Esta é uma entrevista dura e realista. Marcos Lisboa nãoi usa meios termos. O editor recomenda a leitura atenta. A entrevista não deve agradar aos ouvidos da
FIESP, onde estão situados os principais interesses na preservação da política
de desoneração fiscal, subsídios e altos impostos de importação, como forma de
sobreviver, apesar de sua reconhecida falta de competitividade .
E São Paulo é vilão até na área agrícola e extrativista. O problema econômico é até solúvel, se
comparado ao problema político e social , onde o equilíbrio federativo evita a
tomada de decisões acertadas e a ausência de valores de eficiência e
produtividade nos condena a uma mão-de-obra despreparada ( mas reivindicativa)
e à adoção de políticas sociais de desestímulo ao mérito. Tudo isso com um
contingente crescente de imigrantes (haitianos, ganenses, sírios, palestinos)
que, por coincidência (!), é dirigido para áreas de tradição política
antipetista , como forma de virar os votos regionais.
Enfim, nada que promova o otimismo e restabeleça
a credibilidade do país.
A entrevita foi concedida ao Estadão. Marcos Lisboa faz parte da ala dos economistas mais
desencantados com o futuro da economia brasileira. No curto prazo, vê a
necessidade de a equipe econômica evitar uma crise aguda no Brasil. Se o País
passar por esse sufoco, acha que a década de 1980 - chamada de perdida - pode
se repetir. "Eu acho que o Brasil corre o risco de, escapando da crise
aguda, viver muitos anos de baixo crescimento", afirmou Lisboa.
Na vice-presidência do Insper, Lisboa foi secretário de
Política Econômica do Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005 e participou da
equipe que promoveu ajustes na economia com uma agenda de reformas que
permitiu, por exemplo, o avanço do crédito no País.
A seguir, trechos da entrevista concedida ao Estado.
Leia tudo:
Como o sr. analisa a economia?
Foi grave o que fizeram nos últimos anos. Um ajuste
fiscal profundo e relevante evita uma crise aguda, mas não retoma o
crescimento. Essa crise não é igual a 1999 e 2003. Em 2003, tivemos uma bendita
herança. Pegamos um país arrumado. Houve erros na gestão do Fernando Henrique
Cardoso? Claro. Erros levaram ao racionamento de energia, por exemplo. Mas o
governo de FHC assumiu o problema de frente: "Erramos, fizemos
bobagem". Tiveram hombridade e liderança pública - o que não temos tido
recentemente. Basta ver o caso da água em São Paulo ou o da energia no governo
federal. Todo mundo tenta dar um jeitinho para evitar o racionamento. Agora, o
problema fiscal é apenas a superfície de uma política econômica equivocada, que
gerou uma série de distorções na atividade econômica.
Por quê?
Enquanto vários países procuraram arrumar a casa para
sair da crise, a gente inventou que a crise não iria chegar aqui. Retomamos os
mesmos mecanismos dos anos 70. Retomamos o nacional-desenvolvimentismo aplicado
lá atrás: fecha a economia, protege, concede subsídios. Foram essas medidas que
geraram aquela década e meia de atrasos pelos anos 80. Mas aquela crise forçou
o País a enfrentar a realidade. Nos anos 90 vieram a abertura econômica,
privatizações, agências reguladoras, equilíbrio fiscal e política monetária
equilibrada. Este é um ponto importante. O Brasil viveu - com idas e voltas,
avanços e retrocessos - uma trajetória de continuidade desde 1990.
Infelizmente, veio a crise em 2008 e qual foi a resposta? Repetimos a mesma de
74 que tinha dado errado.
O sr. está querendo dizer que vamos viver outra década
perdida?
Eu acho que o Brasil corre o risco de, escapando da crise
aguda, viver muitos anos de baixo crescimento. O estrago que foi feito na
produtividade é imenso. As pessoas estão muito preocupadas com a corrupção. A
corrupção é a franja do problema. O estrago que a política
nacional-desenvolvimentista fez na Petrobrás é incomparavelmente mais grave do
que os números apresentados até agora pela corrupção. Não estamos falando de
alguns bilhões de reais, mas talvez de centenas de bilhões de reais.
O que o sr. está vendo é uma situação como a dos anos 80?
Salvo o descontrole fiscal e monetário, sim. A
desorganização é menos grave, mas a direção é a mesma.
Esse tipo de política cria grupos de interesse. Estamos
vendo o drama da indústria naval. Pela terceira vez, o Brasil tenta fazer uma
indústria naval. A gente protege, dá um incentivo, dá um subsídio e cria regra
de conteúdo nacional. Ainda assim, a indústria não se desenvolve. Mas
condenamos o resto da economia a pagar mais caro pelo transporte naval. É o
Custo Brasil. A política de proteção é benéfica apenas para quem recebe. Para o
resto do País, é maléfica. Por que escolher empresas e setores para ter
benefício? O ministro Levy, que é mais elegante do que eu, falou em
patrimonialismo. Eu falo da meia-entrada. Todo mundo quer algum tipo de
benefício e este governo apoiou essa proposta. Em parte, a culpa do que está aí
é do governo, mas também da sociedade. O governo respondeu aos pedidos de
grupos empresariais, de sindicatos, de entidades como a Fiesp. Eles foram a
Brasília e falaram: "Baixa os juros, sobe o câmbio, concede proteção e
estímulo que o País voltar a crescer". Pois é. Deu errado.
Há sinais de desmonte dessa visão econômica?
É difícil desmontar incentivos. Cada vez que você tentar,
vai mexer com um grupo e provocar algum tipo de manifestação. Olha a discussão
que se gerou por causa da mudança na desoneração da folha de pagamento. Existem
propostas boas para desonerar a folha, mas conseguiram escolher a pior. Fizeram
uma desoneração tecnicamente incompetente. Agora, para desmontar, vão ter de
enfrentar os grupos de interesse.
Marcos Lisboa faz parte da ala dos economistas mais
desencantados com o futuro da economia brasileira. No curto prazo, vê a
necessidade de a equipe econômica evitar uma crise aguda no Brasil. Se o País
passar por esse sufoco, acha que a década de 1980 - chamada de perdida - pode
se repetir. "Eu acho que o Brasil corre o risco de, escapando da crise
aguda, viver muitos anos de baixo crescimento", afirmou Lisboa.
Na vice-presidência do Insper, Lisboa foi secretário de
Política Econômica do Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005 e participou da
equipe que promoveu ajustes na economia com uma agenda de reformas que
permitiu, por exemplo, o avanço do crédito no País.
A seguir, trechos da entrevista concedida ao Estado.
Como o sr. analisa a economia?
O momento é de preocupação. Há o descontrole fiscal que,
nos últimos anos, levou a essa inflação elevada, à estagnação da economia e que
começa a afetar de forma preocupante o mercado de trabalho. Todo o esforço que
existe hoje por parte da equipe econômica tenta evitar uma crise aguda.
É possível evitar a crise aguda?
Vai depender da capacidade de o governo fazer o ajuste
fiscal firme. Na medida em que for feito, ajuda no combate à inflação.
Infelizmente, nessa área, o Banco Central perdeu um pouco de credibilidade nos
últimos anos, não só pela leniência com a inflação, mas pela falta de agenda. O
BC fez uma condução atabalhoada da política monetária. Faz anúncios de juros
para cá. Comunica outra coisa para lá. Sem falar das decisões infelizes, como o
processo contra o Alex (Alexandre Schwartsman, ex-diretor de assuntos
internacionais do BC que quase foi processado por ter criticado a instituição
em seus artigos) e agora a história do Pastore (Affonso Celso Pastore,
ex-presidente do BC, fez avaliação negativa sobre a instituição em um evento e
foi criticado pelo presidente do BC, Alexandre Tombini). Com tudo o que a gente
viu nos últimos anos, a sua capacidade de ter uma política eficaz é baixa.
Perdi muitos amigos aqui.
O Tombini é amigo?
Eu gosto de gente ali.
Quer comentar as polêmicas?
Não tenho muito a dizer. Acho lamentável. Já falei de
passagem.
O sr. falou que é preciso ser firme com o ajuste fiscal.
Está nos jornais a informação de que a presidente Dilma pode ceder em algumas
medidas...
Há uma preocupação grande com a qualidade do ajuste. O
descontrole que houve nos últimos anos foi grave. A gente saiu de um superávit
primário de 3% do PIB para um déficit primário de 1,6% - sem levar em
consideração receitas extraordinárias. Com as extraordinárias, são 0,6%.
Estamos falando em R$ 200, R$ 300 bilhões de variação no gasto público.
Reverter essa trajetória vai ser benéfico para tentar evitar uma crise aguda.
Mas vai depender da capacidade de o governo negociar com o Congresso. Até agora,
o que o Executivo conseguiu fazer são ajustes temporários. Agora, de fato,
medidas estruturais são aquelas anunciadas em dezembro. Aquelas medidas, sim,
vão gerar um ajuste fiscal sustentável para os próximos anos. Elas são
suficientes? Não, estão longe de serem suficientes, mas vão na direção correta.
O sr. acredita que as medidas passam no Congresso?
Não sei, aí a entrevista teria de ser com um analista
político (risos).
Política e economia estão se misturando. São duas crises
paralelas e uma contaminando a outra.
Eu acho que isso é um pouco resultado da campanha.
Venderam a ideia de que o Brasil teria recursos públicos para financiar de
tudo, assim como teria água e energia. A má notícia? Os recursos públicos estão
acabando, a água está acabando e a energia está acabando. Ao que parece, o
governo ficou refém de um discurso, mas agora precisa trocá-lo. Vendeu uma
coisa que não é capaz de entregar. É por isso que se faz um ajuste de maneira
um pouco atabalhoada. Não há um plano claro, estruturado, com medidas de longo
prazo que vão permitir não apenas evitar a crise aguda, mas retomar o
crescimento. O que a gente tem é um conjunto de medidas que estão disponíveis
para evitar o pior. São as melhores para o crescimento? Não. Mas são melhores
do que não fazer. Infelizmente, vivemos o custo do que se vendeu na campanha
eleitoral.
Para muitos, se o ministro da Fazenda, Joaquim Levy
conseguir parte do que está prometendo é sinal de que consegue reverter a
situação.
Foi grave o que fizeram nos últimos anos. Um ajuste
fiscal profundo e relevante evita uma crise aguda, mas não retoma o
crescimento. Essa crise não é igual a 1999 e 2003. Em 2003, tivemos uma bendita
herança. Pegamos um país arrumado. Houve erros na gestão do Fernando Henrique
Cardoso? Claro. Erros levaram ao racionamento de energia, por exemplo. Mas o
governo de FHC assumiu o problema de frente: "Erramos, fizemos
bobagem". Tiveram hombridade e liderança pública - o que não temos tido
recentemente. Basta ver o caso da água em São Paulo ou o da energia no governo
federal. Todo mundo tenta dar um jeitinho para evitar o racionamento. Agora, o
problema fiscal é apenas a superfície de uma política econômica equivocada, que
gerou uma série de distorções na atividade econômica.
Por quê?
Enquanto vários países procuraram arrumar a casa para
sair da crise, a gente inventou que a crise não iria chegar aqui. Retomamos os
mesmos mecanismos dos anos 70. Retomamos o nacional-desenvolvimentismo aplicado
lá atrás: fecha a economia, protege, concede subsídios. Foram essas medidas que
geraram aquela década e meia de atrasos pelos anos 80. Mas aquela crise forçou
o País a enfrentar a realidade. Nos anos 90 vieram a abertura econômica,
privatizações, agências reguladoras, equilíbrio fiscal e política monetária
equilibrada. Este é um ponto importante. O Brasil viveu - com idas e voltas,
avanços e retrocessos - uma trajetória de continuidade desde 1990.
Infelizmente, veio a crise em 2008 e qual foi a resposta? Repetimos a mesma de
74 que tinha dado errado.
O sr. está querendo dizer que vamos viver outra década
perdida?
Eu acho que o Brasil corre o risco de, escapando da crise
aguda, viver muitos anos de baixo crescimento. O estrago que foi feito na
produtividade é imenso. As pessoas estão muito preocupadas com a corrupção. A
corrupção é a franja do problema. O estrago que a política
nacional-desenvolvimentista fez na Petrobrás é incomparavelmente mais grave do
que os números apresentados até agora pela corrupção. Não estamos falando de
alguns bilhões de reais, mas talvez de centenas de bilhões de reais.
O que o sr. está vendo é uma situação como a dos anos 80?
Salvo o descontrole fiscal e monetário, sim. A
desorganização é menos grave, mas a direção é a mesma.
Como se desmonta isso?
Esse tipo de política cria grupos de interesse. Estamos
vendo o drama da indústria naval. Pela terceira vez, o Brasil tenta fazer uma
indústria naval. A gente protege, dá um incentivo, dá um subsídio e cria regra
de conteúdo nacional. Ainda assim, a indústria não se desenvolve. Mas
condenamos o resto da economia a pagar mais caro pelo transporte naval. É o
Custo Brasil. A política de proteção é benéfica apenas para quem recebe. Para o
resto do País, é maléfica. Por que escolher empresas e setores para ter
benefício? O ministro Levy, que é mais elegante do que eu, falou em
patrimonialismo. Eu falo da meia-entrada. Todo mundo quer algum tipo de
benefício e este governo apoiou essa proposta. Em parte, a culpa do que está aí
é do governo, mas também da sociedade. O governo respondeu aos pedidos de
grupos empresariais, de sindicatos, de entidades como a Fiesp. Eles foram a
Brasília e falaram: "Baixa os juros, sobe o câmbio, concede proteção e
estímulo que o País voltar a crescer". Pois é. Deu errado.
Há sinais de desmonte dessa visão econômica?
É difícil desmontar incentivos. Cada vez que você tentar,
vai mexer com um grupo e provocar algum tipo de manifestação. Olha a discussão
que se gerou por causa da mudança na desoneração da folha de pagamento. Existem
propostas boas para desonerar a folha, mas conseguiram escolher a pior. Fizeram
uma desoneração tecnicamente incompetente. Agora, para desmontar, vão ter de
enfrentar os grupos de interesse.