Os franceses sempre deram algum tipo de bom exemplo para outros povos civilizados, mesmo quando apelam para a violência. A guilhotina para cortar a cabeça de governantes insensíveis, corruptos e tiranos, não foi o melhor dos exemplos, mas ações afirmativas como a dos vinicultores franceses, descritas abaixo, parecem bem ajustadas às necessidades de colegas seus brasileiros, neste momento assediados por vinhos argentinos e chilenos de baixa e alta qualidade, que ingressam a rodo e a troco de banana.
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As vinhas do terror
Sem condições de competir, produtores de vinho barato recorrem à violência na França
Os produtores de vinho da região de Languedoc-Roussillon, no sul da França, vivem um momento complicado. Com uma produção excessiva para o consumo interno e sem uma bebida de qualidade para competir no mercado global, eles pedem, em vão, mais subsídios ao governo. Desesperados, os produtores resolveram recorrer a uma especialidade da agricultura francesa: a de bloquear ruas e estradas para protestar. Alguns deles, no entanto, passaram totalmente dos limites. Esses vinicultores decidiram adotar o terrorismo como forma de pressionar o governo e sabotar seus principais concorrentes, os importadores de bebidas. Nos últimos três anos, o grupo vandalizou caminhões, depósitos e lojas de vinhos estrangeiros, incendiou praças de pedágio nas rodovias e explodiu bombas em instituições públicas.
O mês de julho foi especialmente violento. Os terroristas encapuzados invadiram um depósito em Narbonne e deitaram fora o conteúdo de seis tanques de vinho importado, no valor de 300 000 euros. O grupo que organiza os atentados, o Comitê Regional de Ação Vinícola, deixa as iniciais CRAV pichadas nas paredes por onde passa. No dia 22, um dos terroristas foi parar no hospital depois que uma de suas bombas caseiras detonou acidentalmente, deixando-o parcialmente surdo. Interrogado pela polícia, Jérôme Soulère, produtor de vinho da cidade de Malviès, admitiu a autoria da explosão que destruiu a porta de um prédio público na região, em 2006. Ele confessou também ter plantado uma bomba no roteiro da Volta da França, a competição de ciclismo mais popular do país. Felizmente, o artefato artesanal não funcionou.
A região de Languedoc-Roussillon produz os vinhos mais baratos da França e tem o maior volume de produção do mundo. Boa parte das vinícolas é de cooperativas que pararam no tempo. Não investiram na qualidade do produto ou não se preocuparam em criar selos de denominação de origem controlada. Por isso, é a região mais afetada pela enxurrada de vinhos estrangeiros baratos que invadiu a França. A importação da bebida chilena saltou de 560 000 litros, em 1995, para 24,3 milhões de litros, em 2005. No mesmo período, a importação de vinhos australianos foi multiplicada por dezessete. Em geral, as vinícolas do Novo Mundo são mais competitivas, pois já começaram com um sistema de produção mais moderno, investiram em novas tecnologias e apostaram em maior variedade de uvas. O resultado é que conseguem produzir a custos mais baixos, mantendo a qualidade
A insistência no sistema de produção tradicional de Languedoc-Roussillon deixou os vinicultores locais defasados em relação ao mercado mundial. Seus conterrâneos não ajudam. Desde 2000, o consumo de vinho na França vem caindo, em média, 2,6% ao ano. Quatro em cada dez franceses não bebem vinho, entre eles o presidente, Nicolas Sarkozy, que é abstêmio. "A produção na região segue estável, mas muitos viticultores não conseguem vender seus vinhos, que acabam mofando no estoque", disse a VEJA o engenheiro agrônomo francês Matthieu Dubernet, do Laboratório Dubernet de análise de vinhos, localizado em Languedoc-Roussillon. Com demanda em baixa e oferta em alta, o preço médio do vinho caiu 35% no país. Quatro em cada dez produtores da região trabalham com as contas no vermelho.
A concorrência acirrada não é exclusividade da França. Há excesso de vinho no mercado internacional. A produção no ano passado foi 12% superior ao consumo. Em 2006, foi 20%. A concorrência aumentou com a expansão dos produtores do Hemisfério Sul, como Chile, Argentina, África do Sul e Austrália, que hoje abocanham 28% do mercado mundial, contra apenas 2% em 1980. "Essa concorrência só não atinge os vinhos franceses nobres, como os de Bordeaux e os champanhes, que continuam imbatíveis", diz o paulista Arthur Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Sommeliers. Por décadas os produtores rurais franceses foram beneficiados pelos generosos subsídios vindos de Paris. A ajuda aos agricultores é uma tradição dos franceses, que tratam a culinária nacional – e os responsáveis por produzir seus ingredientes – como um símbolo da alma do país. A Rodada Doha de negociações de comércio internacional, que entrou em colapso no mês passado, tinha, entre outras metas, justamente a de derrubar os subsídios em países acometidos por uma espécie de agronacionalismo. No caso da França, o protecionismo esbarra nas regras da União Européia, que proíbem aumentar a ajuda estatal aos agricultores. O governo europeu recomenda, no caso das vinícolas francesas, que elas deixem de produzir vinhos baratos e passem a competir com produtos mais sofisticados. Se aceitassem o conselho, talvez a ressaca do dia seguinte fosse menor.
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