Clipping/ Revista Veja
Preso, solto, preso de novo, solto... Essa era na semana passada a vida do banqueiro Daniel Dantas, o peixe mais graúdo a cair nas malhas de uma operação da Polícia Federal batizada de Satiagraha, slogan do movimento popular de resistência pacífica com que o faquir Mahatma Gandhi liberou a Índia de três séculos de dominação britânica. Freqüentador assíduo do noticiário policial, foi a primeira vez, no entanto, que Dantas conheceu o xadrez. Dois de seus intermediários foram filmados enquanto ofereciam 1 milhão de dólares a um delegado da Polícia Federal. O banqueiro pretendia assim excluir seu nome e o de sua família de uma investigação sobre crimes financeiros que vão de gestão fraudulenta a evasão de divisas, passando pelo uso indevido de informações privilegiadas. Além do banqueiro, a operação prendeu mais dezesseis pessoas, suspeitas de integrar a quadrilha de Dantas ou de manter estreitas relações comerciais e financeiras com ela. O flagrante foi a única manobra de inequívoco brilho da Satiagraha, de resto uma operação mambembe.
Poucos homens de negócios representam com mais nitidez a natureza perversa do capitalismo brasileiro dependente do estado macrófago do que o banqueiro Daniel Dantas. Pelas mãos do ex-ministro Mario Henrique Simonsen, que o considerava seu aluno mais capaz, Dantas despontou há duas décadas como um jovem e astuto economista saído do conceituado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos. Como empresário privado de patrimônio público, que Dantas despontou como o mais astuto entre os inúmeros capitalistas brasileiros cujo sucesso se deve a privilégios oficiais obtidos pela bajulação e, principalmente, pela corrupção de autoridades de plantão. Nessa condição, Dantas envolveu-se em praticamente todos os grandes escândalos de economia mista – estatal e privada – da última década no Brasil.
Na semana passada, Nélio Machado, o advogado de Dantas, questionou o fato de dirigentes do PT nunca serem presos nas diligências da Polícia Federal. Ele tem certa razão. Com a prisão do banqueiro e de Nahas, o combate à corrupção no país ganha uma dinâmica curiosa. Até o governo Lula, era lugar-comum criticar a parcialidade com a qual autoridades policiais perseguiam funcionários públicos corruptos e deixavam de lado seus corruptores, os tubarões. Dá-se agora o inverso. Os corruptores são presos sem que os corruptos apareçam. Cadê os corruptos?
As 20 questões que o banqueiro Daniel Dantas ainda pode esclarecer:
1. Privatizações:
Daniel Dantas foi incluído pelo governo no consórcio formado pelos fundos de pensão e pela CSN que saiu vitorioso do leilão da Vale do Rio Doce.
2. Privatizações:
Grampos revelados por VEJA mostraram que o BNDES operou para favorecer o grupo Opportunity no leilão de privatização das teles.
3. Fundos de pensão de estatais:
Dantas conseguiu que a Previ e outros fundos de pensão lhe entregassem o controle acionário da Brasil Telecom quando ele havia investido apenas 1% do capital usado na criação da empresa.
4. Fundos de pensão de estatais:
Alguns dias antes da intervenção do governo federal no comando da Previ, que destituiu diretores do fundo que se opunham a Dantas, o banqueiro teve um jantar reservado com o presidente Fernando Henrique Cardoso.
5. Transição para o governo do PT:
Na edição de 22 de outubro do jornal O Estado de Minas, Dantas publicou um texto quase em código revelando supostas ameaças e achaques praticados por integrantes do governo petista que assumiria.
6. Transição para o governo do PT:
Dantas conversou longamente com o então coordenador da campanha presidencial de Lula, Antonio Palocci, e com o tesoureiro Delúbio Soares.
7. Telefonia:
Por ordem de Dantas, a Brasil Telecom contratou o advogado Roberto Teixeira para prestar-lhe consultoria. Teixeira ganhou 1 milhão de reais no período.
8. Gamecorp:
Por meio da Brasil Telecom, Dantas pagou à Gamecorp, empresa de games do filho do presidente Lula, 100 000 reais mensais pelo fornecimento de conteúdo para o portal de internet da Brasil Telecom
9. Kroll:
O jornal Folha de S.Paulo revelou um esquema de Dantas e da empresa de arapongagem Kroll para espionar o governo, jornalistas e empresários. A PF pôs-se atrás do banqueiro, que contratou o advogado criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, procurador informal do ex-ministro José Dirceu. Kakay levou 8,5 milhões de reais.
10. Telefonia:
José Dirceu, então ministro-chefe da Casa Civil, subitamente passou a defender os interesses de Dantas junto ao governo.
11. CVM:
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aplicou a Dantas uma multa extremamente branda por manter aplicações de investidores residentes no Brasil no Opportunity Fund, fundo sediado nas Ilhas Cayman.
12. CVM:
Enquanto o caso se arrastava na CVM, Dantas se reunia seguidamente para tratar do assunto com o petista Ivan Guimarães, ex-auxiliar de Delúbio Soares e ex-presidente do Banco Popular.
13. Matisse:
Dantas contratou a agência Matisse, de propriedade de Paulo de Tarso Santos, publicitário das campanhas de Lula em 1989 e 1994, para "reposicionar" a marca Brasil Telecom no mercado de telefonia. A informação foi revelada por VEJA.
14. Mensalão:
Dantas pagou ao publicitário Marcos Valério ao menos 152,4 milhões de reais por meio das concessionárias de telefonia Brasil Telecom, Telemig e Amazônia Celular.
15. Mensalão:
Anotações na agenda de Fernanda Karina Somaggio, ex-secretária de Marcos Valério, mostravam encontros entre o publicitário e o sócio de Dantas, Carlos Rodenburg. Ao menos um desses encontros contou com a presença de Delúbio Soares.
16. Telefonia:
Dantas pagou pelo menos 1,1 milhão de dólares ao então professor Mangabeira Unger, a pretexto de tê-lo como consultor e representante legal nos Estados Unidos.
17. CPI dos Correios:
O senador Heráclito Fortes, velho aliado de Dantas, disse ao ex-ministro Luiz Gushiken que a Kroll, empresa de espionagem contratada pelo banqueiro, era especializada em "rastrear contas bancárias no exterior".
18. Dossiê da Kroll:
Dantas mandou seu espião Frank Holder fazer um dossiê com contas no exterior que seriam do presidente Lula e de outros manda-chuvas do governo e do petismo.
19. Dossiê da Kroll:
Depois que a existência desse dossiê foi revelada por VEJA, Dantas reuniu-se em Brasília com o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos.
20. BrOi:
Dantas foi convencido a encerrar seu litígio com o governo envolvendo o controle da Brasil Telecom. Essa decisão foi essencial para a criação da gigante da telefonia BrOi.
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