Nesta divertida mas ao mesmo tempo reveladora e patética entrevista para a repórter Livia Araújo, intitulada "Para Raul Pont, PMDB já deveria ter rompido com governo", o ex-prefeito de Porto Alegre, ex-deputado e líder inconteste dos xiitas do PT do RS, a DS, fração neotrotskista anti-diluviana, chega ao extremo de reclamar que o PMDB rompa com o seu Partido e não o contrário, o que seria o normal.
Afinal, ensina o líder neotrotskista petista, o PMDB deveria ter coerência programática, esquecendo que este tipo de lição deveria ser aplicado pelo seu próprio Partido, que foi quem buscou e mantém a aliança, até porque sem ela já estaria apeado do governo. Raul Pont, incomodado com a podridão do PT, a exemplo do que já fazem companheiros eus como Tarso e Olívio, tenta escapar da contaminação e anuncia adesão á tese de uma Frente Ampla de Esquerda, na qual a sigla, suas consignas e lideranças nacionais, desapareceriam no conjunto de forças aliadas como PSOL ou PSTU.
Leia a íntegra da entrevista publicada pelo Jornal do Comércio.
Faça um esforço e vá até o final. Afinal de contas, Raul Pont
Afastado de cargos eletivos desde o início de 2015 - no
ano passado, não quis tentar a reeleição para a Assembleia Legislativa - o
ex-deputado Raul Pont (PT) está "um pouco mais livre de horário, mas não
de trabalho". Dedicado atualmente à articulação interna das executivas
estadual e nacional da legenda, Pont vê-se às voltas com a discordância do PT
gaúcho em relação à atual política econômica do governo Dilma Rousseff (PT),
questionando também as alianças com partidos que vem dificultando as relações
entre os poderes Executivo e Legislativo.
Nesse aspecto, critica especialmente a postura do PMDB,
defendendo que o principal aliado do PT no governo federal, "por coerência
programática, já deveria rompido" a aliança. Pont cita o comportamento do
presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) - que formalizou
sua oposição ao governo -, observando que, se Cunha não fala pelo PMDB, é justo
que seja cobrado dele "um mínimo de disciplina partidária em relação ao
cargo que ele ocupa". O petista faz coro ao ex-senador Pedro Simon (PMDB),
para quem o parlamentar deveria ser afastado do comando da Câmara para
responder às acusações que sofreu no âmbito da Operação Lava Jato.
Sobre as eleições municipais de 2016, Pont defende a
consolidação de uma frente ampla de esquerda. "É possível construir um
campo de alianças que não seja tão esquizofrênico quanto o que a gente tem
hoje."
Jornal do Comércio - Como o senhor avalia a política de
alianças do governo federal? Em nome da governabilidade, não se concedeu
demais, a ponto de perder a governabilidade?
Pont - Acho que sim. Esse debate não é novo, pois com a
vitória do presidente Lula (PT) em 2002, e para garantir aquela oportunidade,
elegemos 91 deputados (federais). Não chegamos nem a ter 20% do Parlamento.
Hoje, temos 12% ou 13% da Câmara Federal. Isso mostra a contradição entre um
sistema eleitoral que permite que você eleja a presidente da República e não
lhe dê nenhuma governabilidade pelo processo eletivo. Essa é a prova mais cabal
de que o sistema eleitoral que temos é completamente esquizofrênico, pois não
dá governabilidade a quem governa, que é o poder Executivo. É um conflito para
o qual precisamos ter uma saída.
JC - Existe o flerte do PMDB com uma possível ruptura?
Pont - Bem, mas o PMDB faz isso mesmo ou é só uma ameaça?
Por coerência programática, ele já deveria ter rompido. Se não concorda, como
foi feito esse acordo? Se é construída uma aliança que teoricamente tem um
programa, os partidos que compõem isso deveriam ter o mínimo de fidelidade com
esse programa. Mas não é isso o que ocorre, porque o partido não tem lealdade
com o seu interior, não tem uma direção nacional que funcione efetivamente como
tal, é uma federação de interesses regionais.
JC - Mas havendo essa ruptura, não se agravaria o quadro
de instabilidade política?
Pont - Se houvesse ruptura, complicaria ainda mais a
relação do governo com o Parlamento. Mas me fio nas declarações do
vice-presidente Michel Temer (PMDB) de que a posição do Cunha é pessoal. Tenho
ouvido declarações de quadros como Pedro Simon, que acha que ele deveria ser
afastado para que responda às acusações presentes na delação. E se ele não fala
pelo partido, é justo que o PMDB cobre dele um mínimo de disciplina partidária
em relação ao cargo que ocupa. No Rio de Janeiro, nosso apoio ao prefeito e o
compromisso com o governo (ambos do PMDB) pode nos prejudicar. Pagaremos um
preço, mas não nos colocamos em oposição. Queremos a mesma reciprocidade em
relação ao Cunha. Mas, a longo prazo, isso nos obrigará a repensar essa
política de alianças, pois os desgastes são maiores que os ganhos.
JC - Nesse contexto, a retomada de uma discussão sobre
parlamentarismo é legítima?
Pont - Legítima, é. Só não pode ser casuística, não pode
servir, como já ocorreu no Brasil na derrubada do Jango (ex-presidente João
Goulart, deposto pelo golpe militar em 1964). Eu simpatizo com o
parlamentarismo. Se não fosse essa conjuntura, diria que a discussão é
legítima. Só que esse parlamentarismo que o Cunha está defendendo agora é
casuístico, ele só sobrevive com esse voto nominal, fisiológico. O
parlamentarismo pressupõe um sistema partidário muito sólido. E que não combina
com 30 e tantos partidos como há no Brasil.
JC - Em relação às discussões sobre um processo de
impeachment contra a presidente, o senhor acredita na tese de quadros do PT que
falam em golpismo?
Pont - Acho que sim. O noticiário que reproduziu os
debates e o discurso da última convenção do PSDB atestam isto. Vários dos
principais dirigentes, como o (José) Serra, Aécio (Neves) e o Fernando Henrique
Cardoso, tinham discursos claramente golpistas, em cima de uma crise econômica
que não é terminal, nem grave. A maioria dos países europeus tem relação dívida/PIB
maior que a nossa. O que temos é uma crise política seríssima, dada por essa
esquizofrenia que avançou enormemente nos poderes Executivo e Legislativo. Não
foram poucas as pessoas do PT que resistiam a que tivéssemos de construir uma
governabilidade clássica, do presidencialismo de coalizão brasileiro.
JC - Com a "Carta de Porto Alegre", após o 5º
congresso do Partido dos Trabalhadores, como o PT gaúcho se posiciona em
relação às políticas do governo federal e à sigla?
Pont - É evidente que o partido apoia o governo, fez
campanha e elegeu a Dilma. Esta política que vem sendo dirigida pelo ministro
(da Fazenda, Joaquim) Levy, no sentido de corte orçamentário e elevação da taxa
de juros como elemento para combater inflação, a austeridade no gasto público,
enfim, não combinam com o nosso programa e não é o que dissemos que faríamos na
campanha (presidencial). Por isso, aqui no Rio Grande do Sul, a maioria dos
deputados estaduais e federais têm tido uma postura muito crítica.
JC - É isso que motiva o PT gaúcho a tentar realizar um
novo congresso em nível nacional?
Pont - É que o congresso, para nós, foi um pouco
frustrante. O campo majoritário dentro do partido tinha um certo controle sobre
os delegados, que estavam lá mais para seguir orientações e menos para o
debate. Aqui, o debate foi tão proveitoso que tiramos um conjunto de posições
que não eram mais do campo majoritário ou minoritário. Aprovamos uma série de
posições que foram levadas ao congresso. Mas a maioria acabou saindo pela
tangente para não tomar posição. O tema aprovado no final faz uma avaliação
crítica da política econômica, mas de uma forma muito tênue. Não confronta nem
dá uma orientação firme.
JC - O que faltou discutir de forma mais contundente?
Pont - O governo está mantendo um conjunto de políticas
sociais. O salário-mínimo vai continuar crescendo conforme a regra anterior. O
problema é que, se o crescimento é muito baixo, a regra do mínimo fica
inalterada, corrigindo praticamente só a inflação. Essa não é uma política de
garantir recursos para que as empresas públicas tenham acesso a crédito e
financiamento para poder alavancar necessidades de infraestrutura e logística.
Não acreditamos que essa política de concessões que o governo está fazendo
tenha respostas dos investidores. Não adianta dizer que somos favoráveis às
PPPs (parcerias público-privadas), porque, para aquelas de que o País
necessita, não há parceiros. Os parceiros querem a coisa pronta e com uma
perspectiva de lucro muito alta e imediata. Com uma taxa de juros de 14%, quem
é que vai fazer investimento produtivo?
JC - A conjuntura adversa enfraqueceu o PT? O
ex-presidente Lula usou expressões como "volume morto" para definir a
situação da sigla.
Pont - É uma figura de linguagem usada pelo Lula. Não foi
feliz, mas acho que isso foi bastante explorado pelos meios de comunicação, já
que a expressão "volume morto" nasceu com a crise do sistema dos
reservatórios de São Paulo, portanto é uma má imagem. Acho que o partido vem
sendo acusado de não ter respostas suficientemente rápidas ou não assumir o
protagonismo devido. Mas há coisas pelas quais a sigla é responsabilizada
injustamente. Reconheço que haja um desgaste, mas discordo que não haja
recuperação e que teríamos de construir outras alternativas partidárias. A nossa
luta para mudarmos a orientação do governo é por acreditarmos nele e no
partido.
JC - Levando em conta os fatos mais recentes de nossa
política, como o senhor vê a democracia hoje?
Pont - O processo democrático brasileiro corre sérios
riscos. Da Constituinte para cá, esperávamos construir um sistema melhor e mais
sólido, mas isso não aconteceu. A solidez e a estabilidade dos países
democraticamente mais estáveis é dada pelos sistemas partidários. O sistema
eleitoral no Brasil é exatamente o oposto, faz de tudo para enfraquecer o
partido e fortalecer o indivíduo. A cada eleição, mais que dobram os recursos
privados para o financiamento de candidaturas, tornando o Parlamento cada vez
menos legítimo. O debate foi transformado em um processo de controle do poder
econômico, fisiológico. Atualmente, é comum as pessoas falarem em bancada do
agronegócio, dos bancos, das igrejas. Vivemos uma situação duríssima, na
democracia brasileira, pela sua desqualificação.
JC - O debate sobre privatizações no Rio Grande do Sul
durante o governo de Antônio Britto (PMDB, 1995-1998) voltou na gestão José Ivo
Sartori (PMDB). Qual é a sua avaliação?
Pont - É uma péssima saída. Se o governo quer enfrentar
mesmo um déficit, tem de ter uma política de crescimento. Não tem como sair da
crise sem crescer. Os aumentos de tributos têm de ser seletivos. Sou a favor
dos impostos sobre heranças e doações de grandes fortunas. No Estado, criar um
fundo complementar, junto ao fundo que o Tarso (Genro, PT) já criou e que já
está acumulando para sustentação futura do regime próprio dos funcionários.
Claro que nenhuma coisa dessas vai resolver imediatamente o problema, mas isto
é política de Estado, de longo prazo.
JC - Como está sua vida sem exercer um cargo eletivo?
Pont - Um pouco mais livre de horário, mas não de
trabalho. Eu tenho me dedicado ao partido. Então, tem muita reunião no
Interior, acompanhamento de prefeituras, formação de políticos e da juventude.
A gente também vê como está a preparação para o ano que vem, quem vai ser o
candidato. Claro que a gente não substitui o município, mas vai lá e dá nossa
opinião.
JC - Nas eleições de 2016 em Porto Alegre, que quadro o
senhor enxerga como candidato a prefeito? O PT vai ter candidatura própria?
Pont - Estamos procurando recompor uma frente de
esquerda. Nós não podemos ser o fiel da balança, e nem temos aqui nenhuma bula
papal para dizer quem é esquerda e quem é direita. O PSB apoiou o Aécio no
segundo turno. Achamos isso um equívoco. Queremos diálogo com socialistas, com
o PCdoB, que é um parceiro mais sólido e está no governo conosco. O melhor que
deveríamos fazer é ter uma política de construção de um campo de alianças mais
à esquerda, que não seja tão esquizofrênico quanto o que a gente tem hoje.
JC - Independentemente de que partido venha o candidato?
Pont - Isto é um objetivo estratégico para nós, que não é
só para as eleições. O PT não é o único partido da esquerda, mas por sermos o
maior, temos mais responsabilidade em querer algo mais duradouro. Achamos que é
possível construir um processo de identidade programática nesse campo. Como há
dois turnos, se não houver condições, já poderíamos anunciar ao eleitor uma
identidade programática. Já no primeiro turno diríamos que, com tais partidos,
temos afinidade e esperamos reciprocidade. Mas não podemos fazer isso por
imposição ou artificialismo. O Tarso foi ao Rio de Janeiro para falar com o
(Roberto) Amaral (PSB), com o Marcelo Freixo, do P-Sol (para configurar uma
frente de esquerda). Essa é uma tarefa à qual estamos dando muita importância e
queremos sinalizar, do Rio Grande do Sul para os demais estados, que o PT deve
fazer isso.
Perfil
Raul Jorge Anglada Pont nasceu em Uruguaiana em 1944.
Iniciou a trajetória política durante o curso de Ciências Econômicas, na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), onde presidiu o Diretório
Central dos Estudantes (DCE). Perseguido na ditadura militar, foi torturado e
preso. Mudou-se para São Paulo. Nos anos 1970, retornou ao Estado. Em 1980,
participou da fundação do PT e assumiu como membro do diretório nacional. Em
1986, foi eleito deputado estadual constituinte. Em 1990, conquistou uma vaga
como deputado federal. Dois anos depois, foi eleito vice-prefeito de Porto
Alegre, na chapa encabeçada por Tarso Genro (PT). Em 1996, foi eleito prefeito
da Capital. Em 2003, retornou à Assembleia Legislativa. Em 2004, foi novamente
candidato à prefeitura da Capital, derrotado, no segundo turno, por José Fogaça
(à época, do PPS) - encerrando a hegemonia petista de 16 anos. Foi reeleito
para a Assembleia em 2006 e 2010. Com o fim do seu mandato neste ano, passou a
atuar exclusivamente em atividades do PT