Colômbia quer de volta ex-guerrilheiro das Farc que conseguiu refúgio no Brasil

Clipping/ Revista Veja
23/08/2008


O padre que não é santo
Por Alexandre Oltramari, de Bogotá

A bem-sucedida estratégia do governo colombiano para desmantelar as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o maior grupo guerrilheiro em atividade no continente, não se limita apenas às ações militares. A divulgação massiva dos métodos criminosos utilizados pela organização e a exposição da brutalidade empregada contra vítimas civis têm isolado cada vez mais os terroristas na selva amazônica. No início do mês, mensagens eletrônicas apreendidas em um computador das Farc obrigaram políticos e autoridades brasileiras a passar pelo constrangimento de ter de explicar o nível de suas relações com a narcoguerrilha. O embaraço tende a aumentar de proporção. O governo brasileiro deverá receber, em breve, um pedido de repatriação de Francisco Antonio Cadena Collazos, conhecido como padre Olivério Medina, guerrilheiro que mora há onze anos no Brasil. Nesse período, ele fez amigos influentes em vários setores do governo, manteve contatos com políticos importantes e atuou como elo dos interesses da guerrilha no país. Afora isso, pouco se sabia sobre o passado do padre, exceto que ele foi obrigado a fugir da Colômbia depois de trocar a batina pelo fuzil. A biografia oficial de Olivério Medina, porém, é bem menos santa do que faz crer a versão brasileira. O padre é acusado de promover seqüestros, atentados terroristas e ataques que resultaram na morte de quase uma centena de pessoas.

É a segunda vez que a Colômbia tentará conseguir a extradição do padre. Na primeira, em 2005, Medina, que chegou a ser preso, conseguiu obter do governo brasileiro o status de refugiado – um instrumento jurídico universal criado para proteger vítimas de perseguição política. As autoridades colombianas pretendem solicitar ao Ministério da Justiça a anulação do benefício. O pedido terá como base as mensagens eletrônicas apreendidas nos computadores de Raúl Reyes, o ex-número 2 das Farc, morto há cinco meses, e sua biografia colombiana. Os arquivos digitais mostram que, mesmo depois de obter o refúgio, Medina continuou integrando a cúpula da narcoguerrilha. Em mensagens trocadas com Reyes, o padre narra suas atividades a serviço das Farc no Brasil, revela quem são seus amigos no governo, detalha conversas pessoais do presidente Lula com ministros e diz que precisa atuar com discrição. A conduta contraria frontalmente as regras do refúgio. Em carta de próprio punho, Olivério Medina se comprometeu a romper totalmente as relações com as Farc. O documento foi decisivo para o Conare, órgão que analisa os pedidos, aprovar o refúgio. O governo também exigiu que Medina abandonasse qualquer atividade política. As mensagens eletrônicas mostram que nada disso foi cumprido. "Se forem comprovadas ações não permitidas, o caso terá de ser revisto", diz Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto, presidente do Conare.

Os colombianos querem mostrar ao Brasil que, além do presente, o passado de Olivério Medina também compromete. A lei estabelece que pessoas que cometeram crimes hediondos, como atos terroristas e tráfico de drogas, não podem receber refúgio político. Olivério Medina já era acusado em processo criminal por homicídio com fins terroristas, seqüestro extorsivo, rebelião e terrorismo na Colômbia. Ele também foi condenado, em 2003, a dez anos de cadeia pelo crime de rebelião agravada. A sentença, que legalmente impede a concessão do refúgio, foi ignorada pelo governo brasileiro, que considerou muito frágeis os argumentos apresentados no pedido de extradição. VEJA teve acesso a um relatório produzido pelo serviço secreto colombiano que acusa o padre de participação em quatro ações das Farc, entre 1991 e 1998, que deixaram um saldo de 95 militares mortos e 121 pessoas seqüestradas. Os militares colombianos também relatam que Medina negociou armas para as Farc na Jamaica e "importou" da Bolívia cerca de 300 fuzis russos AK-47 para a guerrilha. "Ele tem as mãos sujas de sangue", disse um dos investigadores do grupo de combate ao terrorismo da Justiça colombiana. "Ao contrário do que muitos acreditam no Brasil, ele não é uma pomba mansa." O investigador, que pede para não ser identificado por medo de sofrer um atentado, trabalha em um edifício de Bogotá conhecido como "El Bunker". Protegida por cercas de arame farpado, que lhe emprestam um aspecto de trincheira, a construção é vigiada 24 horas por tropas fortemente armadas. Ali estão armazenadas as provas mais contundentes já colhidas pela Justiça contra a guerrilha – e também contra o padre.

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