Artigo, Elio Gaspari, Correio do Povo - A letalidade da roubalheira do Carf

No caso do Carf, a empresa que devia R$ 100 milhões pagou R$ 5 milhões à Receita e uns R$ 3 milhões à quadrilha. Só se produziu prejuízo e propina. -

A Operação Zelotes, conduzida pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, está comendo o pão que o tinhoso amassou. Ela começou em março e explodiu uma quadrilha de ex-conselheiros, parentes e amigos de conselheiros que vendiam decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, um órgão do Ministério da Fazenda (Carf).
Depois de dois anos de investigações sigilosas e 2.300 horas de escutas telefônicas, foram cumpridos 41 mandados de busca e apreensão. Passados na peneira, separaram-se 74 processos com cheiro de queimado, todos de peixes gordos.
Num grampo autorizado pela Justiça, um ex-conselheiro disse o seguinte: “Aqui no Carf só os pequenos devedores pagam. Os grandes, não.” Ou, noutra versão, mais crua: “Quem não pode fazer acordo, acerto — não é acordo, é negociata — se fode”.
A coisa funcionava assim, há muitos anos: uma grande empresa ou um grande banco era autuado em R$ 100 milhões pela Receita Federal, recorria ao Carf e liquidava a fatura reduzindo a autuação para algo como R$ 5 milhões.
Essa modalidade de corrupção é muito mais daninha do que tudo que se viu na Lava-Jato. Num raciocínio cínico, a tia de um empreiteiro que cobrou R$ 100 milhões por uma obra que valia R$ 50 milhões, sempre poderá dizer que, apesar de tudo, a obra do seu sobrinho está lá.
Já a tia de um magano que alugava por R$ 150 milhões um navio-sonda que o mercado oferece por R$ 100 milhões também dirá que o navio está no litoral de Campos, fazendo seu serviço.
No caso do Carf, a empresa que devia R$ 100 milhões pagou R$ 5 milhões à Receita e uns R$ 3 milhões à quadrilha. Só se produziu prejuízo e propina. Nem refinaria, muito menos navio-sonda.
Coisas estranhas aconteceram com a Operação Zelotes. Quando ela foi desencadeada, o juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília, julgou desnecessário prender pelo menos quatro acusados, contentando-se com os mandados de busca e apreensão. Jogo jogado. Em junho, o Ministério Público pediu e conseguiu seu afastamento.
Noutra ponta, saiu da Câmara dos Deputados um pedido de informações com algumas perguntas banais ao Ministério da Fazenda: Quais os valores de cada processo milionário julgado no Carf? Quais recursos foram aceitos?
Em junho, o doutor Carlos Alberto Freitas Barreto, presidente do Conselho, informou que, devido a uma mudança no sistema de armazenamento de dados, esse detalhamento só poderia ser apresentado “em breve”. Passaram-se três meses e nada.
Numa nova surpresa, o coordenador-geral de investigação da Receita Federal, Gerson Schaan, deu uma entrevista à repórter Andreza Matais na qual disse o seguinte: “O que a quadrilha fazia era direcionar o julgamento para uma turma que tinha entendimento a favor do contribuinte. Trata-se de um caso de corrupção, não de sonegação”.
Em tese, tudo bem, na prática, a ver. O centro dessa questão só será melhor entendido “em breve”, quando o Carf fulanizar nomes e cifras.
Nos pixulecos do Carf podiam ocorrer três situações:
1) O contribuinte sabia que estava sonegando e dava a pedalada tributária porque esperava ganhar a parada no Carf. Nesse caso há corrupção e sonegação.
2) O contribuinte pode ter razão, mas comprou o “direcionamento”. A Receita errou, mas falta explicar melhor como uma turma entende uma coisa e outra vai na direção oposta, sobretudo sabendo-se, há anos, que uma quadrilha orientava o trânsito. Nesse caso há um atravessador corrupto e um empresário corruptor.
3) No pior dos casos, o contribuinte tinha razão mas foi informado de que iria para a lâmina se não pagasse o pedágio. Segundo um dos integrantes da quadrilha, “se eu participar (...) eles têm mais ou menos 95% de chances de ganhar. Caso contrário, perderão, com certeza.”
Essas diferenças poderão ser esclarecidas se a Operação Zelotes entrar no estilo da Lava-Jato. Pelo andar da carruagem, apesar dos esforços da Polícia Federal e do Ministério Público, ela está devagar, quase parando.
Corre o risco de ficar parecida com a “Castelo de Areia”, aquela que livrou a empreiteira Camargo Corrêa de qualquer suspeita. Passaram-se seis anos e agora a empresa está colaborando com o juiz Sérgio Moro.


7 comentários:

Anônimo disse...

E não vai acontecer nada e em lugar nenhum. Tudo e todos amordaçados das mais diversas maneiras. O país e o povo que se dane, são apenas lixo.

Anônimo disse...

E nos Conselhos estaduais? Cabe aos Ministérios Públicos de cada Estado investigar os paralelos. Se aconteceu na área federal, imaginam nos demais Estados da federação.

jorge alvaes ribleiro disse...

Essa demora para se ter mais notícias da operação zelotes está muito estranha. Será porque tem muitas empresas de grande porte nessa baita falcatrua?

Anônimo disse...

Infelizmente, casos grandes só vão pra frente se tiver a participação grande do PT. Os demais casos são simplesmente ignorados. A justiça simplesmente ignora esses vergonhonosas corrupções e roubalheiras. Onde estão os presos do SwissLeaks e da Zelotes? A imprensa no país também é uma piada. Vemos só lava-jato. Onde estão as informações sobre SwissLeaks e sobre a Zelotes. Não gosto do PT(quem gosta?), mas não dá para dizer que não há um direcionamento da grande imprensa contra o PT(essa parte até que é boa, pois grande parte do PT é corrupta mesmo).Mas e os outros casos? Talvez seja mesmo hora de acabar com o PT. Quem sabe assim, a imprensa dê mais atenção a outros casos de corrupção e roubalheiras.

Anônimo disse...

Enquanto isso os zelosos funcionários da Receita Federal, de campana nas BRs da fronteira, ficam te multando e apreendendo mercadorias por que tu passou uma micharia de reais da cota de compra nos free shops do Uruguai.

Anônimo disse...

Já fizeram o cálculo de quanto devem a Gerdau e a RBS para os cofres públicos?

Anônimo disse...

Elio Gaspari é esquerdista “morde-assopra”. Olha a enormidade do que ele disse e o Políbio ainda nos faz PERDER TEMPO LENDO: “Essa modalidade de corrupção é muito mais daninha do que tudo que se viu na Lava-Jato”. Só se for em um “raciocínio MUITO cínico” como diz o Elio logo depois. E depois quer comparar fazer obras com pagar imposto??? Esse Elio NÃO TEM VERGONHA, NÃO??
Elio Gaspari NÃO É referência para os leitores do teu blog, Políbio. Por que nos fazes dessas???

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