Artigo, Fernando Schuller - A moderação como vício, a moderação como virtude - O caso do PSDB

 * Artigo publicado na revista Época

O PSDB anda dividido sobre o impeachment da Presidenta Dilma. Uma parte queria ver o partido na vanguarda dos protestos de rua, outra preocupa-se com os “elementos jurídicos”. O Partido também se divide no tema das terceirizações. Uma parte apoia o projeto, outra recua, sob pressão das redes sociais. O PSDB parece sempre assim, dividido. Alguns dizem que isso é bom para a democracia. Ao menos temos um partido “ponderado”. Alguns dizem que é ruim, que seria bom ter uma oposição mais efetiva. Todos, porém, parecem concordar que isto é muito bom para o governo.

O Brasil vive uma situação curiosa. O governo parece viver uma crise cada vez mais aguda, o tesoureiro do PT vai preso e a maioria da população se diz favorável à abertura de um processo de impeachment. Há, inclusive, algo impensável, tempos atrás: movimentos de massa contra o petismo. O que parece faltar é uma oposição. O PSDB não parece vocacionado a cumprir este papel. Há muita gente impaciente com isso, vociferando na internet. Mas parece não ter jeito. O PSDB não fará o que o PT fez, na época em que era oposição. Não é da sua natureza, simplesmente isso.

O PSDB é um “estado de espirito”, costuma dizer o ex-Presidente Fernando Henrique, com bom humor. Tem muita simpatia, economistas de primeira linha, mas pouca militância. Tem um bom programa, mas baixa organicidade. Xingado de “neoliberal”, durante anos, pelo petismo, é hoje atacado como “de esquerda”, pelos grupo radicais que andam pelas ruas. Partido líder da oposição, elogia o ministro da fazenda e se preocupa com a governabilidade do País. Talvez um partido cheio de dedos demais para a selva política brasileira.

Consta que o embrião PSDB nasceu em uma reunião de Prefeitos, nos idos de 1985, num escritório na Avenida São João, no centro velho de São Paulo. Eram 40 prefeitos da ala progressista do PMDB paulista. Ato seguinte, o Partido tomou forma nas cisões internas do PMDB, na constituinte. Pesou o debate sobre o sistema de governo, a rejeição ao mandato de cinco anos para o Presidente Sarney, e mesmo a ruptura com o quercismo, em São Paulo.

O partido nasceu oposicionista, a partir de uma base de princípios – a socialdemocracia, o parlamentarismo, a ideia do “estado necessário’’. Nasceu com o apoio de intelectuais de alto calibre republicano, como Afonso Arinos, Bresser Pereira e José Arthur Giannotti. Mas nasceu como um partido parlamentar. Nada de sindicatos, movimentos sociais. Nada também de instâncias de base, prévias ou muita democracia partidária. Basta observar a composição das direções partidárias, desde o início: nunca houve dúvidas de que o PSDB seria um partido de quem tinha mandato. Um partido de baixa intensidade, meio sem graça até, feito sob medida para uma “democracia madura”. O que nunca foi o caso, definitivamente, da democracia brasileira.

O partido nasceu sob os ventos de mudança, que varreram o planeta, no final dos anos 80. A queda do muro de Berlin, o fim do socialismo real, a redemocratização da América Latina. Mas não apenas isto. Foi o tempo de revolução tecnológica, em que as fronteiras se abriram, o comércio global explodiu e o velho welfarestate europeu subitamente envelheceu. Na Espanha, Felipe Gonzalez conduz a abertura econômica; na Itália, Acchille Occhetto fecha as portas do velho PCI, e na Inglaterra gesta-se o novo trabalhismo, sob a batuta intelectual de Antony Giddens e a ainda jovem liderança de Tony Blair.

Nesse contexto, inútil tentar compreender o surgimento do PSDB com uma “dissidência à esquerda” do PMDB. Por esta lógica, a “não-dissidência à direita” governaria o País, há 12 anos, em aliança com o PT. O Brasil é um curioso Pais em que duas palavrinhas do proselitismo político – esquerda e direita - se tornam conceitos acadêmicos. O PSDB foi o partido que levou à frente, junto com figuras isoladas, como Roberto Freire e Fernando Gabeira, as intuições da chamada “terceira via”. Reforma do Estado, responsabilidade fiscal, abertura ao mercado e políticas inclusivas. De um modo geral, o receituário da “Concertação” chilena, de Ricardo Lagos, transformada em “neoliberalismo”, no calor dos trópicos.

Desde o início, é impossível pensar o PSDB dissociado da figura de Fernando Henrique Cardoso. É ele que escreve, que dá o tom ao debate, que recebe os aplausos mais demorados, já no primeiro encontro do partido. Fernando Henrique, o Professor de Daniel Cohn-Bendit, em Nanterre, o ideólogo discreto do MDB que conduziria o País à abertura, nos anos 70, até tornar-se o grande estadista – talvez único – da quinta república brasileira.

Fernando Henrique, o político bossa nova. Suave na fala, sempre disposto à convergência, e fazendo parecer que tudo é muito fácil, mesmo quando de fato não é. Sua personalidade definiu, de certo modo, o DNA do novo partido. A turma “em cima do muro”, no humor político. Não tanto pela indecisão, mas por ter feito da moderação uma virtude.

A ausência que se fez tornou um predicado: o afastamento dos sindicatos. Presos ao Estado, dependentes do imposto sindical, os sindicatos há muito tornaram-se âncoras do conservadorismo brasileiro. Reforma da previdência? Contra. Reforma da legislação trabalhista? Contra. Meritocracia no setor público? Nem pensar. Em parte, sindicatos são assim, em toda parte. Opõem-se à inovação social, recusam a destruição criativa schumpeteriana. No Brasil, porém, parecem viver inteiramente fora do tempo. Sua folha corrida inclui a oposição ao plano real e à lei de responsabilidade fiscal. A distância dos sindicatos foi, para o PSDB, a via da modernização programática (hoje quem sabe ameaçada), e também a privação de extensos aparelhos de suporte político, usados à exaustão por parte de seu maior rival político.

Com apenas seis anos de existência, o PSDB chega ao governo, em 1994. Na sua gestão, criam-se as agências reguladores e executa-se um amplo programa de desestatização da economia. O número de funcionários civis da União cai de 630 mil para 530 mil (voltaria a 630 mil no final do governo Lula). Consolida-se o poder civil, com a criação do ministério da defesa, e o ensino fundamental é universalizado, sob a gestão do Ministro Paulo Renato de Souza.

A história dirá sobre seus grandes erros. De minha parte, aponto dois: o relativo abandono do Plano Diretor da Reforma do Estado, conduzido pelo Ministro Bresser Pereira, no primeiro mandato, e a relativa demora na implantação dos programas sociais. Basta dizer que o Bolsa Escola surgiu apenas em 2001, o que ajudou a gerar o estigma – não de todo equivocado – de um partido pouco voltado à questão social.

Uma vez na oposição, o PSDB submerge. Lula captura para si a agenda da estabilidade econômica e dedica seus melhores esforços à desconstrução sistemática da obra e da imagem dos tucanos. No discurso oficial, a história do Pais é dividida em duas partes: antes e depois de 2003. E a estratégia funciona. O PSDB se vê acuado e perde sucessivas eleições presidenciais. Pior: aceita o jogo, e mesmo recua na defesa das reformas empreendidas em seu governo. Em uma década, sua bancada na Câmara Federal é reduzida à metade.

No início de 2011, após a terceira derrota seguida do partido, nas eleições presidenciais, Fernando Henrique publica um artigo sobre os rumos da oposição, na Revista Interesse Nacional. Seu argumento é simples: surgiu uma nova classe média urbana, no País, nos últimos anos, e deve ser este o alvo preferencial da oposição. É inócuo, na visão do ex-presidente, tentar dialogar com o setor sindical, atrelado ao Estado, e difícil penetrar nas áreas mais pobres do País, igualmente mantidas sob controle do governo, via programas de transferência de renda.

O artigo produz certa repercussão. Lula, malandro, compara Fernando Henrique ao General Figueiredo, que dizia preferir cheiro de cavalo ao do povo. Demagogia a parte, o artigo toca no ponto certo.

Não que a oposição tenha subitamente começado a dialogar com a classe média, mas o acaso parece fazer o seu trabalho. O início da década assiste ao fim do boom das commodities e do crescimento fácil, à base da expansão do gasto público e dos incentivos ao consumo e endividamento das famílias. O Governo perde o mão, na política econômica, e a corrupção se torna manchete diária nos jornais. O ponto de inflexão ocorre com as grandes manifestações de junho de 2013. Grandes e efêmeras. Surto de indignação difusa dos cidadãos, nestes tempos de internet. O fato é que a classe média urbana gravitou, naturalmente, para a oposição. Sem que esta tenha feito lá grande esforço, nem entendido grande coisa.

Resultado disso é a eleição renhida de 2014. Os 48% de votos de Aécio Neves, sua vitória inconteste nos grandes centros urbanos, e o inédito início de mandato de um chefe de estado com 78% de desaprovação popular. E o PSDB segue como sempre: contundente no Congresso e observando discreto as passeatas. Chamado de “partido de bananas” pelos ativistas mais jovens e radicais, encaminha uma consulta jurídica sobre a hipótese do impeachment, e apresenta uma nova proposta de reforma política.

Para onde vai o PSDB? Intuo que resistirá, até onde der, à tese do afastamento da Presidenta. Foi assim também à época do Mensalão, com Lula. Apenas fatos novos e de altíssima gravidade farão o partido mudar de rumo. Ainda assim, não imagino que se colocará na vanguarda. Quando muito, seguirá, relutante, o movimento das ruas, que por agora parece ter esfriado. Para chegar ao poder, a oposição terá que ganhar as eleições. Primeiro em 2016, depois em 2018.


Weber definiu a política como o “lento perfurar de tábuas duras”. Arrisco dizer que é esta a intuição que anda na cabeça de muita gente, no PSDB. Depois de perder quatro eleições, quem sabe tudo dê certo, na quinta. O partido parece não ter pressa, nem desejar tanto assim o poder, como se poderia imaginar. Nesses últimos anos, o partido tem sido o príncipe encantado da classe média oposicionista, Brasil afora. O risco é, qualquer dia desses, aparecer algum tipo menos comportado, e lhe roubar a noiva, na beira do altar.

15 comentários:

  1. Há muito tempo já escrevia ao PSDB, cobrando uma oposição forte ao PT. Sugeri, inclusive, que contratassem uma empresa estrangeira para orientá-los. Escrevi tantas vezes, até que desisti.

    mj

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  2. 2018, continuar assim, teremos Caiado ou Bolsonaro, o pessoal encheu o saco com o Psdb mole do jeito que é !

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  3. É o melhor partido e melhor forma de Governo.

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  4. Se o PSDB está dividiodo em relação ao Impeachment é sinal de que ou são covardes ou não tem a cara de pau suficiente como teve o PT quando oposição.

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  5. O PSDB nunca foi oposição ao partido petralha, mas o PT sempre foi oposição ao PSDB, inclusive neste doze anos de governo continua chamando os tucanos para a briga, mas estes são entonados demais (a maioria) para reagirem. Socialdemocracia é só um nome bonito que inventaram para esquerdismo do final do século XX. A diferença dos sociais democratas para os comunistas/socialistas, é que os primeiros estudaram um pouco mais e concordam com a alternância no poder.
    O principal problema do PSDB são o FHC, o Serra e o Alckmin, que são as vozes e mandam no partido.

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  6. Não li todo o artigo pois e muito chato mas nas entrelinhas fez como o BOLSONARO pediu desfiliação do PSDB ou não se não esta expondo as vísceras do mesmo sera punido ou como ele mesmo diz o PSDB é dúbio.

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  7. C candidato da direita será o Caiado, que não tem problemas psiquiátricos; o Bolsonaro, não tem a menor chance, enquanto não buscar tratamento numa clínica psiquiátrica ...

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  8. FHC TRAÍRA?CUMPANHEIRO DO FORO DE SÃO PAULO, AGORA SABEMOS

    AGORA PELA SEGUNDA VEZ FHC SE MOSTRA, PARCEIROS DE TRATADOS DO FORO DE SÃO PAULO COM LULA E OS PETRALHAS.

    AGORA SABEMOS COM CERTEZA.

    -É...CHEGAMOS AQUI POR CAUSA DO FHC

    NUM ASSALTO, UM PARCEIRO DO ASSALTANTE FAZ DE CONTA QUE VAI AJUDAR A PEGAR O LADRÃO,NA VERDADE APENAS VAI ATRAPALHAR.

    QUALQUER COINCIDENCIA COM O COMPORTAMENTO DO FHC,AGORA SABEMOS NÃO,NÃO É MERA COINCIDÊNCIA,SABEMOS QUE É APENAS AJUDA PARA OS LADRÕES CONTINUAREM NO PODER ROUBANDO

    VACILÃO,FHC SOCORREU E DEIXOU A COISA CORRER NO MENSALÃO.

    UM SUJEITO ASSIM MAIS PARECE "QUINTA COLUNA",TRAÍRA" E COISAS DO GÊNERO.

    O BRASIL FOI SAQUEADO,ROUBADO E ESTUPRADO PELOS PETRALHAS AJUDADOS PELO FHC, TRAÍRA POSANDO DE SÁBIO E SANTO...

    É PIOR TER TRAÍRA NA TRINCHEIRA,POIS OS INIMIGOS,OS BANDIDOS JÁ IDENTIFICAMOS,JÁ TEMOS PROVAS, ALGUNS ESTÃO PRESOS.

    INIMIGOS NA TRINCHEIRA POSANDO DE SANTOS É MAIS DIFICIL.

    BARBARIDADE,BARBARIDADE, TODOMUNDO QUE PINTAVA SER OPOSIÇÃO AGORA VEMOS ERAM "CUMPANHEIROS" E PARCEIROS DE FALCATRUAS.

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  9. "O Brasil é um curioso Pais em que duas palavrinhas do proselitismo político – esquerda e direita - se tornam conceitos acadêmicos"

    Tai uma parte do texto que concordo e acho realmente um besteirol esquerda/direta. Isto não existe no Brasil. Faltou ao ilustre colunista dizer também que SOMOS TODOS MERCANTILISTAS!

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  10. Fernando Schuller, gaúcho, formado em História pela FAPA, já foi petista de carteirinha. Como não conseguia subir na estrutura do partido, já que começava a manifestar sua índole burguesa, bandeou-se para o PSDB, agarrado ao saco do Francisco Weffort. Agora cospe no segundo prato em que comeu.
    Provavelmente já preparando seu desembarque em algum partido que despontar para 2018. Enquanto isso, faz pequenos favores para grandes empresas. Não sei se tem toda essa isenção para criticar o PSDB.

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  11. É uma moderação de quem tem o rabo muito bem preso, quem não tem
    culpa no cartório é livre, o FHC
    é oposição apenas para coisas sem importância, mais naquelas explosivas, importantes, age como
    mero serviçal, como advogado de defesa dos petralhas.

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  12. Pesquisem na internet:

    PACTO DE PRINCETON e descubram quem é FHC e o PSDB.

    PT e PSDB farinhas do mesmo saco.

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  13. DEIXA SANGRAR, JÁ SABEMOS NO Q. VAI DAR. PROBLEMA DO PSDB, É DE -- AVE-- NÃO SÃO TUCANOS, SÃO PAVÕES, COM RABO MAOIR Q. O CÉREBRO.

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  14. Schueller é ex-petista. Trabalhou na Prefeitura, na Administração Tarso Genro como Coordenador do Livro e Literatura, na SMC.
    Depois foi trabalhar com F. Weffort, no Ministério da Cultura, num governo FHC e filiou-se ao PSDB.
    É tido como bom quadro teórico.

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  15. Faz bem o PSDB de manter Dilma Roussef e seu PT no poder enquanto o pior do ajuste fiscal é implantado. O desemprego urbano vai subir, os salários reais vão cair, não teremos investimentos privados nos próximos 2 anos, e a população vai aprender que "a nova matriz econômica" e o jeito bolivariano de administrar a economia é um fracasso. Se o PT já tivesse saído do poder o fracasso seria vendido como se fosse das políticas dos oposicionistas. O PSDB tem tempo para ganhar eleições, vai dar uma surra no PT em 2016 e em 2018.

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