O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, demorou um pouco para falar sobre a nota de rebaixamento aplicada pela Standard & Poor's ao Brasil, porque no início da noite apenas falou o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, o que causou muita estranheza. A informação da noite era de que Levy estava em SP, depois de ter retornado da reunião do G20- e de Paris.
Pouco mais tarde, as 23h, ele foi entrevistado ao vivo pela Globonews, por William Waak, falando longamento sobre o caso.
A seguir, o texto completo da entrevista
William Waack: Ministro, o senhor assumiu com a missão
explícita de evitar que o Brasil perdesse a nota de crédito de uma agência como
a Standard & Poor's, mas o Brasil perdeu a nota de crédito. Isso impõe
escolhas políticas ao senhor.
Joaquim Levy: Eu assumi com o objetivo de fazer o Brasil
adquirir um equiíbrio fiscal, porque ele é essencial para a gente poder
crescer. A nota é apenas uma avaliação se a gente está olhando com suficiente
seriedade para isso ou não. Se a sociedade, se o governo, se o Congresso
realmente está entendendo a seriedade de a gente ter um equilíbrio fiscal. A
gente já atingiu um superávit fiscal que é necessário pro Brasil ter confiança
nas pessoas.
Christiane Pelajo: Agora, ministro, diante do desafio que
o Brasil enfrenta, a própria Standard & Poor's, a gente viu no comunicado
deles, eles disseram que esperavam o maior empenho de todos os entes. O senhor
acha que a política falhou em ajudar o Brasil a fazer os ajustes que eram, que
são necessários?
Joaquim Levy: Eu acho que a gente está trabalhando, eu
acho que as pessoas estão tendo um entendimento cada vez mais claro que você
tem que fazer escolhas, que não é fácil. Não adianta só você dizer que é para
cortar e não dizer onde que vai cortar. Não adianta também você só querer
resolver as coisas pedindo para a população assinar um cheque para o governo.
Você tem que realmente olhar, examinar onde dá para cortar. Sempre dá para
cortar. E também se a gente precisar pagar impostos, eu tenho certeza que a
população vai estar preparada de fazer isso. Porque é o caminho para ter o
equilíbrio para a gente poder crescer e a gente quer crescer, a gente quer
criar emprego.
William Waack: Ministro, talvez se a população entender
exatamente o que o governo quer, ajude. Porque a Standard & Poor's menciona
nesse mesmo relatório uma extraordinária desarticulação do governo em relação
aos objetivos fiscais. Por exemplo, fala-se na recriação de uma contribuição, a
CPMF, fala-se no uso da Cide, que vai bater nos combustíveis, atribuiu-se ao
senhor, inclusive, durante a sua recente viagem à Paris, a ideia de novas
alíquotas do imposto de renda. Afinal, o que o governo quer?
Joaquim Levy: Olha, nós queremos equilíbrio fiscal. A
gente quer atingir a meta que é necessária para trazer tranquilidade para a
economia brasileira. Como é que a gente vai alcançar isso? A gente deu um passo
de abrir uma conversa. É uma conversa com o Congresso, é uma conversa com os
economistas, é uma conversa com os empresários, é uma conversa com a população.
Porque a presidente tem sido muito transparente. Ela falou: "Olha, vai ter
que fazer esforço, a gente está numa situação que é diferente do que a gente
estava há dois anos atrás". O mundo mudou, tinha mais tantas coisas que
dava para fazer na época e que o governo fez, e não dá mais para fazer assim se
a gente quer voltar a crescer. E aí a gente vai ter que fazer essas escolhas.
Qual vai ser exatamente o imposto? Quanto que vai ser? Qual vai ser exatamente
o corte? A gente vai conversar, foi isso o que Congresso pediu para a gente, e
depois, nessa conversa, a gente vai propor. Eu acho que, nas próximas semanas,
o governo vai ter que fazer isso com muita clareza. Agora, todo mundo tem que
estar envolvido nisso e é um desafio para cada um de nós.
Christiana Pellajo: O senhor não pode antecipar aqui para
a gente alguma coisa que vai ser feita ainda? Por exemplo, sobre impostos, a
carga tributária no Brasil, a gente sabe que os empresários reclamam muito que
é altíssima e beira o insuportável.
Joaquim Levy: Pois é, mas essa carga tributária, por
exemplo, tem a ver com as aposentadorias. Os empresários, eles não estavam
querendo pagar até a contribuição para pagar as aposentadorias dos
trabalhadores. Então, é assim, a gente vai ter que fazer chegar a um
equilíbrio. A gente tem as despesas com a saúde, a gente tem as despesas com a
educação. O número de estudantes universitários tem aumentado. Até
recentemente, inclusive, o governo estava dando maior apoio para esse setor.
Inclusive as universidades particulares, com bolsas e etc. Então a gente vai
ter que fazer escolhas e a carga tributária no Brasil é em função dos gastos. E
a maior parte desses gastos são gastos que foram votados, foram votados pelos
deputados, pelos senadores que cada um elege.
William Waack: Ministro, governos brasileiros sucessivos,
não é questão de colocar a culpa apenas neste, cuja irresponsabilidade fiscal,
como eu disse no início do Jornal da Globo, nos levou a ficar com nome sujo na
praça. Sucessivos governos brasileiros preferem ir pelo lado da receita quando
fazem um ajuste fiscal. Até agora não vimos nada diferente na sua gestão.
Estamos indo pelo lado da receita mais uma vez?
Joaquim Levy: Não. Este ano, onde o governo pode cortar,
a gente cortou. Onde não é determinado pela lei, onde a gente chama de despesa
discricionária, nós trouxemos de volta para o nível de 2013, em valor nominal.
No ano que vem, em algumas coisas, porque, por exemplo, tem Minha Casa Minha
Vida, tem contratos. Os próprios empresários querem que se pague os contratos
que foram assumidos e é muito razoável. Então a gente tem que ter dinheiro no
Orçamento do ano que vem para continuar pagando o Minha Casa Minha Vida que já
foi contratado. Porque o empresário já botou dinheiro e já vai pegar a casa, e a
gente tem que pagar essa casa. Porque quem recebe a casa, paga muito pouquinho,
você sabe disso muito bem. Então, uma das coisas que está no Orçamento do ano
que vem, talvez a gente tenha podido cortar mais, é o dinheiro do Minha Casa
Minha Vida. Tá certo? Porque a gente não pode dar calote para o empresário que
fez a casa e a gente, a casa já está contratada. Este ano a gente cortou em
relação a Orçamento votado R$ 78 bilhões. Então houve um corte. E não só em
relação ao votado. Podia ser muito grande. Se a gente comparar com o ano
passado, a gente está gastando menos que o ano passado. A gente votou para
valores nominais, está certo, a 2013. É como se você estivesse pagando o mesmo
aluguel de 2013, que você estivesse gastando a mesma coisa que você gastava em
2013. E em valores reais boa parte da despesa discricionária, que é aquela que
o governo pode escolher se gasta ou não gasta, onde é que ele põe, está
voltando a níveis reais de 2012. Então a gente fez um esforço nessa área, sim.
Talvez precise fazer um maior porque a gente está vivendo um momento especial.
William Waack: Ministro...Chris, perdoe, estou
interrompendo a sua vez das perguntas. Ministro, significa, após eu ouvir do
senhor dizer que cortes nos programas sociais serão inevitáveis?
Joaquim Levy: Eu acho que tem que ter uma discussão.
Esses programas são determinados por lei. Há algumas coisas, por exemplo, a
aposentadoria. No Brasil, a gente se aposenta muito cedo. Não todo mundo. 3/4
das pessoas se aposentam aos 65 anos. Mas tem muita gente que se aposenta aos
54, 53, está certo. E agora com até a possibilidade de receber uma pensão
cheia. Isso tem que ser pensado. E o Congresso, o Senado tem dito que eles
querem votar, inclusive se for eventualmente, que tem vários que falaram, votar
uma idade mínima, tá certo, para a aposentadoria. Isso é justo e isso é muito
importante, principalmente quando a gente sabe cada vez a população vai viver
mais tempo. Então, sim, e a gente tem melhorar a gestão. Isso é uma coisa muito
importante: gestão de programas. Tem programas que a gente tem que visitar e
ver se precisa manter. Ou então se a gente precisa manter do mesmo jeito. É que
nem uma empresa: você olha o processo, como é que se faz e você olha os
produtos, os programas. Por que você está fazendo aquilo?
Christiane Pelajo: Mas, ministro, como aprovar isso tudo
no Congresso, ministro?
Joaquim Levy: Algumas coisas a gente consegue no próprio
Executivo, acho que nessa parte de gestão a gente está, por exemplo, querendo
diminuir os auxílios-doença. Para isso você tem que olhar lá, vê se o cara
quebrou o braço, precisa passar seis meses em casa ganhando ou será que ele tem
que ir lá no perito, daqui a um mês está pronto e ele volta a trabalhar? Isso
também é uma maneira de economizar, de gestão. Outras coisas, sim, a gente vai
ter que discutir no Congresso, é como a democracia funciona.
Christiane Pelajo: Sim, mas e como aprovar isso no
Congresso então?
Joaquim Levy: As pessoas entendendo. Eu acho que é
exatamente o que você mostrou aqui. Se a gente não aprova, a gente, a nossa
dívida piora, o crédito vai diminuir. O que aconteceu hoje, vai diminuir o
crédito para as empresas, vai diminuir o crédito para as pessoas, tá certo,
então a gente tem que decidir. Se a gente não tem coragem de decidir, você vai
empurrando, empurrando, vai empurrando, e cada vez é mais caro de fazer. Se
você pagar um pouquinho mais de imposto e a economia crescer mais, você ganha o
seu imposto de volta no ano seguinte.
William Waack: Para isso as pessoas precisam confiar,
ministro. A confiança é a palavra essencial hoje quando a gente considera a
crise política e a crise econômica brasileira. O rebaixamento da nota torna
mais difícil ainda o ente econômico seja ele o trabalhador seja ele o
empresário recuperar a confiança na política econômica cujo rosto mais
conhecido e divulgado é o seu. Eu volto à minha primeira pergunta: o senhor
pensa em consequências políticas do fato do rebaixamento da nota brasileira?
Joaquim Levy: Eu acho que a consequência política é que a
gente tem que olhar para nós mesmos e nos perguntar o que a gente quer. Não
adianta a gente querer empurrar e fingir que não existe um problema. Nós temos
que ter o equilíbrio e a gente consegue ter esse equilíbrio. Eu acho que o país
tem maturidade e o país já mostrou inúmeras vezes que consegue superar seus desafios. Eu acho que, dessa vez, a
gente vai superar juntos esse desafio também e a gente vai voltar para onde o
Brasil tem que estar, que é entre os melhores. Sempre.
Christiane Pelajo: Mas diante do que a gente está vivendo
no momento, especificamente hoje, no rebaixamento da nota pelo Standard &
Poor's, a gente pode afirmar que houve uma falha, uma falha do governo, uma
falha do senhor?
Joaquim Levy: Não. Eu não acho que houve uma falha.
Existe um problema difícil, um problema que só vai ser vencido se as pessoas
olharem com responsabilidade, a gente tem dado um diagnóstico transparente,
verdadeiro e agora as pessoas têm que retomar a sua responsabilidade em todos
os níveis. O governo vai, deve cortar gastos, sim. Mais do que já cortou em
alguns casos, mas com gestão. E, se precisar, a gente tem que ter a disposição
de também fazer um sacrifício para todo mundo poder voltar a ter a economia
crescendo.
William Waack: Ministro, o senhor mesmo tem ressaltado o
fato de que o ajuste fiscal é apenas um instrumento para corrigir uma situação
de emergência, que o que nos voltará a fazer que o Brasil cresça e gere
prosperidade são planos futuros, principalmente a questão da produtividade no
Brasil. De que maneira o senhor encontra tempo em todo esse tiroteio e a
explosão dessa bomba como a de hoje em pensar em alguma coisa para o futuro?
Joaquim Levy: Nós estamos trabalhando, nós estamos
pensando. A gente está aí. Por exemplo, reforma do ICMS, que é super importante
para destravar os investimentos nos estados, a reforma do PIS/Cofins para
simplificar a vida das empresas, tornar os impostos mais simples de se pagar,
para aumentar a transparência, para dar segurança jurídica, que é tão
importante para as empresas. Isso aí está pronto e está sendo já discutido no
Congresso. Tem agora uma pauta da Agenda Brasil que o Senado está construindo
junto com o governo para facilitar os investimentos em infraestrutura. Aliás a
gente tem um super programa de infraestrutura...
William Waack: Anunciado em junho.
Joaquim Levy: Exatamente. Tem tido uma receptividade do
setor privado muito boa. Por que? Porque estão com taxas de retorno adequadas,
a gente escolheu estradas, coisas que têm uma realidade econômica, tudo com
muito cuidado. Então a gente está fazendo esse trabalho e vai continuar. Então
tem uma agenda, é uma agenda de futuro, é uma agenda estrutural, trabalhada com
o Congresso e que a gente vai conseguir votar, mesmo que a gente tenha que
apertar aqui ou acolá, alguma dificuldade que você está falando, que nem a
gente teve hoje, essa contrariedade, mas isso só vai dar confiança para a gente
enfrentar o que a gente precisa enfrentar e, como eu tenho dito, essa agenda é
onde a gente quer chegar. E a gente precisa ter uma ponte, uma ponte de
segurança fiscal do governo, tudo que ela redigir para a gente chegar lá. Eu
acho que com essa fórmula a gente vai retomar a confiança e o Brasil vai voltar
a crescer.
Christiane Pelajo: Agora, ministro, como fazer essas
obras de infraestrutura se as grandes empresas estão todas envolvidas na Lava
Jato?
Joaquim Levy: Pois é, isso é uma coisa bacana para o
Brasil, que aqui a Justiça funciona, aqui a gente está indo a fundo e
realmente, com toda a liberdade, não só da imprensa cobrir, mas como se tomaram
todas as ações necessárias. E já tem algumas medidas, algumas dessas empresas,
inclusive, estão pagando multas, tem caso de diretores que estão até na cadeia,
gente super importante, políticos importantes. No Brasil, a lei funciona.Tem um
custo, pode atrapalhar um pouquinho, mas a gente vai sair mais forte disso
também, com mais governança e também...
Christiane Pelajo: Mas e as obras?
Joaquim Levy: As obras, vê só, nos editais que a gente
está fazendo, inclusive a gente está tendo o cuidado de facilitar a entrada de
outras companhias, tá certo? Porque a gente quer concorrência nesse mercado. Eu
acho que é um mercado que, depois de tudo o que aconteceu, vai poder ser
transformado, ficar mais aberto, ter mais concorrência, ter mais transparência.
Isso também faz parte da agenda que eu te falei e que está no Senado. Uma das
coisas é que a gente vai ter que melhorar a qualidade dos projetos para você
não começar e depois descobrir que vai ser mais caro etc. Você tem que planejar
melhor. E a gente está criando os instrumentos para a gente fazer isso no
Brasil.
William Waack: Ministro, a minha última pergunta, a
última pergunta da nossa conversa, se referindo à política, que é o fator
mencionado pela Standard & Poor's, na semana passada o vice-presidente
Michel Temer disse que um governo com a popularidade tão baixa como a que é
registrada pela presidente Dilma dificilmente tem condições de continuar
durante muito tempo. A baixa popularidade do governo lhe atrapalha?
Joaquim Levy: Eu acho que, na verdade, a baixa
popularidade nos dá uma possibilidade de trabalhar para aumentar ela. Tá certo?
Agora, a presidente certamente ela não teve receio de botar, vamos dizer, a sua
popularidade, vamos dizer, arriscar a popularidade para tomar as medidas
certas. E são medidas que já estão dando resultado. O que a gente fez no começo
do ano em termos de liberar preço, o próprio ajuste do câmbio, hoje a nossa
balança comercial, depois de não sei quantos anos, está dando superávit. A
contribuição do setor externo depois, desde 2005, só tinha contribuição
negativa. Agora a contribuição é positiva. Depois de vários anos em que a
inflação só apontava para cima, agora se você olhar as estimativas de inflação
para 2016, elas estão apontando para baixo. 2017 está próximo da meta. Então é
assim, você faz, você colhe resultado. Você fica na dúvida, perguntando, será
que vai ser muito difícil, você às vezes colhe resultados que são até
dissabores. A gente tem que fazer, a gente sabe que precisa fazer, o governo
tem sido super transparente e agora a gente precisa fazer.
William Waack: Ministro, muito obrigado pela sua
participação aqui conosco no estúdio do Jornal da Globo.