A reportagem a seguir é assinada pelos jornalistas Bruno Felin e Marcelo Gonzatto, jornal Zero Hora de domingo, e foi construída em cima da análise de 4,9 mil
páginas de inspeções do Tribunal de Contas, que mostra erros, irregularidades e
atrasos nas obras de mobilidade urbana de Porto Alegre.
Dentro de campo, a Copa do Mundo
2014 terminou há um ano. Nas ruas de Porto Alegre, não tem data para
acabar. De 14 projetos elaborados para o torneio, apenas cinco foram
concluídos: três viadutos e a ampliação de duas vias no entorno do Beira-Rio.
Os demais seguem em execução, com atrasos superiores a dois anos em relação ao
previsto nos contratos com as empreiteiras. Algumas melhorias, como a
duplicação da Rua Voluntários da Pátria, não têm prazo para o apito final.
O prejuízo não é só no cotidiano de quem precisa driblar
canteiros de obras e desvios, mas concreto. Em inspeções, o Tribunal
de Contas do Estado (TCE) sobrepreços que somam pelo menos R$ 21 milhões – em
parte evitados pela retenção de pagamentos às construtoras. Outros R$ 2 milhões
já foram pagos e podem ser restituídos aos cofres públicos quando as contas
forem julgadas.
Atrasar o término do corredor BRT (ônibus de
trânsito rápido) da Protásio Alves, por exemplo, custou R$ 98 mil ao mês até
agora. O impacto poderia ter sido maior se o TCE não tivesse acompanhado todas
as obras em tempo real, medida que não era aplicada para outras obras públicas.
Entre as razões do sobrepreço identificado está o tipo de
tabela usada para orçar materiais de construção. A prefeitura adotou uma
planilha nacional referendada pela Caixa Econômica Federal (chamada Sinapi),
mas os auditores consideraram que ela apenas estabelece um limite máximo, e que
seria mais adequado empregar a tabela da Secretaria Municipal de Obras e Viação
(Smov), por retratar melhor o mercado local.
— O sobrepreço tem uma discussão técnica. Em alguns
casos, equacionamos. Em outros, não tivemos como, ou a obra não seria
feita — diz o prefeito José Fortunati.
ZH analisou, via Lei de Acesso à Informação, 4.894
páginas produzidas pelo TCE com descrições de problemas em projetos básicos,
licitações e serviços. Em parte, as falhas têm origem na pressa e na falta de
planejamento a fim de garantir R$ 888 milhões disponíveis para financiar obras de
mobilidade. A Capital obteve verba federal para o maior número de melhorias
urbanas entre todas as cidades-sede, mas se sujeitou ao ônus de não conseguir
terminá-las. O relatório do TCE sobre a Terceira Perimetral diz: "O baixo percentual
de execução das obras e as dificuldades para superar os entraves existentes
demonstram as deficiências de planejamento e de gestão (...)".
Tudo começou em 2009, quando o município assinou convênio
para receber como doação do Centro das Indústrias do Estado (Ciergs) todos os
projetos básicos de engenharia. Os trabalhos não conseguiram identificar, por
exemplo, o tipo de solo em obras como a trincheira da Anita, onde havia rocha,
ou na da Ceará, muito mole. A construção parou, e os projetos foram refeitos.
— Foi erro de projeto, mas, com o tempo e o dinheiro que
tínhamos, fizemos o possível — alega o engenheiro contratado pelo Ciergs,
Paulo de Tarso Dutra, em relação à Ceará.
Dutra também se queixa de falta de planejamento das
gestões municipais:
— O projeto da Tronco foi alterado oito vezes na
prefeitura. Não se sabia quantas pessoas seriam realocadas.
]
Uma das exigências da Caixa era começar as construções a
tempo de terminá-las para o Mundial. Isso resultou em canteiros de obras
abertos sem verbas disponíveis, com projetos a serem corrigidos ou sem todas as
licenças devidas. Sem os papéis em ordem, o banco não liberava os recursos, as
construtoras não recebiam, e o trabalho perdia fôlego. Para terminar o entorno
do Beira-Rio a tempo, a prefeitura usou dinheiro próprio.
— Ou iniciávamos (as obras) ou perdíamos a verba.
Que bom que iniciamos — argumenta o secretário municipal de Gestão, Urbano
Schmitt.
O improviso tem seu preço. Surgiram entraves com
desapropriações, brigas judiciais, transplantes de árvores. Somaram-se a isso
os apontamentos de sobrepreço, o que fez a prefeitura reter parte dos
pagamentos às empreiteiras. Sem repasses, os canteiros de obras definharam
ainda mais.