Para o juiz Sérgio Moro, seria "lamentável" se
os ministros do Supremo Tribunal Federal revissem o entendimento da Corte que
autorizou prisão de condenados em segunda instância. Questionado sobre decisões
recentes de Gilmar Mendes, Moro disse que espera que o ministro "mantenha
o precedente" que "ajudou a construir".
Na quarta-feira passada, dia 23, pela primeira vez desde
o início da Operação Lava-Jato, o juiz federal ordenou a prisão de dois
condenados que tiveram recursos negados no Tribunal Regional Federal da 4ª
Região (TRF-4) - a corte de apelação que pode revisar ou confirmar suas
sentenças. Um dia antes, Gilmar concedeu habeas corpus para soltar um condenado
em segunda instância que estava no regime semiaberto. Leia parte da entrevista
concedida pelo juiz por e-mail ao jornal O Estado de S.Paulo:
As prisões têm amparo na decisão do Supremo sobre
execução de pena a partir do julgamento de segundo grau. A Corte pode mudar o
entendimento. O sr. está preocupado?
A presunção de inocência é um escudo contra uma punição
indevida. Exige que uma condenação criminal seja baseada em prova categórica.
Na França e nos Estados Unidos, após o julgamento em primeira instância, já se
inicia a execução da pena, com prisão, como regra. Então, executar a
condenação, no Brasil, após a decisão da corte de apelação não fere a presunção
de inocência. O Supremo adotou esse entendimento em 2016 a partir de um
julgamento conduzido pelo ministro Teori Zavascki. Fechou uma grande janela de
impunidade e, embora o trabalho do ministro tenha sido notável em outras áreas,
penso que foi esse o seu grande legado. Representou uma mudança geral no
sentido do fim da impunidade dos poderosos e na construção de um governo de
leis no Brasil. Reputo prematura a afirmação de que o Supremo vai reverter o
precedente do ministro Teori. Enquanto não houver decisão, ministros podem
mudar sua posição e há grandes ministros no Supremo, como, para ficar somente
em dois exemplos, o ministro Celso de Mello e a ministra Rosa Weber, que têm
demonstrado preocupação com o nível de corrupção descoberto. Com todo o
respeito ao Supremo, seria, no entanto, lamentável se isso ocorresse.
Ao mesmo tempo em que o sr. manda prender, o ministro
Gilmar Mendes manda soltar. O que deve prevalecer?
Não penso que as questões devam ser tratadas a nível
pessoal, mas institucional. Respeito o ministro Gilmar Mendes e espero que, ao
final, ele, pensando na construção da rule of law (império da lei), mantenha o
precedente (a possibilidade de execução da pena após decisão em segunda
instância) que ele mesmo ajudou a construir.
O sr. se frustra com isso?
Revisões de decisões judiciais fazem parte do horizonte
da profissão. Evidentemente, nenhum juiz gosta de se sentir como se estivesse
vivendo o mito de Sísifo (mais informações abaixo).