A seguir, uma das devastadoras reportagens de capa da revista Época desta semana, na qual são listadas as viagens feitas por Lula a serviço das empreiteiras. Os jatos usados foram das próprias empresas ou pagos por elas. Seu mais constante companheiro de viagens foi o lobista da Odebrecht, Alexandtrino Alencar. A revista lista viagens conjuntas para uma dezena de Países: Cuba, Colômbia, Peru,Venezuela, Panamá, Equador, Guiné Equatorial, Angola, Gana, República Dominicana. Tudo pago por empresas como Odebrecht, Coteminas, Kroton, Camargo Correia, Queiroz Galvão, Brasif, OAS, Estados Unidos. Em todos eles, saíram negócios, em sua maioria financiados com dinheiro farto e barato do BNDES.
Leia tudo, porque vale a pena, e reserve como arquivo:
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acomodava-se no
Gulfstream G200, avião executivo com altura de cabine de quase 2 metros, naquele
21 de maio de 2011. O jatinho é um dos maiores de sua classe, a executiva. Tem
mesa de reunião, acabamento em madeira de lei e pontos USB para laptops. A
viagem de cerca de 5.000 quilômetros do Panamá a São Paulo aconteceu na
aeronave prefixo PR-WTR. Lula não estava sozinho.
Voava ao lado do lobista da Odebrecht Alexandrino
Alencar( ao fundo, de gravata), preso recentemente na Operação Lava Jato,
acusado de ajudar a empreiteira a operar as propinas do petrolão no exterior.
Alexandrino pediu demissão na semana passada de seu cargo na Odebrecht e teve a
prisão preventiva decretada pelo juiz Sergio Moro.
Em seu despacho, Moro escreveu: “Além das provas em geral
do envolvimento da Odebrecht no esquema criminoso de cartel, ajuste de
licitações e de propina, há prova material de proximidade entre Alberto Youssef
e Alexandrino Alencar”. Naquele dia de maio de 2011, Lula passou pelo sistema
de migração da Polícia Federal às 7h07; o lobista, quatro minutos depois.
Estavam juntos, como juntos estavam em mais aventuras do que admitem até hoje.
ÉPOCA obteve um relatório da PF com as entradas e as
saídas do Brasil de Lula e do lobista Alexandrino, entre 2011 e o início deste
ano. Há a comprovação de duas viagens da dupla, que já haviam sido noticiadas
(para Cuba e para Guiné Equatorial), e a revelação de que ambos estiveram
juntos em mais quatro ocasiões (nessa viagem para o Panamá; numa outra para
Colômbia, Peru e Equador; numa terceira para Portugal; e numa quarta para a
África, passando por Angola e Gana).
Além de atestar que a relação de Lula e Alexandrino era
muito próxima, as planilhas da PF permitem, pela primeira vez, conhecer o
sistema Uber particular de Lula – quem banca e como viaja o ex-presidente pelo
mundo afora. São 78 trechos internacionais. As planilhas não identificam
destino e origem das viagens. Mas apontam quem são os donos das aeronaves: em
alguns casos, empreiteiras, bancos, importadores e companhias têxteis. Em
outros, empresas alugando jatinhos de companhias de táxi-aéreo.
As viagens de Lula e Alexandrino não foram ocasionais. Os
dois são amigos. Depois das viagens que faziam juntos, costumavam se
cumprimentar com afetuosos beijos no rosto. Na sala de Alexandrino, na sede da
Odebrecht em São Paulo, uma foto com Lula dividia espaço com retratos de
familiares do executivo. Quando se referia a Lula, Alexandrino o chamava de
“presidente” ou de “chefe” – deferência não dispensada nem sequer ao próprio
Marcelo Odebrecht.
Tamanha era a intimidade entre os dois que Alexandrino
acompanhava Lula em reuniões e eventos restritos a autoridades de Estado, mesmo
quando o tour não era bancado exclusivamente pela Odebrecht. Numa excursão pela
América do Sul, Lula viajou com uma comitiva de executivos da OAS, da Camargo
Corrêa, da Andrade Gutierrez e da onipresente Odebrecht – todas acusadas de
participar do cartel do petrolão. A viagem começou pela Colômbia: Lula embarcou
em 3 de junho de 2013, às 9h41, de São Paulo para Bogotá. Lula foi a bordo do
mesmo jatinho que o levara ao Panamá, dois anos antes.
O lobista da Odebrecht (Alexandrino, não Lula) havia
embarcado horas antes, às 7h39, para a capital colombiana. Lá, eles se
encontraram com o presidente do país, Juan Manuel Santos, e participaram de
encontros com empresários. Lula e Alexandrino seguiram então para o Peru, onde
foram recebidos pelo então chefe de Estado, Ollanta Humala. Em fotos oficiais,
o lobista da Odebrecht aparece a um passo de Lula. Os dois não param de rir. O
périplo político da dupla terminou no dia 8 de junho de 2013, data em que ambos
regressaram ao Brasil, em voos diferentes.
Em encontros com autoridades estrangeiras, Lula sempre
defendia o interesse das empresas brasileiras em fazer negócios com o país de
destino. “Por isso, a gente fazia questão de bancar as viagens dele”, disse um
executivo de uma grande empreiteira antes de ser preso na última fase da Lava Jato. O investimento se mostrava
certeiro.
Em 13 de março de 2013, por volta das 8 horas, Lula e Alexandrino
embarcaram no aeroporto de Guarulhos com destino a Nigéria, Benin, Gana e Guiné
Equatorial. Quatro meses depois dessa passagem de Lula pela África, a Odebrecht
ganhou um contrato de uma obra de transporte com o governo ganês, contando com
US$ 200 milhões do BNDES. Em 17 de abril do mesmo ano, o presidente de Gana,
John Mahama, visitou o Brasil para lançar o seu livro Meu primeiro golpe de
Estado. Aproveitou para ter reuniões reservadas com Lula e representantes da
Odebrecht, segundo telegramas do Itamaraty.
Em alguns casos, era o próprio Lula quem decidia quando e
para onde queria viajar. Em mensagens de celular enviadas em 12 de novembro de
2013, Léo Pinheiro, presidente da construtora OAS, outro amigo de Lula preso na
Lava Jato, e o diretor da área internacional da companhia, Augusto César Uzeda,
acertavam detalhes dos preparativos para uma viagem do petista, a quem chamam
de “Brahma”.
“O Brahma quer fazer a palestra dia 24/25 ou 26/11 em
Santiago”, diz Léo Pinheiro. “Amanhã começamos a organizar, o avião é por nossa
conta”, escreve Uzeda. No dia 26 de novembro, às 10h53, conforme o combinado, o
ex-presidente passou pela imigração e, em seguida, embarcou no mesmo Gulfstream
G200, alugado da Global Aviation. No Chile, ele participou do seminário
Desenvolvimento e integração da América Latina. No dia 10 de dezembro de 2013,
um consórcio integrado pela OAS, a sul-coreana Hyundai, a francesa Systra e a
norueguesa AasJakobsen venceu a licitação para a construção de uma ponte de
2.750 metros sobre o Canal de Chacao, considerado o mais longo da América
Latina, depois de apresentar a única oferta. O valor estimado do investimento
da obra é de US$ 680 milhões.
Numa viagem de Lula e Alexandrino para Cuba, República
Dominicana e Estados Unidos, em janeiro de 2013, a Odebrecht pagou, por meio de
sua parceira comercial D.A.G. Construtora, R$ 435 mil para fretar uma aeronave
da Líder Táxi-Aéreo, segundo revelou o jornal O Globo em abril deste ano. Em
2011, Lula incluiu Alexandrino numa viagem à Guiné Equatorial em que ia como
chefe da delegação brasileira participar da Assembleia da União Africana, de
acordo com reportagem da Folha de S.Paulo.
Documentos obtidos por ÉPOCA revelam que empresas de
diversos setores bancaram as viagens de Lula pelo mundo afora. Ainda no ramo
das empreiteiras, no dia 5 de setembro de 2011, por volta das 11h30, o
ex-presidente embarcou numa aeronave modelo Falcon 900EX Easy no aeroporto
internacional do Recife.
A operadora do jato é a Morro Vermelho Táxi-Aéreo, do
grupo Camargo Corrêa – que, além de cobrir as despesas com o avião, doou R$ 3
milhões ao Instituto Lula e repassou R$ 1,5 milhão para a empresa do líder
petista LILS Palestras Eventos e Publicidade entre 2011 e 2013. Meses antes, em
fevereiro, Lula viajara a bordo de um Cessna C750, da companhia têxtil
Coteminas, do empresário Josué Gomes da Silva, e embarcara num Bombardier
BD-700 Global Express, pertencente à mineradora Vale, com destino a Guiné, onde
participou de um evento de início das obras de reconstrução de uma ferrovia.
Outros aviões de grandes empresários brasileiros também
já estiveram à disposição das viagens do ex-presidente petista entre 2011 e
2014: o de Sérgio Habib, da montadora JAC Motors; o de José Seripieri Junior,
dono da operadora de de saúde Qualicorp; de Jonas Barcellos, da empresa de
máquinas Brasif e conhecido como o “rei dos free-shops”; Marcelo Henrique
Limirio Gonçalves, fundador da Neo Química e sócio da Hypermarcas. Além deles,
de Walfrido Silvino dos Mares Guia Neto, ex-ministro do Turismo no governo Lula
e conselheiro de Administração da empresa de educação Kroton.
Procurada, a Odebrecht informou que pagou as despesas das
viagens do ex-presidente para Angola, Gana, Panamá, Peru, Portugal e República
Dominicana. A empresa ainda disse que o ex-diretor de relações institucionais,
Alexandrino Alencar, acompanhou Lula a todos esses destinos – e que o executivo
“não participava de reuniões do ex-presidente, além daquelas estritamente
relacionadas às palestras que o ex-presidente faria”. Além disso, a empresa
confirma que fez doações ao Instituto Lula, mas não revela valores. A Camargo
Corrêa, dona da Morro Vermelho Táxi-Aéreo, diz que patrocinou as palestras do
ex-presidente Lula em Portugal, em setembro de 2011; em Moçambique e na África
do Sul, em novembro de 2012; na Colômbia, em julho de 2013.
A Vale informou que Lula fez apenas uma viagem em
aeronave da empresa. A Queiroz Galvão informa que contratou Lula para três
palestras na América Latina e na África em 2011 e em 2013 como uma forma de
patrocinar eventos promovidos por entidades de fomento ao desenvolvimento
econômico e social. “Tais contratações se deram de forma legal e declarada aos
órgãos competentes. Em nenhuma dessas situações houve utilização de aeronave de
propriedade da empresa para transporte do palestrante”, diz a companhia. A
Brasif afirmou que cedeu ocasionalmente a aeronave para Lula, sendo algumas
vezes a convite da própria empresa. O empresário Josué Gomes afirmou que, em
2011, o assunto já “foi o objeto de reportagens”.
Sérgio Habib e Marcelo Henrique Limirio Gonçalves não
responderam até o fechamento desta edição. Walfrido Silvino dos Mares Guia
Neto, por meio de sua assessoria, disse que Lula realizou 14 viagens entre 2013
e 2015 em sua aeronave Cessna Citation CJ3. Já a OAS disse que não vai
responder às perguntas feitas por ÉPOCA.
Procurado, o Instituto Lula informou por meio de sua
assessoria de imprensa que tem como política divulgar as viagens do
ex-presidente ao exterior. “As viagens do ex-presidente Lula ao exterior não
foram de turismo ou passeio. Foram dando palestras, falando bem do Brasil no
exterior para investidores e autoridades estrangeiras, estimulando a
participação de jovens na política e divulgando políticas sociais de combate à
fome em eventos na África, América Latina, Estados Unidos, Europa e Ásia”, diz
o Instituto Lula. “No caso de atividades profissionais, palestras promovidas
por empresas nacionais ou estrangeiras, o ex-presidente é remunerado, como
outros ex-presidentes que fazem palestras.
O ex-presidente já
fez palestras para empresas nacionais e estrangeiras dos mais diversos setores
– tecnologia, financeiro, autopeças, consumo, comunicações – e de diversos
países como Estados Unidos, México, Suécia, Coreia do Sul, Argentina, Espanha e
Itália, entre outros. Como é de praxe, as entidades promotoras se
responsabilizam pelos custos de deslocamento e hospedagem”, complementa. “A
maioria das viagens do ex-presidente ao exterior não foram pagas pela
Odebrecht, que contratou palestras para empresários e convidados em países onde
a empresa já atua”, reitera. Além disso, o Instituto diz que todas as doações
recebidas são contabilizadas e foram pagos todos os impostos correspondentes.
Conforme ÉPOCA revelou em maio, o Núcleo de Combate à
Corrupção da Procuradoria da República no Distrito Federal iniciou uma
investigação para apurar se o ex-presidente praticou tráfico de influência
internacional junto a chefes de Estado e autoridades em favor da Odebrecht,
maior beneficiária dos financiamentos do BNDES no exterior. O MPF está
analisando as relações entre o ex-presidente e a construtora baiana, sobretudo
com o lobista Alexandrino Alencar. Lula está passando por uma turbulência sem
fim.