Se o desfecho dos julgamentos do Grupo EBX, de Eike
Batista, e da Petrobras consolidar a visão corrente de impunidade das fraudes
que causaram perdas a milhares de investidores, o mercado de capitais
brasileiro será o principal prejudicado. A avaliação é da advogada Erica Gorga,
pesquisadora na Escola de Direito de Yale e professora da FGV-SP, que atua como
perita no processo coletivo nos EUA em que investidores buscam indenização pelo
prejuízo com a Petrobras.
A seguir, entrevista de Érica para a revista VEJA desta semana. Elas defende a ideia de que as
leis brasileiras sejam reformuladas para proteger os acionistas minoritários.
M.S.
GESTÃO OMISSA
A estatal é processada por fraude a investidores com base
nas leis americana e brasileira. Só entre 2012 e 2014, a Petrobras levantou
26,5 bilhões de dólares de investidores internacionais. Por lei, a empresa tem
obrigação de fornecer demonstrações contábeis completas e verídicas de sua real
condição financeira. É processada por emitir declarações inverídicas e dar
informações falsas, isto é, mentir, omitir e enganar investidores e induzi-los
a erro de avaliação sobre o investimento.
REPERCUSSÕES
Os investidores brasileiros que compraram títulos da
companhia nos Estados Unidos também têm direito a ser ressarcidos dos prejuízos
sofridos. É a alegação que defendo na ação na corte federal em Nova York. O
processo é coletivo, ou seja, beneficia a todos os investidores na mesma
situação. Se o juiz decidir que a ação tem de prosseguir, haverá grande
impacto: mostrará que as normas brasileiras de proteção a investidores não
cumpridas no Brasil serão aplicadas nos Estados Unidos.
EIKE E PETROBRAS
Até hoje, a lição deixada pelos casos do Grupo EBX, de
Eike Batista, e da Petrobras é que cometer ilícitos contra investidores
compensa — e muito. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aplicou multas no
total de 1,4 milhão de reais a Eike, valor irrisório quando considerados os
prejuízos causados a investidores — que ainda não foram indenizados. Nesse caso
há uma ação civil pública em estágio inicial. Se o resultado final consolidar a
visão corrente de impunidade de fraudes a investidores e crimes financeiros, o
mercado de capitais brasileiro como um todo tenderá a minguar ainda mais. As
empresas sofrerão descontos nos preços de seus papéis devido à desconfiança do
mercado internacional.
AMARRAS DA LEI
Para que houvesse um processo coletivo para a indenização
dos investidores no Brasil no caso da Petrobras, o Ministério Público teria de
ingressar com uma ação civil pública. Mas não o fez, porque tem focado somente
a esfera criminal. No Brasil, existem apenas ações individuais esparsas de
pequenos investidores. Com as leis atuais, minoritários quase nunca são
indenizados.
MAIOR RIGOR
É preciso reformar as leis. Deve-se permitir que
acionistas com menor propriedade acionária ingressem com ações de
responsabilidade civil contra administradores em benefício da companhia, como
ocorre em países da Europa, e reformar a lei da ação civil pública, para que
outras partes privadas ingressem com processos coletivos, como ocorre nos EUA.
Precisamos reformar a lei de mercado de capitais para estabelecer multas mais altas
e parâmetros mais claros para a responsabilização de bancos de investimento,
auditores e advogados — todos os que têm obrigação legal de monitorar
INVERSÃO DE PAPÉIS
Propagou-se o mito de que a Petrobras é vítima. Uma
companhia que captou bilhões de dólares e de reais dos investidores não pode
dissipar tais recursos sem assumir sua responsabilidade. A lei impõe obrigações
às companhias que captam poupança popular. A vitimização diminui a
possibilidade de responsabilizar os administradores perpetradores de ilícitos.
Além disso, afugenta investidores, que são as vítimas reais, pois uma companhia
não é gerida para remunerar a si mesma. Ninguém quer investir em companhias que
não são responsabilizadas pelo uso do dinheiro dos seus acionistas. É
inconcebível que pessoas honestas trabalhem a vida inteira para ter a
aposentadoria dissipada em corrupção.
EXEMPLO AMERICANO
A Enron foi processada por um grande esquema de fraude e
ressarciu mais de 7 bilhões de dólares a investidores; seu ex-presidente foi
condenado a 24 anos de prisão. O argumento de que a companhia que capta
dinheiro do público e comete fraudes é "vítima coitadinha", não
responsável por suas ações, não prospera nos Estados Unidos. Os americanos
sabem que, se não houver proteção dos direitos dos investidores, a economia não
crescerá, porque não haverá investimentos.
DIREITO AMEAÇADO
O governo brasileiro rapidamente aprovou a Lei de
Arbitragem, que é utilizada como argumento para afastar a jurisdição americana
e levar o processo da Petrobras para a câmara de arbitragem sigilosa da
BM&FBovespa. O mesmo governo que não quer privatizar a empresa quer impor a
privatização das disputas da companhia com investidores e barrar o acesso ao
Judiciário, o que é inconstitucional. A escolha entre Judiciário e arbitragem
privada para resolver disputas deve ser do investidor. A arbitragem é muito
mais cara e não é viável para a maioria dos investidores minoritários. Além
disso, no Judiciário o processo é público, enquanto na arbitragem é secreto.