Por Rodrigo Baggi, Rafael Bacciotti e João Morais,que são analistaas
da Tendência Consultoria. O artigo está no blog da empresa.
Diante do desempenho desfavorável dos principais
condicionantes de consumo das famílias, especialmente renda, emprego e crédito,
é interessante o índice acompanhado na Tendências, que analisa essas variáveis
sob perspectiva conjunta para captar da melhor forma possível o poder de compra
das famílias e, consequentemente, tornar-se um termômetro para o varejo no
curto prazo. Os vários exercícios que conduzimos mostram em comum uma forte
piora, puxada tanto pela queda da massa de renda quanto pelo efeito negativo do
crédito às famílias em 2015. Além disso, o cenário indica que a trajetória
ainda será muito ruim em 2016, o que já antecipa que não deve haver reversão da
deterioração que tem sido observada recentemente nas vendas do comércio
varejista.
Em primeiro lugar, cabe lembrar que o enfraquecimento do
mercado de trabalho e a queda da renda real associam-se às demissões no setor
formal (e transferência de trabalhadores para o setor informal, que paga
salários mais baixos), em conjunto com a tendência de reajustes menores e um
processo de substituição de trabalhadores com salários mais elevados por
aqueles de menor remuneração.
Tais fatores devem levar a taxa de desemprego a alcançar
quase 8% no fim do ano e fazer com que a renda média real efetiva caia 4,4% em
2015, segundo nossas projeções. Por sua vez, o cenário para as concessões de
crédito às famílias também é bastante adverso (seja considerando apenas
recursos livres, ou também o crédito imobiliário), sendo que não contemplamos
nenhuma recuperação após uma queda que já supera 7%, em termos reais, nesse
primeiro semestre.
Portanto, a ideia geral do indicador de poder de compra
consiste nos cálculos a partir da massa de renda (inclusive previdência social,
Bolsa Família e outras fontes) e da contribuição líquida dos volumes de
concessões de crédito, já descontando os pagamentos do serviço da dívida pelas
famílias, que se elevaram com a recente alta de juros.
De acordo com os exercícios, o poder de compra mostrou
forte crescimento até 2013 (atingindo recorde no início de 2014), porém recuou
substancialmente em 2015 até de modo mais acentuado quando
considerado o crédito imobiliário, devido aos resultados
piores desta modalidade no curto prazo. Nesse exercício, a retração do poder de
compra é de 7% a 8% neste ano, e nossas projeções indicam novo recuo em 2016.
Adicionalmente, com o objetivo de se levar em conta
apenas a renda disponível para bens de consumo e serviços, também consideramos
os cálculos excetuando-se o percentual destinado a itens essenciais (como
alimentos, energia elétrica, transporte público, combustíveis etc.). Essa
análise tem ganhado relevância em função das pressões inflacionárias de preços
administrados recentemente, que prejudicaram sobremaneira o fôlego financeiro
dos consumidores. Com isso, o cenário se mostra ainda mais complicado, com
queda de 11% a 12% do poder de compra das famílias em 2015 - e, novamente,
mostrando queda adicional no próximo ano.
Quando analisamos a contribuição histórica de cada
variável para a taxa de variação do indicador, há uma natural predominância da
importância da massa de renda, comparativamente à contribuição do crédito, haja
vista a maior relevância dos volumes dessa primeira variável. Contudo, nossas
projeções indicam que o canal do crédito também será fundamental para explicar
o poder de compra em queda em 2015 e 2016, respondendo por mais da metade da
variação nesse período.
Em resumo, o que se conclui dos exercícios realizados é
que o efeito conjugado de renda e crédito aponta poder de compra das famílias
muito corroído até 2016, com uma queda bem mais acentuada do que a retração
individualmente esperada para a massa de renda e para as concessões de crédito
às famílias.
Isso reforça um cenário muito desafiador para o comércio
varejista até o próximo ano, cuja adversidade se completa com os níveis
extremamente deprimidos da confiança de famílias e empresários atualmente, o
que amplifica as incertezas e gera um comportamento de postergação de consumo
- principalmente de bens duráveis, como tem sido refletido nos mercados de
eletroeletrônicos e veículos.
Por isso, em face desse cenário que se deteriorou em
magnitude e velocidade até maiores que as esperadas, será observado o pior
desempenho para as vendas do varejo em 12 anos, considerando o próprio
indicador da Pesquisa Mensal do Comércio do IBGE. Infelizmente, não há nenhum gatilho
que sustente qualquer retomada do consumo das famílias no curto prazo, e as
atuais incertezas internas só têm contribuído para reforçar ainda mais as
dificuldades que terão de ser enfrentadas até 2016.