rio de Janeiro e de São Paulo obtiveram liminares para que
seus passivos sejam pagos com base nos novos índices.
A mesma estratégia, diz Casarotto, poderia ser adotada
pelos Estados.
Rio Grande do Sul
Com déficit de R$ 5,4 bilhões previsto para 2015, o
governador José Ivo Sartori (PMDB) tomou posse anunciando uma série de cortes,
como diárias e passagens, congelamento de concursos públicos e nomeações e a
suspensão do pagamento de fornecedores. Em março, publicou decreto
contingenciando R$ 1 bilhão do orçamento. Nos dois últimos meses, também enviou
dois pacotes para a Assembleia, que chamou de segunda e terceira fase do ajuste
fiscal. Alterações na concessão de licença-prêmio e criação da previdência
complementar são algumas das medidas, que ainda não foram analisadas.
Goiás
Reeleito, o governador Marconi Perillo (PSDB) publicou
decreto, em novembro, prevendo a extinção de seis secretarias e a demissão de
16 mil funcionários comissionados e temporários até o final de 2015, com a meta
de economizar R$ 300 milhões/ano. Em abril, o governo anunciou o parcelamento
dos salários dos servidores – medida que se estendeu até julho e chegou a ser
alvo de ação do Ministério Público, mas a Justiça entendeu que a ação não
violava a lei. Contra o parcelamento, professores e servidores da educação
paralisaram suas atividades por 50 dias. A greve terminou no último dia 3.
Minas Gerais
O Estado deve fechar o ano com déficit de R$ 7,2 bilhões,
e, diante desse cenário, o governo descartou a possibilidade de reajuste
salarial para os servidores. No balanço de 90 dias de mandato, o governador
Fernando Pimentel (PT) – eleito após 12 anos de gestão tucana – apresentou
diagnóstico mostrando que existiam 497 obras paradas, déficit de R$ 1,5 bilhão
na saúde e sucateamento das polícias Militar e Civil. Nos quatro primeiros
meses, Minas reduziu em 97% os investimentos, em comparação com o mesmo período
de 2014. Auditoria na folha e corte de CCs foram algumas das medidas adotadas.
Paraná
Em dezembro, a Assembleia aprovou o projeto de tarifaço do
governador reeleito Beto Richa (PSDB). A proposta aumentou o ICMS de diversos
produtos e elevou em 40% a alíquota do IPVA. Após contingenciar R$ 11 bilhões
do orçamento, o governo conseguiu aprovar – mesmo sob protestos – um conjunto
de medidas de ajuste fiscal, incluindo mudanças na previdência dos servidores.
Na ocasião, a polícia reprimiu a manifestação de professores e mais de 200
ficaram feridos. A categoria, em greve desde 9 de fevereiro, retomou as
atividades em junho, após proposta de reajuste de 3,45%.
Pernambuco
Um mês após tomar posse, o governador Paulo Câmara (PSB)
anunciou o Plano de Contingenciamento de Gastos para economizar R$ 320 milhões
este ano. Para enfrentar o déficit de R$ 2,1 bilhões em 2014, o decreto
estabeleceu medidas como suspensão no aditamento de contratos e cortes em
diárias, consultorias, publicidade e manutenção de frota. O governo decidiu
adiantar, para o dia 27 de julho, 50% do pagamento do 13º salário dos
servidores, com o objetivo de "evitar o aprofundamento dos efeitos da
crise nacional". A previsão era injetar R$ 350 milhões na economia do
Estado.
Rio de Janeiro
O governo fluminense encerrou 2014 com um rombo de R$ 7,3
bilhões, o maior déficit entre os Estados. Para equilibrar as contas, o
governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) determinou corte de R$ 4 bilhões em
gastos com custeio e pessoal. O governador teve de pedir R$ 6 bilhões ao
Tribunal de Justiça para conseguir pagar inativos e aposentados, e o empréstimo
– oriundo do Fundo de Depósito Judicial – foi aprovado pela Assembleia no final
de março. A um ano de o Rio sediar os Jogos Olímpicos, o governo tem obras
importante a concluir, como a construção de uma nova linha de metrô.
São Paulo
Governador reeleito, Geraldo Alckmin (PSDB) anunciou, no
segundo dia do novo mandato, um contingenciamento de 10% no orçamento de 2015,
percentual que corresponde a aproximadamente R$ 6,6 bilhões das despesas
previstas para o ano. O tucano ainda determinou redução de 15% nos cargos
comissionados e de 10% dos gastos com custeio em todas as secretarias. Devido à
queda de arrecadação, o governo reduziu em 37,5% o volume de investimentos no
primeiro quadrimestre do ano, em comparação com o mesmo período de 2014. A
queda foi de R$ 4 bilhões para R$ 2,5 bilhões.
Distrito Federal
Duas semanas após assumir o governo com rombo de R$ 3
bilhões, o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) anunciou que o salário dos
servidores acima de R$ 9 mil seria parcelado em até quatro vezes, conforme a
faixa salarial. O escalonamento, que ocorreu apenas em fevereiro, atingiu 30%
da folha. Em janeiro, devido ao desabastecimento de medicamentos e materiais,
greve dos médicos e fechamento dos leitos da UTI, o governo decretou situação
de emergência na saúde por 180 dias. Entre as medidas estudadas para recuperar
o caixa, estão venda de ações de estatais e mudança na previdência.
As receitas de sucesso de Bahia e Santa Catarina
Na contramão do cenário de recessão no país, Bahia e
Santa Catarina projetam crescimento de suas economias em 2015. O Produto
Interno Bruto (PIB) dos Estados deverá aumentar, respectivamente, 0,6% e 1,5%,
conforme dados das secretarias da Fazenda. Das 10 principais economias
brasileiras, as duas unidades federativas têm sido as menos afetadas pelo crise
econômica.
Um dos pontos em comum é que ambos fazem parte do grupo
dos menos endividados e dos que mais reduziram a relação entre dívida e receita
na última década. Em 2005, o passivo da Bahia correspondia a 117% da
arrecadação, percentual que caiu para 40% no ano passado. Santa Catarina
reduziu esse índice de 119% para 45%.
Para José Carlos de Oliveira, professor de Economia da
Universidade de Brasília, Bahia e Santa Catarina "fizeram o dever de
casa" após a primeira renegociação de dívidas com o governo federal, no
final da década de 90. Os dois governos, lembra Oliveira, privatizaram seus
bancos, o Baneb e o Besc:
– Além do nível de responsabilidade fiscal, fatores
econômicos ajudaram. Nos últimos anos, os dois Estados atraíram atividades e
indústrias para seus territórios.
De acordo com a Secretaria do Planejamento da Bahia, os
vetores que sustentam a perspectiva de crescimento da economia local são
incremento de renda da população e investimentos em ferrovias, portos e
aeroportos. Também terão impacto empreendimentos privados como a implantação do
novo complexo acrílico da empresa alemã Basf, no polo petroquímico de Camaçari.
Além disso, por dois anos consecutivos, a Bahia foi o
Estado que captou o maior volume de recursos federais por meio de convênios com
consórcios públicos, uma modalidade de associação entre entes federativos. No
ano passado, foram R$ 88,7 milhões. Segundo informações da secretaria, do total
de repasses feitos pelo governo federal em 2014 (R$ 111,18 milhões), o governo
baiano ficou com quase 80%. Depois de dois mandatos de Jaques Wagner (PT), o
atual governador é o petista Rui Costa.
Secretário da Fazenda de Santa Catarina pela terceira
vez, Antonio Gavazzoni avalia que as economias dos três Estados do Sul são
semelhantes (fundadas no agronegócio, mas com certa diversificação) e que a
principal diferença é o cenário de disciplina fiscal. Ou seja: em SC, as despesas
cabem dentro da receita. Conforme o secretário, o fato de os governos gaúcho e
paranaense estarem "lutando para combater o desequilíbrio fiscal"
ajuda Santa Catarina.
– Nesse cenário, no Sul do Brasil, acabamos levando uma
certa vantagem. No passado, foi o inverso. Santa Catarina hoje é um destino de
investimento muito seguro. Aqui, não se fala em aumento de tributos, não se
descumprem obrigações, então, isso gera certa segurança jurídica – afirma o
secretário, destacando que serão investidos R$ 3 bilhões em obras públicas
neste ano.
Resolver o déficit da previdência é desafio
Desde 2011, quando o atual governador Raimundo Colombo
assumiu (eleito com o apoio do antecessor), o governo vem realizando reformas
administrativas para dar eficiência à máquina. Uma análise da estrutura das 13
empresas públicas possibilitou a redução de um terço da força de trabalho e
economia de R$ 300 milhões. Mas estudo também identificou que, em alguns casos,
era preciso contratar mais servidores.
Com déficit anual de R$ 3 bilhões na previdência, Santa
Catarina estuda a implantação de um regime complementar, a exemplo da União.
Conforme Gavazzoni, a aposentadoria é o "grande calcanhar de aquiles"
de todas as unidades federativas. São 80 mil servidores ativos e 60 mil aposentados
em SC.
– Os Estados, ao longo de sua história, não cobraram
efetivamente a parte dos servidores e não guardaram a parte patronal. Vamos ter
de conviver com esse problema – diz.