Clipping / Folha de São Paulo / São Paulo, quarta-feira, 01 de outubro de 2008
ALEXANDRE SCHWARTSMAN
O fim do que nunca foi.
Diante da atual situação, ou o governo norte-americano resgata o sistema financeiro ou vive uma crise ainda maior.
"QUANDO o governo pede que paguem pelos erros de Wall Street, não parece justo", disse o presidente dos EUA, George W. Bush, enquanto pedia nada menos do que isso. Se reconhece a injustiça, por que, então, seu governo, como tantos outros, enfrenta o custo econômico e político de se envolver numa operação complexa, quando poderia anunciar que se trata de problema privado, que caberia ao setor privado resolver? A resposta é, até certo ponto, simples: o governo americano (mas não, aparentemente, o Congresso) acredita que o custo do resgate é inferior ao da alternativa. O plano envolveria a troca de US$ 700 bilhões de títulos públicos por papéis lastreados em hipotecas pertencentes aos bancos.Caso esses últimos valham zero (hipótese extrema, mas que ajuda a simplificar o raciocínio), o custo do resgate seria exatamente de US$ 700 bilhões, ou cerca de 5% do PIB.Já o custo de não fazer nada (ainda sob a hipótese de valor zero) seria uma redução adicional de US$ 700 bilhões no capital dos bancos. Bancos, porém, ofertam crédito como um múltiplo de seu patrimônio (a famosa "alavancagem") e, portanto, a redução de crédito seria um múltiplo de US$ 700 bilhões. Supondo (conservadoramente) uma alavancagem de dez vezes, falamos de uma contração de US$ 7 trilhões, algo como 50% do PIB. Não é preciso muito para concluir que os EUA podem passar por uma recessão bíblica, mesmo se os bancos sobrevivessem para contar a história.Assim, justa ou injustamente, quando a situação chega aonde chegou, a verdade é que o governo deixa de ter opções: ou resgata o sistema financeiro ou vive uma crise ainda maior. Obviamente, sabendo disso, bancos têm incentivos para se engajar em operações arriscadas: caso as apostas funcionem, ficam com os ganhos; caso percam, sabem que ao menos parte dos prejuízos será paga pela sociedade.Essas circunstâncias envolvem temas complexos do ponto de vista teórico. Não apenas o governo não consegue se comprometer com uma promessa de não salvar os bancos como, por esse motivo, gera incentivos errados em termos de atitudes com relação à tomada de risco. Por esse motivo, a única alternativa que sobra ao poder público é não permitir que a situação chegue a esse ponto e os instrumentos para isso são regulação e fiscalização, lição que há muito se sabe, mas que parece ter sido solenemente ignorada no caso.A crise que observamos hoje, portanto, tem origens mais prosaicas do que certos analistas parecem crer.Não resulta das "contradições inerentes ao capitalismo" nem implica o fim do credo liberal. Resultou, sim, de uma regulação inadequada (que, por exemplo, admitiu que bancos mantivessem estruturas fora do seu balanço, além do alcance dos órgãos reguladores e fiscalizadores) e de fiscalização frouxa, aparente na queda dos padrões de análise de crédito, permitindo que famílias tomassem crédito além de sua capacitação.Não por acaso, onde regulação e fiscalização foram mais adequadas, os efeitos da crise têm sido menores. Por fim, não é verdade que a inevitável mudança de regulação/fiscalização que iremos testemunhar marque o fim do "laissez-faire", pela simples razão de que há muito não existe "laissez-faire" no sistema financeiro. Devido a problemas como os mencionados acima, não há sistema financeiro no mundo que não seja regulado. A questão não é, pois, saber se devemos regular o sistema financeiro, mas sim como desenhar a regulação para equilibrar os benefícios da expansão de crédito e os riscos que esta acarreta.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 45, é economista-chefe para América Latina do Banco Santander, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central. Internet:
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