A entrevista a seguir é assinada pela repórter do jornal Zero Hora, Marta Sfredo. O entrevistado é o presidente das Lojas Renner, José Galló.
Vale a pena ler tudo com atenção. CLIQUE AQUI para examinar a versão do próprio jornal, no seu site de hoje.
Qual é a receita para ter aumento de lucro de 43,8% no
primeiro trimestre e 33,5% no segundo neste ano de crise?
Uma empresa cria
um diferencial competitivo, uma proposição de valor, que se materializa em
produtos de determinado preço, estão numa loja e se comunica por meio de
propaganda. E pessoas muito preparadas para executar tudo isso. Estamos 12
horas por dia colocando essa proposição de valor à disposição do cliente.
Talvez estejamos fazendo alguma coisa diferente dos outros.
Mas o que é diferente?
Entregamos um produto, um preço, uma loja e uma prestação
de serviços. Para que isso aconteça, temos de estar muito próximos do mercado.
De 2003 a 2010, houve uma grande euforia no mercado em que todas as empresas
iam bem, as que eram eficientes, as que eram meio eficientes, as que eram um
terço eficientes. Quando ocorre uma desaceleração da economia, começa a haver
uma seleção natural.
Essa proposição de valor tem uma receita?
É você definir que toda sua empresa quer encantar o
cliente. Desde o presidente à pessoa que atende o telefone. A gente consegue
estabelecer uma direção e diz o que quer fazer. Aí tem de vender essa ideia
para a equipe e que todos passem a ver um sentido. As pessoas sempre estão
dispostas a colaborar, a fazer. A questão é que às vezes os líderes não deixam
claro para onde estamos indo e qual é seu papel. Se deixa claro e convida as
pessoas a quantificar, a fazer orçamentos, participar do processo decisório,
obtém engajamento. Uma boa proposição de valor e uma equipe engajada geram
resultados.
A Renner foi afetada por aumento de custos e queda nas
vendas?
Nosso ramo de varejo é bastante fragmentado. Inclusive,
40% do mercado de roupas no Brasil é informal, vende sem pagar impostos. Então
há o teste do diferencial competitivo, vários não têm e estão saindo dos
negócios, e o governo acaba vez mais coletando e tentando reduzir a
informalidade, então há duas oportunidades que podem ser ocupadas.
O senhor costuma
dizer que a Renner anteviu essa crise em 2013. O diagnóstico da época bate com
a situação atual?
O tamanho do negativo
era um pouco menor. Estamos habituados a fazer projeções, orçamentos, planos de
longo prazo. Quando passa a receber variáveis econômicas, déficit, inflação,
artificialismos, e vê que não vai acabar bem. Então tem duas alternativas: ou
sai na frente e se prepara para não acabar bem ou deixa as coisas começaram a
deteriorar e só começa o ajuste da companhia nesse momento, que é muito mais
difícil.
Que tipo de ajustes?
Reduzir qualquer tipo de despesa, ter processos mais
produtivos, eliminar o que está fazendo e não é mais necessário. Quando empresa
vive um período de euforia, acumula gorduras que podem ser eliminados.
Houve corte de pessoal?
Não, porque não foi necessário. Nosso turnover
(rotatividade de pessoal) está ao redor de 35% a 40%, e é benchmarking
(referência positiva). Temos concorrentes que têm até 90% de turnover. Então se
há necessidade de ajuste, é só não repor. Estou aqui há 20 anos e nunca
reduzimos quadros em função de custos.
O senhor mencionou que já passou por outras crises à
frente da Renner. No que esta é diferente das demais?
É diferente. No período de estabilização, desde 1995 até
agora, praticamente não tivemos crises, e quando houve, em 2002 e 2008 foram
rápidas. Essa vai ser uma crise bem longa. Imagino que vamos ter o início de
retomada em 2018. Serão anos bastante desafiadores. Em 2013, quando fazíamos
ajustes, o cenário era de recuo no PIB de 1% neste ano e reação de 0,5% para
2016. A realidade é queda de 3% neste ano e 1,5% em 2016. Some-se a isso uma
situação mundial não favorável, a China em desaquecimento, será uma crise
bastante longa.
O dólar acima de R$ 4 afeta os negócios da Renner?
Temos uma importação da ordem de 30%, mas a gente já
hedgeou (protegeu-se contra variações cambiais) isso, então estamos operando
com dólar médio a menos de R$ 3. Isso até praticamente a coleção de inverno do
ano que vem. A partir daí vamos ter custos adicionais, mas isso vai acontecer
com todo o mercado, porque não existe mais indústria nacional de artigos de
inverno, couro e lã. Existia quando metade do ano essas indústrias produziam
para o mercado interno e, na outra metade, para exportação. Como a exportação
deixou de ser viável, é mandatório para todo o varejista brasileiro, importar.
Outro impacto virá com o aumento de ICMS no Estado?
É um custo adicional, para a Renner e para todo o setor
produtivo do Rio Grande do Sul. Isso me preocupa muito como isso vai afetar não
só a Renner mas toda a indústria, que está tendo uma queda relevante de 7%, 8%.
Tira a relevância, complica mais a situação. É muito fácil resolver aumentando
imposto. É importante ter um Estado, mas por um governo eficiente. A sociedade
estaria mais disposta a colaborar, e todo o empresariado, a partir do momento
que visse a entrega de bons produtos. O Estado existe para entregar saúde,
segurança, educação, infraestrutura e ainda temos um custo adicional. Seria
mais ou menos como se a Renner estivesse operando com suas despesas acima de
sua possibilidade e para resolver isso aumentasse seus preços. É claro que
seríamos expelidos do mercado. O que preocupa é a perda de competitividade do
Rio Grande do Sul. Estou dizendo isso porque estou achando ruim, falando de
coisas ruins, mas estou vendo a realidade. Às vezes, quando se fala de coisas
ruins, o mais fácil é atacar quem está fazendo. A gente não consegue resolver
um problema quando não o encara. O que estamos fazendo são arranjos que
certamente não vão resolver o problema. O grande desafio é ter um Estado
eficiente que entregue o que tem de entregar
Os preços da Renner no Estado vão ficar mais altos?
Não, provavelmente vai haver uma distribuição, porque
praticamos os mesmos preços. Alguém vai pagar a conta, não necessariamente no
Rio Grande do Sul. Temos de reverter essa situação no Estado, entram todos
nessa história. Não dá para pensar isoladamente. Não é a Renner, os
funcionários públicos, o Judiciário. Ou a gente se junta, ou afundamos todos.
Seria interessante que aproveitasse esse momento quase dramático para acertar
as coisas. Às vezes é preciso entrar em situação muito ruim para se recuperar. Seria
lamentável passar um momento tão difícil e tentar consertar por
artificialismos. É correta a impressão dos consumidores de que, quando o
imposto aumenta, preço sobe, mas se o imposto é reduzido, o preço não baixa?
Baixa, porque quando a gente faz a margem (de lucro), aplica sobre o custo. Se
o custo é menor, automaticamente baixa o preço.
Quem é o dono da Renner?
São 5 mil acionistas espalhados pelo mundo,
aproximadamente 38% nos Estados Unidos, 40% na Europa, 15% no Brasil e mais ou
menos 10% na Ásia e no Extremo Oriente. Então eu tenho a felicidade de ter 5
mil patrões. No Rio Grande do Sul, em 2005, foi criada a primeira corporação de
controle compartilhado do país.
É verdade que o presidente da Renner usa roupas de marcas
concorrentes para testá-las?
Testo, eu compro da Renner mas também testo a dos
concorrentes. Gosto de ver qualidade, uso dos produtos, se é confortável. De
vez em quando, acho uma calça que é mais confortável do que as da Renner. Eu
trago, para tentar descobrir o que tem que as da Renner não têm. Em qualquer
ramo, é preciso conhecer o concorrente. Nunca se deve subestimar a
concorrência.
Relógios são exceção no seu padrão de vida simples,
pessoal e profissional?
Meu relógio é de
US$ 20 (mostra o acessório digital de plástico preto). Mas há outros em casa?
Eu gosto muito de relógios, mas atribuo aos relógios ao mercado das
necessidades. Estamos na época da necessidade, da simplicidade, então uso o de
US$ 20. Em casa, tenho uns 40 relógios, é meu hobby.