A corrupção faz parte da condição humana. Isso não é um
álibi, mas uma constatação. Sempre haverá quem, independentemente das
circunstâncias, ceda à tentação do crime.
Outro fenômeno é a corrupção sistêmica, na qual o
pagamento de propina torna-se regra nas transações entre o público e o privado.
Isso não significa que todos são corruptos ou que todas as interações entre
agentes privados e públicos envolvam sempre propina. Mas, na corrupção
sistêmica, o pagamento da propina, embora não um imperativo absoluto, torna-se
um compromisso endêmico, a regra do jogo, uma obrigação consentida entre os
participantes, normalmente refletida no pagamento de percentuais fixos de
comissões sobre contratos públicos.
A economia perde eficiência. Além dos custos óbvios da
propina, normalmente inseridos nos contratos públicos, perde-se a racionalidade
na gestão pública, pois a apropriação dos valores passa a guiar as decisões do
administrador público, não mais tendo apenas por objetivo a ótima alocação dos
recursos públicos. Talvez seja ela a real motivação para investimentos públicos
que parecem fazer pouco sentido à luz da racionalidade econômica ou para a
extraordinária elevação do tempo e dos custos necessários para ultimação de
qualquer obra pública.
Mais do que isso, gera a progressiva perda de confiança
da população no estado do direito, na aplicação geral e imparcial da lei e na
própria democracia. A ideia básica da democracia em um estado de direito é a de
que todos são iguais e livres perante a lei e que, como consequência, as regras
legais serão aplicadas a todos, governantes e governados, independentemente de
renda ou estrato social. Se as regras não valem para todos, se há aqueles acima
das regras ou aqueles que podem trapacear para obter vantagens no domínio
econômico ou político, mina-se a crença de que vivemos em um governo de leis e
não de homens. O desprezo disseminado à lei é ainda um convite à desobediência,
pois, se parte não segue as regras e obtém vantagens, não há motivação para os
demais segui-las.
Pior de tudo, a corrupção sistêmica impacta o sentimento
de autoestima de um povo. Um povo inteiro que paga propina é um povo sem
dignidade.
Pode-se perquirir quando o problema começou, mas a
questão mais relevante é indagar como sair desse quadro.
Há uma tendência de responsabilização exclusiva do poder
público, como se a corrupção envolvesse apenas quem recebe e não quem paga. A
iniciativa privada tem um papel relevante no combate à corrupção. Cite-se o
empresário italiano Libero Grassi. Em ato heroico, no começo da década de 90 na
Sicília, denunciou publicamente a extorsão mafiosa, recusando-se a pagar
propina. Ficou isolado e pagou com a vida, mas seu exemplo fez florescer
associações como o Addiopizzo, que reúne atualmente centenas de empresários
palermitanos que se recusam a ceder à extorsão. Não se pretende que empresários
daqui paguem tão alto preço para tornarem-se exemplos, mas, por vezes, poderão
se surpreender como a negativa e a comunicação às autoridades de prevenção, que
podem mostrar-se eficazes.
Mas o poder público tem igualmente um papel relevante. As
regras de prevenção e repressão à corrupção já existem. É preciso vontade para
torná-las efetivas. Se a Justiça criminal tratasse a corrupção com um terço da
severidade com que lida com o tráfico de drogas, já haveria uma grande
diferença. Em parte, a inefetividade geral da lei contra a corrupção e contra
figuras poderosas é um problema de interpretação e não de falta de regras. O
exemplo do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Penal 470 deve ser um
farol a ser considerado por todos os juízes.
Dizer que as regras existem não significa que não é
preciso melhorá-las.
O que mais assusta, em um quadro de naturalização da
propina, é a inércia de iniciativas para a alteração das regras legais que
geram as brechas para a impunidade. O processo penal deve servir para absolver
o inocente, mas também para condenar o culpado e, quando isso ocorrer, para
efetivamente puni-lo, independentemente do quanto seja poderoso.
Não é o que ocorre, em regra, nos processos judiciais
brasileiros. Reclama-se, é certo, de um excesso de punição diante de uma
população carcerária significativa, mas os números não devem iludir, pois não
estão lá os criminosos poderosos. Para estes, o sistema de Justiça criminal é
extremamente ineficiente. A investigação é difícil, é certo, para estes crimes,
mas o mais grave são os labirintos arcanos de um processo judicial que, a
pretexto de neutralidade, gera morosidade, prescrição e impunidade.
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Um processo sem fim não garante Justiça. Modestamente, a
Associação dos Juízes Federais do Brasil apresentou sugestão ao Congresso
Nacional, o projeto de lei do Senado 402/2015, que visa eliminar uma dessas
grandes brechas, propiciando que, após uma condenação criminal, em segunda
instância, por um Tribunal de Apelação, possa operar de pronto a prisão para
crimes graves e independentemente de novos recursos. Críticos do projeto
apressaram-se em afirmar que ele viola a presunção de inocência, que exigiria o
julgamento do último recurso, ainda que infinito ou protelatório.
Realisticamente, porém, a presunção de inocência exige que a culpa seja provada
acima de qualquer dúvida razoável, e o projeto em nada altera esse quadro. Não
exige, como exemplificam os Estados Unidos e a França, países nos quais a
prisão se opera como regra a partir de um primeiro julgamento e que constituem
os berços históricos da presunção de inocência recursos infinitos ou processos
sem fim. O projeto não retira poderes dos Tribunais Superiores que, diante de
recursos plausíveis, ainda poderão suspender a condenação. Os únicos
prejudicados são os poderes da inércia, da omissão e da impunidade.
Mas há alternativas. Em sentido similar, existe a
proposta de emenda constitucional 15/2011, originária de sugestão do ministro
Cezar Peluso, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal. O Ministério Público
Federal apresentou dez propostas contra a corrupção que deveriam ser avaliadas
pelo governo e pelo Congresso, assim como os projetos citados, com a seriedade
que a hora requer.
O fato é que a corrupção sistêmica não vai ceder
facilmente. Deve ser encarada da forma apropriada, não como um fato da
natureza, mas como um mal a ser combatido por todos. Os tempos atuais oferecem
uma oportunidade de mudança, o que exige a adoção, pela iniciativa privada e
pela sociedade civil organizada, de uma posição de repúdio à propina, e, pelo
Poder Público, de iniciativas concretas e reais, algum ativismo é bem-vindo,
para a reforma e o fortalecimento de nossas instituições contra a corrupção.
Milhões já foram às ruas protestar contra a corrupção, mas não surgiram
respostas institucionais relevantes. O tempo está passando e o momento, em
parte, está sendo perdido.
Muito bom artigo. Ontem na Record (domingo espetacular) mostraram esquema de fraude em leilões. Ótima matéria e faz a pensar . . .
ResponderExcluirA legislação processual penal foi elaborada como uma rede de pesca feita para pegar lambaris, e deixar escapar os peixes mais graúdos... É um conluio informal de legisladores financiados por estes peixes graúdos e eleitos exatamente para deixar tudo como está, funcionários públicos corruptos, as grandes bancas de advocacia repletas de ex- ministros, juízes, etc, que ganham fortunas para livrar a cara destes peixes graúdos, e nós, os contribuintes-eleitores, que votamos na canalhada e alegremente os elegemos, para que depois a gente possa ir pra rua protestar contra o mau uso do dinheiro público, contra os políticos em geral...ou seja, a culpa é nossa, cidadão!!
ResponderExcluirDemocracia só é viável com ESTADO MÍNIMO, ausência de estatais, estado sem direito a propriedade, essa invenção maluca que está destruindo as economias pelo mundo afora....
ResponderExcluirFuzileiros em ação
ResponderExcluirO MST deu o maior azar por tentar fechar a Rodovia Amaral Peixoto, no Rio de Janeiro, sexta-feira passada (02/10) pela manhã, bem na hora que o Corpo de Fuzileiros Navais iria fazer um treinamento em um local cortado pela estrada.
Burramente, os bandidos do MST tentaram barrar a passagem do comboio.
Resultado: 40 minutos de combate, com tiros de verdade, e algumas prisões, ficando 35 sem-terra feridos e todos os fuzileiros ilesos.
Conclusão: o tal "exército do Stédile", invocado por Lula, não é tão bom de combate assim como a retórica revolucionária sugere...
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