Seu ex-amigo, companheiro e protetor, conta a breve trajetória traiçoeira de um farsante e mentiroso patológico. -
Meu caro Lula, permito-me escrever-lhe publicamente
diante da impossibilidade de nos falarmos em pessoa, com a franqueza dos tempos
de nossos seguidos contatos –você na presidência do Sindicato dos Metalúrgicos
e eu prefeito de São Bernardo do Campo.
Não vou falar das greves que ocorreram de 1979 a 1981,
que projetaram seu nome no Brasil e no exterior. Não quero lembrar os dias
angustiantes da intervenção no sindicato pelo ministro do Trabalho, em março de
1979, e da violência que se seguiu com prisões, processos e a sua detenção pelo
Dops (Departamento de Ordem Política e Social).
Todos esses fatos sempre foram acompanhados por mim
juntamente ao senador Teotônio Vilela, a Ulysses Guimarães e a numerosos
políticos do então MDB.
Na véspera da intervenção no sindicato, você ligou no meu
gabinete me pedindo ajuda para retirar estoques de alimentos ali guardados.
Enviei caminhões da prefeitura para retirá-los e o material foi depositado na
igreja matriz da cidade.
Não falo das reuniões, madrugadas adentro, em meu
apartamento em São Bernardo, com figuras expressivas do mundo político e também
de outras esferas, como dom Cláudio Hummes, nosso amigo, então bispo de Santo
André, hoje pessoa de confiança do papa Francisco, em Roma. Éramos todos
preocupados com a sua sorte, a do sindicato e também a das nossas instituições
em pleno regime militar.
Prefiro não falar dos dias em que o acolhi em minha
chácara na pequena cidade de Torrinha, no interior de São Paulo, acobertando-o
de perseguições do poder militar da época: você, Marisa, os filhos pequenos,
vivendo horas de aflição e preocupantes expectativas.
Nem quero me lembrar das assembleias do sindicato, depois
da intervenção no estádio de Vila Euclides, cedido pela Prefeitura de São
Bernardo, fornecendo os aparatos possíveis de segurança.
Eram os primórdios de uma carreira vitoriosa como líder
operário que chegou à Presidência da República por um partido político que
prometia seriedade no manejo da coisa pública e logo decepcionou a todos pelos
desvios de comportamento e de abusos na condução da máquina administrativa do
Estado.
E aqui começa o seu desvio de uma carreira política que
poderia tê-lo consagrado como autêntico líder para um país ainda em busca de
desenvolvimento. Você deixou escapar-lhe das mãos a oportunidade histórica de
liderar a implantação de urgentes mudanças estruturais na máquina do poder
público.
Como bem lembrou Frei Betto, seu amigo e colaborador,
você, liderando o Partido dos Trabalhadores, abandonou um projeto de Brasil
para dedicar-se tão somente a um ambicioso e impatriótico projeto de poder,
acomodando-se aos vícios da política tradicional.
Assim, seu partido, em seus alargados anos de governo,
com indissimulada arrogância, optou por embrenhar-se na busca incessante,
impatriótica e irresponsável do aparelhamento do Estado em favor de sua causa
que não é a do país.
Enganou-se você com a pretensão equivocada de implantar
uma era de bonança artificial pela via perversa do paternalismo e do consumismo
em favor das classes menos favorecidas, levando-as ao engano do qual agora se
apercebem com natural desapontamento.
Por isso, meu caro Lula, segundo penso, você perdeu a
oportunidade histórica de se tornar o verdadeiro líder de um país que ainda
busca um caminho de prosperidade, igualdade e solidariedade para todos. Alguma
coisa que poderia beirar a utopia, mas perfeitamente factível pelo poder
político que você e seu partido detiveram por largo tempo.
Agora, perdido o ensejo de sua consagração como grande
liderança de nossa história republicana recente, o operário-estadista, resta à
população brasileira o desconsolo de esperar por uma era de dificuldades e
incertezas.
Seu amigo, Tito Costa.
ANTONIO TITO COSTA, 92, advogado, foi prefeito de São
Bernardo do Campo (1977-1983) pelo MDB/PMDB, quando teve atuação destacada nas
greves de metalúrgicos no ABC paulista em oposição à ditadura militar. Foi
também deputado federal constituinte (1987-1988)